Uma
das características mais marcantes do ser humano é sua complexa
ambiguidade. Seja qual for o ângulo que se observe, o ser humano
é constituído de facetas múltiplas. Entre tais ambiguidades, dois
aspectos chamam a atenção: a moral e a existencial.
Do
ponto de vista moral, o ser humano traz em si fundamentos
essencialmente maus e bons. Hora mais propenso a um lado, hora a
outro, hora mesclando simultaneamente ambos. Qual seria a verdadeira
e primordial essência humana? Como ela se configuraria?
No
aspecto existencial, ao ser humano é tocada a vida física –
temporal e histórica – e a imaterial – sublime e eterna. Como
ambas de configurariam? Como conciliar o final e o porvir? O dado e
projetado?
É
no âmbito de tais dilemas que a pergunta essencial sobre Deus se
encaixa: quem é Deus? Como concebê-lo ou compreendê-lo? É
possível conhecer Deus? Vai-se ao seu encontro religiosamente, ou
ele mesmo dá-se a conhecer?
Se
Deus é bom, por que há mal no mundo? Se Deus é eterno, como toca
a história? Num mundo de leis e racionalidade é possível
encontrar dados – ou sequer resquícios – que provem à razão
humana a existência divina? Em meio a uma fé revelada, é cabível
uma interpretação teológica?
Parece-me
óbvio que mesmo em diferentes época e por diferentes métodos a
busca do ser humano em desvendar os mistérios da divindade não
lograram êxito completo e definitivo e Deus – na linguagem
barthiana – continua como o totaliter
aliter.
Assim,
a verdade essencial sobre quem é Deus perdura como o mistério a ser
elucidado. Da mesma forma que a própria essência ambígua do ser
humano, que lhe aponta a lampejos de bondade e maldade, de glória e
vergonha, de limitação e expansão, física e metafísica.
Nesse
sentido, a concepção cristã de Revelação e Encarnação como
sendo a iniciativa do próprio Deus em se fazer conhecido e se
achegar ao ser humano, limitando-se (esvaziando-se) de maneira a se
tornar compreensível a homens e mulheres, mesmo em suas carências
morais e racionais.
Mas
ainda aqui – na concepção cristã – o conhecimento de Deus
haverá de ser mediado pelas instâncias da fé. Ou seja, o Deus que
é totalmente outro em sua natureza essencial e moral só pode ser
percebido quando a fé entra na equação para “calibrar” a razão
e então, em trabalho mútuo, religião e racionalidade desvendam o
caminho do conhecimento divino.
Acontece
que a própria fé e religião cristã naturalmente tendem a um
processo de institucionalização e normatização dogmática dos
seus postulados – e diríamos que é histórica e conceitualmente
impossível se fugir deste processo. O que gera novas questões:
como continuar mediando o conhecimento de um Deus inefável mas
revelado em meio a fé sistematizada e normatizada?
E
mais uma vez a ambiguidade humana se mostra presente. O Deus cristão
tanto se mistura aos corredores institucionais da fé como o
transcende – assim como o faz tanto na moralidade humana como no
cosmo enquanto realidades onde coabitam a ordem e o caos.
Deus
pode ser conhecido na fé estabelecida e cultuada a sólida tradição
religiosa – e verdadeiramente precisa dela em certo sentido para
lhe dar coerência histórica – como dela vai sempre além podendo
ser percebido nas peculiaridades humanas.
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