terça-feira, 7 de julho de 2015

A prédica dominical de Albert Schweitzer

Muitas vezes o valor de um ensinamento se perde porque aquele que o transmite não tem a delicadeza e a humildade de adaptar suas palavras ao modo de entender daquele que ouve.   A respeito disto, o grande teólogo, filósofo e médico Albert Schweitzer, que viveu missionariamente na África, nos deixou bela lição.  Confira.
“Prego todos os domingos pela manhã na minha missão de Lambaréné, na África.  A maioria da minha congregação nada sabe sobre o cristianismo.  São trabalhadores em trânsito, vindos de pontos distantes do interior.  Dentro em pouco, voltarão para a sua terra onde comprarão uma esposa e se casarão.
Pouco a pouco os meus doentes e os seus acompanhantes aparecem, sentando-se entre os alojamentos e a encosta da montanha, à sombra dos telhados.  Toco num pequeno órgão portátil.  A congregação não pode cantar em conjunto, pois é formada de indígenas que falam seis dialetos diferentes.  Não exijo que fiquem sentados e em silêncio.  Acendem o fogo para preparar comida, dão banho nos filhos e os penteiam, consertam as suas redes de pesca.  Dois intérpretes traduzem o que digo.
Os meus sermões têm de ser muito simples.  Os que me escutam nunca ouviram falar de Adão e Eva, dos Patriarcas, dos Profetas.  Mas quando falo da diferença entre o coração inquieto e o coração em paz, até os mais selvagens entre eles sabem o que estou querendo dizer.  E quando apresento Jesus como aquele que traz a paz com Deus, eles compreendem.  Se da minha prédica eles podem levar consigo alguma coisa do Evangelho do Cristo, plantei uma semente.
Tenho de falar de maneira concreta para ser compreendido.  Por exemplo, a pergunta de São Pedro a Jesus sobre se basta perdoar sete vezes não pode ser deixada assim, como uma generalidade.  Tenho de esclarecer o conceito com exemplos tirados da vida deles.  Disse-lhes recentemente o seguinte:
Aparece alguém que se sabe que não presta.  Essa pessoa insulta você, mas Jesus diz que se deve perdoar, e você fica calado.
Mais tarde, a cabra do vizinho come as bananas do seu almoço.  Em vez de puxar discussão, você diz apenas que a culpa é da cabra dele e que, portanto, é justo que ele lhe dê outras bananas.  Se ele não concordar, você sai em silêncio, pensando que Deus faz as bananas crescerem com tal abundância no seu sítio, que você não tem necessidade alguma de brigar por tão poucas.
Depois disso, um homem que levou as suas quatro cargas de bananas para vender na feira junto com as dele, só lhe dá o dinheiro correspondente a três cargas, dizendo que foi só isso o que você lhe entregou.  Você tem vontade de dizer-lhe na cara que ele é um mentiroso.  Mas pensa que há muitas mentiras de que só você sabe e que Deus tem de perdoar, e volta para a sua cabana sem nada dizer.
Quando você vai acender o fogo, percebe que alguém levou parte da lenha que você foi buscar ontem no mato.  Mais uma vez você força o coração a perdoar e deixa de procurar o ladrão para entregá-lo ao chefe.
À tarde, você vai sair para trabalhar na roça, quando descobre que alguém apanhou a sua boa faca de mato, deixando em lugar dela uma velha faca cheia de dentes que você reconhece.  Você pensa então que já perdoou quatro vezes e pode perdoar a quinta.  Embora fosse um dia em que muitas coisas desagradáveis aconteceram, você se sente feliz, como se o dia tivesse sido dos mais calmos.  Por quê? Porque o seu coração está alegre, tendo obedecido à vontade de Jesus.
À noite, você quer ir pescar.  Não encontra o seu facho.  Fica furioso e chega à conclusão de que já perdoou demais nesse dia.  Mas de novo Jesus, o Senhor, domina o seu coração.  Você pede um facho emprestado e desce para o rio.
Chegando lá, não encontra a sua canoa.  Alguém foi pescar com ela.  Você então se esconde, furioso, atrás de uma árvore, com a idéia de tomar todo o peixe do intruso quando ele voltar e depois entregá-lo ao comandante do distrito.  Mas, enquanto espera, o seu coração começa a falar.  Repete muitas vezes o que Jesus disse: Deus não pode perdoar os nossos pecados, se não perdoarmos aos nossos semelhantes.  Quando o homem volta afinal, você sai detrás da árvore diz-lhe que Jesus força você a deixá-lo ir em paz.  Não exige nem o peixe, mas acredito que ele o dê, espantado com o fato de você não querer brigar.
Você então vai para casa, feliz e orgulhoso de ter conseguido perdoar sete vezes.  Mas se nesse mesmo dia Jesus chegasse à sua aldeia e você passasse diante dele, pensando que ele iria elogiá-lo, Jesus lhe diria apenas, como disse a São Pedro, que não basta perdoar sete vezes, que é preciso perdoar mais sete vezes e mais sete e muitas mais, até que Deus possa perdoar os seus muitos pecados.
Vejo pelos rostos dos que me ouvem como estão comovidos.  Muitas vezes pergunto-lhes se o coração deles está de acordo com o que foi dito.  Respondem sim, quase sempre.
Ao fim do sermão, faço-os juntarem as mãos e muito lentamente faço uma breve oração.  Muito tempo depois do “Amém”, as cabeças ainda estão curvadas sobre as mãos.  Quando a suave música recomeça, as cabeças se erguem.  Ficam imóveis até que os últimos acordes se dissipam.  Quando me retiro, meu povo se levanta.  Retira-se com a Palavra de Deus viva.

(Condensado de “The Record")

Um comentário:

  1. Olá, tudo bem?
    Adoramos suas indicações lá no Turbonauta, fique a vontade para enviar links diariamente.
    Até mais.

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