terça-feira, 23 de julho de 2019

O QUE A BÍBLIA DIZ SOBRE A FÉ E O ESTADO


A teologia cristã é herdeira da fé do antigo Israel. Também sua relação Estado-Religião, de certo modo, é consequência da mesma relação em Israel. Assim, será nas páginas do Antigo Testamento que devemos buscar inicialmente a descrição. Ali, na Teologia Bíblica do AT, a ação de Javé sobre a nação eleita e a resposta nacional estavam intimamente relacionados tanto na fé como na política.
De modo geral, dois conceitos aqui são fundamentais no AT: (a) a ação de Deus que conduz a história a seu modo e (b) há um povo que foi eleito para cumprir um desígnio específico e que por isto lhe são dadas prerrogativas especiais na sua relação com o sagrado e nas suas relações consigo mesmo e com outros povos.
O teólogo bíblico alemão Gerhard von Rad, comentando essa compreensão, afirma que “para os antigos narradores, a maneira como Deus dirigia a história se manifestava de preferência nos milagres, no carisma de um chefe, nas catástrofes ou em outras demonstrações significativas de poder. Numa palavra, estava ligada às instituições sagradas (guerra santa, arca, etc.)”.
Nesta relação entre fé e Estado em Israel uma figura contudo precisa ser destacada: o profeta. Mesmo sendo verdade que Deus deu prerrogativas à nação e ao seu príncipe, bem como às instituições religiosas e aos sacerdotes oficiais, Deus sempre fez levantar profetas que, à margem do sistema oficial de poder e fé, tinham a incumbência sagrada de alertar o povo contra desvios e desmandos, inclusive dos seus líderes, mantendo o equilíbrio espiritual em Israel (veja por exemplo o profeta Elias – em 1Rs 18 – também o profeta Micaias – em 1Rs 22 – ou ainda Ezequiel – em Ez 21:25).
Chegando ao Novo Testamento, o centro das relações entre o estado e a fé se desloca da crença da nação eleita para uma comunidade que precisa se firmar em meio a uma potência estatal-nacional, e cujas relações são conflituosas desde o seu nascimento.
Daí que, para a Teologia do NT, embora o poder estatal não seja necessariamente legitimado por Deus, mas tem obrigações a cumprir, pois ele é serva de Deus para o bem comum (conforme Rm 13:4).
Assim é que, ao cumprir seu papel dado pelo próprio Deus, as palavras de Paulo devem ser consideradas: Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não há autoridade que não venha de Deus; e as autoridades que há foram ordenadas por Deus (Rm 13:1).
E mais enfáticas são as palavras da Epístola de Pedro: Sujeitai-vos, pois, a toda ordenação humana por amor do Senhor; quer ao rei, como superior; quer aos governadores, como por ele enviados para castigo dos malfeitores e para louvor dos que fazem o bem (…). Honrai a todos. Amai a fraternidade. Temei a Deus. Honrai o rei” (1Pe 2:13-17).
Por outro lado, todo poder e autoridade são requeridos pelo próprio Cristo (conforme, por exemplo: Mt 28:18) que os transfere aos seus discípulos: Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós (Jo 20:21).
Desta forma a igreja, que se segue como continuadora e legítima herdeira dos primeiros discípulos, deve ser também uma depositária fiel do poder que esteve em Jesus Cristo. Neste sentido, é possível compreender que recai sobre a igreja um poder de gerir os negócios do trato espiritual de todos os povos, pois no plano eterno e universal de Deus, coube a ela a posse do domínio religioso e a incumbência de responsabilizar-se pela proclamação da verdade.
Desta leitura rápida da Bíblia observo então que a relação entre Igreja e Estado deve ser de separação, uma vez que ambos estão dotadas de poder dado por Deus para desempenharem autoridade sobre os seres humanos em área distintas: no âmbito temporal – no caso do poder estatal – ou no âmbito espiritual – no caso do poder religioso da igreja.
Mas isto não nega a realidade de que ambos se tocam e se influenciam. Tendo elas a mesma origem: Deus; e o mesmo objetivo que é servir para a promoção humana trazendo-o para dentro dos propósitos divinos, Igreja e Estado – mesmo separados – devem viver juntos.
E que tenhamos governantes que favoreçam uma vida tranquila e pacifica (1Tm 2:1-2) e servos de Cristo que mantenham suas posições de independência profética para que sempre desafiem os poderes constituídos em seus desmandos e erros (Mc 6:18-19).



Nenhum comentário:

Postar um comentário