O primeiro livro
de Nietzsche que tive acesso para ler foi “Assim falava Zaratustra”, ainda na
década de 1980. E, de lá, recolhi uma
das melhores definições do ser humano fora da tradição cristã.
O homem é
uma corda estendida entre o animal e o Super-Homem: uma corda sobre o abismo;
perigosa travessia, perigoso caminhar, perigoso olhar para trás, perigoso
tremer e parar.
O grande do homem é ele ser uma ponte e não uma meta; o
que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um acabamento.
Só para citar:
O prussiano FW
Nietzsche (1844-1900) talvez seja o nome que maior rejeição tem recebido entre
cristãos conservadores. Seus pensamentos
radicais, sua filosofia quase anárquica e suas críticas contumazes à sociedade europeia
que conheceu no século XIX fez dele um dos mais relevantes pensadores da
modernidade.
Sobre o livro
citado, o título em alemão é “Also sprach Zarathustra: Ein Buch für Alle und
Keinen”. Ele foi escrito entre os
anos de 1883 e 1885 e segue as publicações do autor apresentando os temas
principais de seu pensamento: a crítica a sociedade científica de seu tempo, o
niilismo, a vontade de potência, a recorrência eterna (ciclo infinito da vida),
e além-do-homem.
E, sem pretender
ser advogado do pensamento nietzschiano, quero apenas refletir quem é ser
humano a partir da citação – como disse: uma das melhores definições do ser
humano fora da tradição cristã.
É certo que
qualquer definição que se proponha cientifica do ser humano é, no mínimo,
imprecisa: a começar pela pretensa objetivação do método cientifico. — Como posso objetivo em relação a mim mesmo?
Nietzsche fugiu
dessa cilada. Os rigores científicos tão
em voga em sua época nunca foram seus métodos, nem lhe forneceram
contornos. Assim como ele criticou as pretensões
na religião institucionalizada que conheceu no século XIX, ele igualmente
criticou as ciências como expressão isenta da realidade (ele considerava apenas
mais um dogma substituindo a religião!).
Assim, o filósofo
abandonou a objetividade e buscou olhar o humano como um ser em passagem, em
travessia, nunca um ser pronto, acabado.
Dessa forma, em constantes contradições e incoerências.
Nós humanos já
não mais somos ordenados apenas pela nossa biologia (não mais um animal). Uma marca indiscutível da humanidade é nossa
capacidade de não se limitar aos instintos, aos domínios da natureza pura –
para o bem e para o mal. O nosso corpo
físico nunca é nossa definição e limite.
Por outro lado,
ainda não alcançamos a totalização de nossa competência (nem no século XIX
quando Nietzsche escreveu, nem ainda nesse século XXI). Esse potencial humano foi o que ele chamou em
alemão de Übermensch, literalmente "além-do-homem",
normalmente traduzido como "super-homem”.
O desenvolvimento dos seus próprios valores e autonomias, sem as amarras
das instituições religiosas ou da moral científica.
Então, como
continuamos apenas uma corda, um projeto, uma possibilidade; perigosa transição
e travessia sobre a qual temos que trafegar nessa vida.
Ora, sem mais
poder se apegar ao ponto de partida animal, nem ter completado todo o projeto,
resta ao seu humano, na perspectiva nietzschiana, a possibilidade do vazio – do
nada – do niilismo.
E aqui eu
proponho o contraponto da poesia bíblica:
Javé, nosso Senhor,
como é nobre o teu nome sobre a terra toda!
Tu que puseste tua imponência acima dos céus.
A partir de bocas infantis e daquelas
que ainda amamentam
comandaste a força,
Para que teus cruéis inimigos fiquem em silêncio.
Enquanto me encanto com o firmamento,
arte dos teus dedos,
a lua e a estrelas que desenhaste,
eu me questiono: que há na humanidade
para que possas lhe dar atenção?
E em um indivíduo para que te importes?
Porém a verdade é que os fizeste apenas
pouco aquém da divindade,
e de glória e honra os adornaste.
Tu lhes atribuíste poder régio sobre o
trabalho de tuas mãos,
calcando tudo aos seus pés:
Para demandarem sobre todo gado miúdo e
graúdo,
bem com sobre todas as bestas dos campos,
Sobre as aves nos ares,
sobre os peixes nas águas e sobre toda vida que ali desliza.
Javé, nosso Senhor,
como é nobre o teu nome sobre a terra toda!
(Na imagem lá em cima: Retrato de Nietzsche por Edvard Munch,
1906, na Galeria Thielska, Estocolmo)

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