Guardei esta
resenha para a Carta VIII das Cartas de
um Diabo a seu Aprendiz de C.S. Lewis. 
Já apresentamos uma primeira olhada (aqui está o link), lemos sobre o amor e o prazer (esse é o link) e sobre o tempo e a eternidade (e esse é o link).  E eu estou atribuindo o
subtítulo de nós e eles. 
Mas por que a
Carta VIII mereceu um destaque especial. 
Respondo de maneira direta: para mim, durante a leitura de todo o texto
de Lewis, ela foi a melhor, a mais certeira e profunda.  Dá quase vontade de reproduzi-la por completo
aqui.  Mas não vou fazer isso, apenas
insistir na recomendação de que C.S.
Lewis é leitura obrigatória!
É na Carta
VIII onde o diabo instrutor reconhece que o ser humano é, por constituição do
seu Criador, um ser essencialmente ambíguo, habita no tempo, mas nunca perde
vista a eternidade e devido a isso "eles experimentam a constância apenas
em meio à ondulação".  E nessa
"série de altos e baixos" é que ficará evidenciado de maneira
explícita quem é o "Pai nas Profundezas" e quais são seus objetivos
em relação à alma humana de um lado; e quem é o Inimigo do tinhoso e quais os
objetivos e seus métodos de trabalho de outro.
Claramente
esta diferenciação é feita a partir da percepção de que os momentos de
alternância e ondulação na vida humana "são meramente um fenômeno
natural" e não resultado de ação ou tentação diabólica.  E, por conseguinte, "as orações feitas
no estado de aridez são aquelas que o agradam mais".  As preces do deserto tendem a ser as mais
profundas e as que mais tocam a Deus – isto é constatação!
Em linhas
gerais, o diabo mesmo descreve suas intenções nos seguintes termos: "para
nós, os humanos não passam de comida. 
Nosso objetivo é a absorção da vontade deles na nossa, o aumento da
nossa própria reserva de egoísmo à custa deles".  E mais: "o que nós queremos é apenas
gado que possa acabar nos servindo de comida”.
E mais uma
citação, agora da carta anterior, expande a intenção diabólica: "queremos
que a Igreja permaneça pequena não apenas para que menos pessoas possam
conhecer o Inimigo, mas também para que aqueles que o conhecem possam adquirir
a intensidade inquietante e o falso moralismo defensivo de uma sociedade
secreta ou de uma panelinha." (E
algumas vezes tenho desconfiado que o diabo vem logrando êxito em comunidades
pontuais!)
Aqui então a
distinção entre o diabo e seu Inimigo se mostra.  Se por um lado o tinhoso anseia por refeição,
por outro Deus "deseja servos que possam acabar se tornando
filhos".  Ou, como escreve mais o Screwtape de maneira explícita, "nós desejamos sugar, ele deseja
retribuir.  Nós somos vazios e queremos
ser preenchidos; ele é pleno e, por isso, transborda".
Segue-se que forçosamente a essência, os métodos, os propósitos e
objetivos divinos em seu relacionamento com os humanos são declarados pelo
diabo ao seu aprendiz: "Ele quer realmente encher o universo
com um monte de pequenas réplicas repugnantes de si mesmo".  Só que para isso ele nunca usa a técnica da
"tentá-los" para virtude, pois isso seria um disparate, e o objetivo
divino não seria alcançado.  
No projeto divino não há espaço para que vontade humana seja
atropelada.  Ora, tal realidade
espiritual é inconcebível pelo diabo, pois ele não compreende que a idéia do
Criador é "fazer duas coisas incompatíveis ao mesmo tempo; as criaturas
devem ser um com ele, sem deixarem de ser elas mesmas; simplesmente anulá-las,
ou assimilá-las não servirá aos seus propósitos".
Mais.  Ele planejou:
"criaturas cujas vidas, numa escala em miniatura, serão qualitativamente
como a sua, não porque ele as tenha absorvido, mas porque elas desejam se
conformar de livre e espontânea vontade a ele".
E a frase que
me saltou os olhos durante a leitura, pois foi capaz de mostrar rica,
verdadeira e profundamente simples para descrever a relação entre a soberania
absoluta de Deus e a vontade humana é: "... não valeria nada para ele,
porque não pode violentá-los, pode apenas encantá-los".
(Bem, eu
jamais usaria o verbo poder como uma negativa dita em relação a uma ação
de Deus, mas como frase da pena do diabo...)
Vou dizer nas
minhas palavras: para nos atrair, Deus não nos violenta a vontade, ele nos
encanta – e repito: quanta verdade e beleza há aqui!
Deus nos
encanta, fascina, atrai, convida ao amor. 
Ele mesmo declara pelo profeta: "Porquanto com amor eterno te amei,
por isso com benignidade te atraí" (Jr 31:3).  E Davi, em sua poesia, descreve a fascinação
pincelada por Deus que o encantou: "Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável
é o teu nome em toda a terra, pois puseste a tua glória sobre os céus!"
(Sl 8:1).
Mas ainda tem
as ondulações humanas, a aridez da caminhada, os altos e baixos.  E mesmo nesses momentos em que o encanto e a
fascinação parecem se diluir "Ele está preparado para intervir um
pouquinho, no início.  Irá instigá-los
com pequenos sinais de sua presença que, embora minguados, parecem grandes para
eles, repletas de doçura emocional".
Pois até nos
desertos da vida humana, e eu diria principalmente ali, a derrota do tinhoso é
final.  O tentador reconhece: "e se
o que restar for apenas a vontade de andar, ele ficará satisfeito até mesmo com
seus tropeços. (...) Não haverá um perigo maior para a nossa causa do que
quando um ser humano, que não mais deseja, mas ainda assim pretende fazer a
vontade de nosso Inimigo, olhar em redor, para um universo do qual todo traço
dele parece ter desaparecido, e perguntar-se por que foi abandonado e ainda
obedece".
Sei que as
linhas se alongaram.  Não tive como
evitar.  Comecei reconhecendo que a Carta
VIII foi a melhor, a mais certeira e profunda. 
O que só comprovou que ler C.S. Lewis é nutritivo para a alma cristã.
Vai ficar
faltando algo sobre o brinde proposto por Maldanado.  Mas isso fica para outra postagem.
Continuo depois...