terça-feira, 22 de setembro de 2020

CAUDILHOS ECLESIÁSTICOS

 


Segundo o dicionário, caudilho é um chefe militar, geralmente de forças irregulares que lhe são fiéis; um chefe político que possui uma força militar própria.

Essa prática política herdada da dominação ibérica se caracterizou por um lado pelo uso da força e violência em defender latifúndios e grupos conservadores, e por outro por sempre se revestir de um discurso populista e paternalista.

Em nossa história latino-americana ela foi quase hegemônica no século XIX vindo depois a perder força ao longo do século seguinte.  Vimos vários caudilhos se sucederem na dominação de nosso povo, desde Manuel Oribe no Uruguai e López de Santa Anna no México, passando por Fulgêncio Batista em Cuba e pelos Duvalier no Haiti.

 

— Aqui mando eu e vocês têm que se curvar à minha vontade.  Eu tenho direitos e vocês obrigações.  Eu cuido de vocês se me forem fiéis!

 

Quando eu olho hoje para algumas igrejas e comunidades de fé tenho visto se repetir esse padrão.  Há caudilhos em nossas instituições religiosas e eclesiásticas. — Aqui mando eu ...

Ressalva importante: não tenho dados estatísticos para atestar minhas observações, mas quero manter a esperança e crença de que os caudilhos eclesiásticos são exceção, embora reconheça que atitudes como essas não são exatamente novidade na história da igreja – infelizmente.

Esse fenômeno, contudo requer análise mais amiúde.  Em linhas gerais vou listar dez atitudes e posturas que caracterizam um caudilho eclesiástico e como identificá-lo.

 

1.      Administra e controla a sua comunidade de fé a partir da imposição do poder das regras religiosas.  Excesso de legalismo e rigidez normativa.  Usa sempre a lei e a sua interpretação ao seu favor.

2.      Apresenta-se com o representante oficial da divindade tendo com isso uma autoridade personalista e individual.  Toda a ligação entre o sagrado e a comunidade tem que passar por seu crivo.

3.      Seu discurso se baseia em ameaças de terror e medo imposto.  As condenações divinas e o castigo são usados como um instrumento controle comunitário.

4.      Mantém uma atitude paternalista, comportando-se como o pai /patriarca na fé que supre as necessidades e tem todas as respostas espirituais do rebanho.  É sempre ele, e somente ele ou seus prepostos, quem cuida e tem o alimento espiritual para a comunidade e quem faz a leitura e interpretação particular da Bíblia.

5.      Estabelece uma rígida hierarquização da comunidade de fiéis, separando-os entre mais e menos santos/espirituais/doutrinados.  Oferece pouco espaço para leigos. Valoriza cargos e títulos, mesmo que espirituais.  Ele mesmo se posiciona em relação a outras lideranças como sendo de uma casta superior.

6.      Ênfase excessiva em números, resultados e performance tanto social, como espiritual e institucional.  Leva a comunidade a se comprometer com seus alvos, metas e projetos e sua visão única da fé e do cristianismo.

7.      Estabelece limites de convívio e contato dos seus fiéis com outros líderes e comunidades cristãs.  É exclusivista.  Não tolera comparações, e nem permite que sua igreja seja vista dentro de um espectro maior e histórico da igreja.

8.      Carismas e manifestações espirituais são mantidos sob controle rígido.  Estimulando ou rechaçando; incentivando ou proibindo de acordo com seus próprios critérios.  Consequente manipulação das bênçãos.

9.      Conservadorismo em assuntos de liturgia e costumes.  Ao estabelecer um padrão de forma de culto, louvor e adoração, esse deve ser repetido e mantido inalterado.  Da mesma forma as regras de costumes, moda, linguajar e relacionamentos.

10.  Não concede nenhum espaço para reflexão ou crítica de nenhuma forma.  Tudo que é dito, pregado ou ensinado deve ser acatado, seguido e defendido sem qualquer tipo análise ou avaliação – nem teológica, nem histórica, nem bíblica.

 

Cada um desses pontos possibilitaria uma desconstrução a partir do longo e rico lastro que o cristianismo nos legou, mas vou apenas ler o nosso texto sagrado, nossa única regra de fé e prática individual e eclesiástica, e a partir da sua ótica estabelecer critérios.

O apóstolo Pedro na sua primeira carta instrui aos presbitérios que pastoreiem e cuidem de seus rebanhos sem ganância, mas com a atitude de serviço.  E nunca ajam como caudilhos daqueles que lhes foram confiados pelo Supremo Pastor (1Pe 5:1-4).

E o Mestre estabeleceu o critério de vivência e relacionamentos na igreja que ele fundou, e o posicionamento a ser esperado de sua liderança: "o padrão entre vocês será o seguinte: mais prestígio terá quem se submeter, e vai liderar quem servir". E o exemplo é o próprio Cristo (Lc 22:26-27).

Que nos dê o Senhor da igreja líderes com espírito servil para a sua glória.

 

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