terça-feira, 23 de junho de 2020

ASSIM É O AMOR (parte 2)

 

Dando prosseguimento a lista de atitudes que podem ser reconhecidas nesse amor.  Veja aí as expressões de 1Co 13:5-6 (leia a primeira parte aqui).

 

Não maltrata (οὐκ ἀσχημονεῖ) - não é próprio ao amor agir de forma indecorosa ou comportar-se de maneira desonrosa.  Por outro lado, a recomendação de Paulo é que nossa responsabilidade seja viver decentemente (leia em Rm 13:13).

Não procura seus interesses (οὐ ζητεῖ τὰ ἑαυτῆς) - literalmente buscar ou exigir o que é seu, o próprio.  Pouco antes, o mandamento apostólico foi para que ninguém se ocupe apenas com seu próprio bem, mas dê atenção em cuidar dos outros (em 1Co 10:24).  Esse é o padrão de comportamento do amor cristão.

Não se ira (οὐ παροξύνεται) - ou seja, o amor não explode diante de provocação ou irritação.  Pelo contrário, o autor aos Hebreus instrui que nos provoquemos e motivemos em amor (Hb 10:24).

Não guarda rancor (οὐ λογίζεται τὸ κακόν) - pode ser dito: o amor não cogita - ou não leva em conta - o mal.  A indicação de Paulo aos Filipenses se enquadra no comportamento adequado para o verdadeiro amor: cogitem no que é bom (Fl 4:8).

Não se alegra com a injustiça (οὐ χαίρει ἐπὶ τῇ ἀδικίᾳ) - a tradução aqui é bem direta: a alegria do amor não está na injustiça.  O mandamento apostólico é para que nossa alegria se estabeleça na esperança (em Rm 12:12).

Mas se alegra com a verdade (συνχαίρει δὲ τῇ ἀληθείᾳ) - em oposição à negação anterior, agora o poema enfatiza a se somar na alegria que a verdade deve proporcionar.  A ilustração do corpo para falar da igreja que Paulo usou pouco antes nessa mesma carta mostra que nos amamos enquanto alegramos juntos (1Co 12:26).

 

A riqueza do texto ainda prossegue, ainda vem uma terceira parte da lista de expressões de 1Co 13.

 

Leia aqui a 1ª parte - 1Co 13:4

Leia aqui a 3ª parte - 1Co 13:7-8

 

sexta-feira, 19 de junho de 2020

SE SOU CRISTÃO

 

Recentemente meu irmão Jader relembrou em seu Face a letra da canção "Que estou fazendo se sou cristão?"  Gosto dessa música.

Para quem não conhece, vou apresentá-la rapidamente.  Em 1967, enquanto o Brasil começava a endurecer sua ditadura, o reverendo presbiteriano João Dias de Araújo, juntamente com João Wilson Faustini, entendeu que aquele era um momento de fazer música com uma temática que refletisse as questões cotidianas e de como nosso cristianismo poderia ser uma resposta.  Assim surgiu a letra.

A música que cantamos aqui (está no HCC nº 552) foi composta em 1974 por Decio Lauretti e o seu comentário sobre a obra a descreve bem.

 

A música “Que estou fazendo” é produto da época da ditadura militar.  Tomei conhecimento do poema do Rev. João Dias de Araújo e fiquei muito impressionado pela firmeza das suas palavras.  Pregava um cristianismo engajado na luta contra as injustiças, distante da religião enclausurada nos templos, que busca a ‘salvação da alma’ e ignora o corpo, especialmente os corpos dos desfavorecidos.  Decidi musicá-lo, optando por uma seqüência harmônica barroca num ritmo brasileiro, o baião.

 

Esse hino passou a ser cantado em diversas igrejas do Brasil - de presbiterianos a luteranos - e entrou em nosso HCC no início dos anos 1990.

Mas vários evangélicos brasileiros se recusaram a cantá-lo. Crente não pode cantar isso. Não é hino de adoração. Não tem letra condizente com a Bíblia.

Preciso dizer que discordo, concordo e discordo.  Respectivamente.

Vamos lá da última para a primeira.

§ A letra tem ampla base bíblica.  Os profetas do AT tiveram suas mensagens absolutamente recheadas de conteúdo com apelo a justiça e engajamento social (confira por exemplo Am 5:24 / 8:4-18 e Mq 6:8).  Também importante destacar que o objetivo expresso na Lei é para que não haja pobres entre vocês (Dt 15:4-5).

Mais significativa, porém, é a interpretação que Jesus faz da profecia de Oseias (compare Mt 9:13 e 12:7 com Os 6:6).  Nas duas ocasiões, o Mestre enfatiza que é indispensável no relacionamento com Deus uma preocupação e misericórdia com os mais necessitados.  Um não pode acontecer sem o outro (1Jo 4:20-21 e Tg 1:27 / 5:1-6 entenderam bem as lições de Cristo para a igreja).

§ Realmente essa canção não é um hino de adoração.  Adorar é curvar-se, prostrar e submeter. Também é declarar a glória absoluta que pertence só a Deus (a cena dos anciãos diante do trono em Apocalipse capítulo cinco demonstra bem isso).

Na adoração e no louvor eu exalto e bendigo quem é Deus e o que ele faz na história - e isso eu não declaro com a letra da música.  Mas aqui já olho para o próximo ponto.

§ Todo crente não apenas pode, mas deve cantar assim.  A adoração cristã é voltada somente a Cristo.  Só que essa verdade não vai impedir que nossa fé nos leve a olhar na horizontal para aqueles que precisam ser alcançados pela força revolucionária do amor e das ações do evangelho.

Então o questionamento é bem pertinente e transformá-la em uma canção que me mova a um compromisso cristão que se assemelhe com o empenho do próprio Senhor tem que fazer parte de nossas liturgias.

Devo sim colocar minha fé e minhas práticas religiosas contra a parede:

 

Que estou fazendo se sou cristão?
Se Cristo deu-me total perdão?
Há muitos pobres sem lar, sem pão.
Há muitas vidas sem salvação.
Meu Cristo veio pra nos remir:
o homem todo, sem dividir.
Não só a alma do mal salvar,
também o corpo ressuscitar.

 

terça-feira, 16 de junho de 2020

ASSIM É O AMOR (parte 1)


O apóstolo Paulo insere em sua carta aos Coríntios um belo e fantástico poema sobre o amor (em 1Co 13).

Ali ele canta o amor verdadeiro, puro, sincero, despretensioso.  Ele se refere ao amor em sua forma essencial e usa a palavra grega ἀγάπη para indicar de que tipo de amor ele descreveria ali.

Só lembrando: (1) os gregos tinham diversos vocábulos que hoje traduzimos como amor em nosso vernáculo (já postei sobre isso - você pode acessar aqui); e (2) essa é a mesma palavra que João usa para descrever Deus em 1Jo 4:8.

No poema, Paulo começa afirmando que o amor assim não pode ser descrito em linguagem humana ou angelical, vai além do entendimento de ciência e mistério, não pode ser captado por fé nem expresso em profecia e transcende a ações caridosas.

Segue-se então uma lista de atitudes que podem ser reconhecidas nesse amor.  É como se o apóstolo dissesse: assim é o amor.

 

Paciente (μακροθυμεῖ) - esse verbo grego indica a ação de pacientemente mostrar-se tolerante e com perseverança nunca desistir, mesmo que isso provoque algum sofrimento.  Paulo descreve o fruto do Espírito com um adjetivo da mesma raiz em Gl 5:22.

Bondoso (χρηστεύεται) - a ação de ser gentil e estar disponível para servir os outros são características indispensáveis ao amor.  A Filemon (em Fm 1:11), Paulo usa um jogo de palavras a partir desse verbo para descrever a mudança na vida de Onésimo - de inútil para útil.

Não inveja (οὐnζηλοῖ) - uma atitude e sentimento negativo que o amor não pode demonstrar: ciúme, inveja, desejo de posse.  Em Gl 5:20 esse comportamento é descrito como obra da carne.

Não se vangloria (οὐ περπερεύεται) - esse verbo só aparece aqui no NT grego.  O sentido, no grego antigo, é de gabar-se, falar ou se comportar de maneira ostensiva e arrogante.  O amor nunca é assim.

Não se orgulha (οὐ φυσιοῦται) - no grego esse verbo descreve o ato de inflar ou soprar.  Daí, estar cheio de si mesmo, ser prepotente.  Uma das duras críticas que Paulo faz a Igreja de Corinto é que eles se tornaram orgulhosos - auto-suficientes - em sua própria fé e experiência (1Co 4:18-19).

 

Pelo visto, a riqueza do texto é grande, então decidi dividir a análise em partes.  Aqui estão listas as expressões de 1Co 13:4.

 

. Leia aqui a 2ª parte - 1Co 13:5-6

. Leia aqui a 3ª parte - 1Co 13:7-8

 

sexta-feira, 12 de junho de 2020

PRECISO FAZER LIVE?


Desde que a função de veículo prioritário para comunicação à distância foi ocupado pelo celular (os lusitanos preferem chamar o aparelho de telemóvel - eu gosto dessa palavra).

Mas... começando de novo ainda em português brasileiro.

Desde que a função de veículo prioritário para comunicação à distância foi ocupado pelo celular, a forma de trocar informação tem se modificado, não apenas via celular especificamente, mas de um jeito geral.

E nestes tempos de distanciamento necessário, novos hábitos, novas tendências e novos jeitos ganham espaço implacável.

Olhando agora para o aparelho é fácil observar como a comodidade caminhou nas mãos, via celular.

Primeiro se ligava e falava, depois migramos para o hábito de escrever as mensagens e o passo seguinte foi gravar um áudio e enviar (confesso que ainda tenho dificuldades com os áudios em minhas redes sociais).

Mas agora a tendência é fazer live.  Uma mistura de tudo isso aí no parágrafo anterior só que ao vivo (acho que no português europeu seria em direto).  Ou seja a transmissão é feita simultaneamente.

E, se já não me sinto muito à vontade com áudios, imagine quando me cobram:

— Você precisa fazer live!

Geralmente nesse ponto eu paro e penso antes de responder.  Não é que tenha algo contra as mídias modernas - estou nas redes sociais e mantenho ativa uma página na internet.  Também não é um problema falar diante de pessoas - como pastor e professor, o desafio do auditório se fez costumeiro.

— Então, por que não faz live?

— Então ...

Para falar bem a verdade, eu gosto da palavra escrita, sempre preferi.  Eu me sinto em casa e à vontade com o texto redigido.  É só uma questão de preferência pessoal mesmo.

Dizem que escrevendo se perde entonação e sotaque.  Além de não se ter o controle completo da mensagem que chega ao leitor pois ele pode atribuir ênfases e significados múltiplos e diversos.

É verdade.  É um risco.  E por isso, um desafio.

Mas gosto do desafio.  Gosto da magia da escrita e do efeito gráfico.  Gosto também da briga com a palavra, do garimpo do léxico e das nuances da sintaxe.  E isso é coisa que exige tempo, paciência, engenhosidade e revisões intermináveis que só a escrita pode ofertar.

Assim, um texto nunca fica pronto até que um leitor qualquer (ou específico) o tome e o decifre.  Por isso, gosto particularmente de oferecer uma possibilidade de caleidoscópio de significados a quem me lê.  Acho que é essa alquimia que me mantém escrevendo mesmo num mundo onde gradualmente menos se lê e mais se ouve e vê.

— Será que estou ficando anacrônico?

— Preciso mesmo fazer live?

 

terça-feira, 9 de junho de 2020

SOBRE A SERPENTE


Tem uma frase minha que uso sempre quando busco ler e entender a Bíblia: "Interpretar a Bíblia literalmente traz mais problemas que lições".  Assim, entendo que toda leitura bíblica deve ser contextual.  Isso é mais honesto com o texto e sempre será rico em ensinamentos.

Mas devo confessar que trabalhar o texto assim dá muito mais trabalho.  Talvez seja por isso que muitos não querem essa trilha.

Depois de toda essa introdução, vamos a sua questão

O seu ponto foi sobre a serpente e a sua participação do episódio da queda do primeiro casa.  Vamos entender:

Em primeiro lugar, a palavra em hebraico usada em Gn 3 (נחש) é um substantivo comum e a tradução correta é simplesmente serpente ou cobra.  Essa palavra aparece em vários outros lugares do AT Hebraico (como no Sl 58:4 por exemplo).

Isso já nos dá uma pista de que o autor sagrado não estava querendo se referir a um animal específico mas a espécie como um todo.

Se fôssemos extrapolar um pouco, não seria exagero dizer que o Gênesis está opondo a raça humana - obra preferencial de Deus (representada no casal) - com o mundo bruto (representado na serpente).  Mas aí é extrapolar o texto.

Voltemos:

No texto a serpente é descrita apenas como o mais astuto entre os da criação.  E o autor parece não está muito ocupado com ela.

Já que falamos em leitura contextual, é bom lembrar que o povo de Israel sempre esteve vizinhando a outros povos que tinham na serpente a figura de seus ídolos.  Então é fácil entender de onde o autor tirou a idéia.

A serpente é a própria possibilidade do mal, a tentação para deixar de ouvir Deus e se curvar aos desejos imediatos.  É ela que faz a proposta para relativizar o Criador e os seus ditames.

Então, indo direto a questão, não parece que o autor de Gênesis compreendia a cena como uma possessão ou coisa parecida.  Seria bem estranho naquele contexto, e provavelmente não faria nenhum sentido para os seus primeiros leitores.

E antes que fique grande demais essa resposta, deixe-me fazer apenas mais uma citação bíblica: Em Ap 12:9 João fala do grande dragão como sendo a serpente, chamada de diabo ou satanás.

Esse texto ajuda na compreensão pois é de Apocalipse

O que posso ver aqui é exatamente a confirmação do entendimento trazido do AT.  João usa a figura (metáfora?) da serpente para descrever o grande opositor da mulher e do seu filho.  Aqui não se fala em possessão ou influência.  A relação é direta: um é o outro.

Entendo que Apocalipse deve ser lido assim: verdades espirituais expressas em linguagem figurada.

Assim aqui eu tenho um padrão bíblico que pode servir de chave para entender o primeiro e o último livro: o Acusador, representado na figura que serpenteia, sempre vai procurar trazer dúvida, morte e destruição para os que estão sob o cuidado e proteção divina.

Mas sempre haverá vitória no sangue do Cordeiro (Ap 12:10-11).

 

sexta-feira, 5 de junho de 2020

OITO DIAS DEPOIS

Tomé, apelidado de Dídimo, ficou conhecido como o apóstolo que duvidou.  Sobre ele, não são muitas as citações nos Evangelhos.  Por isso também dali não se poder extrair muita informação.

Nos sinóticos Tomé só aparece citado junto a relação dos doze e João faz referência a ele em quatro ocasiões apenas: na cena da ressurreição de Lázaro (em 11:16), quando pergunta pelo caminho (em 14:5), no episódio da dúvida (de onde vem a sua fama - em 20:24-29) e na pesca maravilhosa (em 21:2).

Mas, antes de questionar sua dúvida, vamos notar a sua ausência.  João diz que já pela tarde daquele dia da ressurreição - o primeiro da semana - Jesus apareceu aos seus discípulos que estavam trancados, com medo.  Naquela reunião Tomé não estava presente.

Com os corações já mais aliviados, os discípulos encontraram depois Tomé e lhe contaram o que tinha se passado naquele encontro com Jesus.  E a atitude de Tomé foi razoável: se eu não ver e tocar...

 

OITO DIAS DEPOIS

 

João então vai nos dizer que oito dias depois - ou seja, no primeiro dia da semana seguinte (dia que passamos a chamar de domingo) - Jesus novamente veio se encontrar com seus discípulos, e agora Tomé estava presente.

Aqui então eu quero me imaginar sentado naquela sala e observando a cena, as circunstâncias e os personagens.  Peço que me deem essa liberdade.

Vai ser interessante.  Sente-se ao meu lado.

O ambiente já era diferente da semana anterior.  Oito dias tinham se passado desde que eles viram Jesus ressurreto.  Agora a conversa já fluía mais amena, o clima mudara de temor para expectativa da presença, e disfarçado era até possível perceber algum sorriso insistente: o Senhor vive.

Lá num canto, Tomé desconfiado aguardava em silêncio para ver o que aconteceria.

— Será!?

Quantas ideias fervilhavam na sua cabeça? Quantas outras dúvidas razoáveis? Quantas lembranças e possibilidades?

Mais um detalhe me chama a atenção.  Não há registro de repreensão dos colegas de discipulado ao duvidoso Tomé.  Não há reprimenda, nem julgamento, nem exclusão.

Ali todos sabiam que em um outro momento fraquejaram, duvidaram e se esconderam.  Nenhum tinha moral alguma para cobrar nada daquele que esteve ausente oito dias antes.

E eu começo a me sentir em casa nesse salão.  Onde todos sabem e assumem suas fraquezas, cria-se um lugar de perdão e acolhimento.

Tomé duvidou, Pedro negou, Judas traiu.  Houve medo é covardia.  Mas todos os que quiseram voltar à comunhão foram bem vindos.

Assim estava se formando a igreja de Cristo.  E nessa nascente comunidade não havia nem juízes nem algozes, apenas companheiros de caminhada: pecadores arrependidos alcançados pela graça inexplicável da Cruz.

E foi então nesse ambiente e aconchego que Jesus chegou novamente.  Deus gosta desse tipo de gente e lugar (o Sl 51:17 já cantava isso).

Eu, lá no outro canto, apenas observo que Jesus, ao aparecer, depois da saudação habitual e coletiva, vai ao encontro em particular de Tomé.  Sua voz é mansa e agradável.  Ele não cobra ou lança em rosto (Acusador é o Outro!).

— Filho olhe para mim e me toque.  Sou eu mesmo.  Estou vivo e eu vim aqui para conversarmos.  Para mim você não é o covarde, é o alvo do meu amor eterno.

Então, oito dias depois de deixar o túmulo vazio, Jesus recebeu a rendição prostrada de um discípulo amado: Meu Senhor! Meu Deus!.

E minha vontade agora é apenas me juntar a Tomé nessa adoração.

 


terça-feira, 2 de junho de 2020

Teólogos Escolásticos

Costumamos chamar de Idade das Trevas os anos da Idade Média européia – principalmente os primeiros anos – quando a produção e o fomento de cultura e conhecimento ficaram mais escassos e seriamente restritos e dominados pelos círculos religiosos.

Mas esse período não foi de completa ausência reflexão e debate, e em geral, damos o título de ESCOLÁSTICOS aos pensadores deste período.  O termo vem lá do grego: σχολαστικός – aquele que pertence a uma escola, daí instruído, sábio.

O principal teólogo deste período foi Tomás do Aquino (Itália, 1225-1274), cuja obra mais proeminente – Summa Teologicæ – balizou o corpo doutrinário católico e sua dogmática.

Na lista abaixo, procurei apontar alguns dos pensadores cristãos que contribuíram com a reflexão teológica nesse período escolástico, mas que não estão entre os mais conhecidos hoje em dia. 

 

João Scoto Erígena (Irlanda, 810-877) –

ü      Existe uma predestinação benévola em relação à criação pois tudo é controlado por Deus.

ü      A natureza é a totalidade das coisas, existentes e não existentes, daí se dividir em quatro partes: 1. a natureza não criada, 2. a natureza que foi criada e que cria, 3. a natureza que foi criada mas não cria, 4. A natureza que nem foi criada nem cria.

ü      O homem é o microcosmo e Deus é o macrocosmo do universo.

ü      Universalista, afirmava que todo homem caído no pecado seria redimido pelo Logos em sua encarnação quando o homem – pela força iluminadora do Logos divino – sendo reabsorvido em sua essência divina.

Avicena (Pérsia, 980-1037) –

ü      Opunha-se a atomismo afirmando que nada existe de absoluto dentro do mundo finito.

ü      Deus é um ser perfeito e necessário, completo e absoluto.

ü      A criação se fez necessária e o mal é um acidente da existência.

ü      Os profetas adquiriram a capacidade de entrar em contato com a inteligência superior – Deus, recebendo o conhecimento de verdades específicas.

Salomão Ibn Gabirol, conhecido como Avicebron (Espanha, 1021-1058) –

ü      Todas as substâncias terrenas e espirituais combinam força e matéria.

ü      O mundo procede da unidade divina por meio de uma série de emanações mediadas pela própria vontade divina.

ü      Deus, em sua verdadeira natureza, permanece acima da compreensão humana.

ü      A vida humana não faz sentido sem que se relacione com Deus mediante o conhecimento e a devoção, o que conduz a dominação da natureza animal voltada para a sensualidade e aproxima da natureza divina.

Anselmo de Cantuária (Itália, 1033-1109) –

ü      Criou o argumento ontológico em duas formas: 1. Deus é a realidade maior que podemos conceber, 2. A não existência de Deus é uma contradição de termos.

ü      Há uma diferença entre o pensamento e a realidade pensada pois o que existe é apenas o conceito do ser último.

ü      O ser humano não chega a Deus por meio de especulações mentais, mas pela iluminação divina e pela experiência mística que comunica ao homem a verdade.

ü      Ao morrer pelos homens, Cristo proveu  uma satisfação proporcional à culpa humana, uma dádiva de si mesmo, que requer uma recompensa proporcional: a salvação do homem.

ü      Defendeu o realismo metafísico em dois mundos: a realidade material do mundo físico e a realidade espiritual do mundo metafísico.

ü      A ética deve der fundamentada no amor.

Pedro Abelardo (França, 1079-1142) –

ü      Procurou desenvolver vários conceitos fora do cotidiano da teologia dogmática.

ü      Introduziu o método dialético na Teologia tentando combinar autoridade e razão, fé e erudição.

ü      Fé e razão não podem contradizer-se pois partem da mesma fonte – a verdade divina.

ü      Ocupou-se da questão das fontes cristãs afirmando que a Bíblia é infalível, enquanto que os pais eclesiásticos podem errar.

Maimônides (Espanha, 1138-1204) –

ü      Mesmo sendo judeu influenciou bastante a teologia cristã, tentando conciliar o pensamento judeu com a filosofia aristotélica.

ü      O mundo foi criado a partir de uma agência divina e por isso não é uma matéria eterna.

ü      Deus é radicalmente diferente do mundo e por isso só podemos afirmar – pela razão – o que Deus não é.

Boaventura de Bagnoregio (Itália, 1221-1274) –

ü      A filosofia culmina no misticismo, que se constitui sua mais elevada expressão, logo, razão sem fé sempre cai no erro.

ü      Todas as pessoas, por mais simples que sejam têm uma consciência e nesta consciência está implícito um conhecimento de Deus.

ü      Para provar a existência de Deus seguiu os argumentos de Anselmo.

ü      Há no ser humano um elemento ético que deve ser cultivado pelo busca da felicidade.

ü      As constantes alterações do mundo material não nos permitem encontrar a verdade pela simples observação.

João Duns Scotus (Escócia, 1266-1308) –

ü      Não deixou obra escrita, mas suas idéias foram compiladas pelos seus alunos.

ü      O amor de Deus ocupa o lugar central da teologia.

ü      O homem tem intelecto, porém este intelecto é inferior ao de Deus por está limitado pela natureza biológica;

ü      Ao nascer o ser humano é uma tabula nuta (placa nua) na qual serão escritos os conhecimentos acumulados ao longo da vida.

ü      Aceitou a autoridade da igreja, mas somente no campo das doutrinas.

Guilherme de Ockham (Inglaterra 1288-1347) –

ü      A partir de uma leitura própria de Aristóteles, tentou simplificar a filosofia  escolástica negando a existência de essências intencionais, a distinção de essência e existência e entre intelecto ativo e intelecto passivo.

ü      No campo da ética afirmou que a noção de certo e errado depende da vontade de Deus.

ü      Acreditou na realidade e confiabilidade das funções intuitivas humanas.

ü      Deus não pode ser conhecido por razões ontológicas, somente pela revelação.

ü      Foi um precursor da democracia afirmando a liberdade da vontade humana.