Para um tempo de
espiritualidade exacerbada, porém difusa, o culto cristão apresenta-se como místico
e misterioso.
Num artigo publicado em O Jornal Batista no ano de 1996 eu já afirmava que "a despeito
das previsões do Positivismo, o século XX tem visto ressurgir o espírito
religioso. Curandeiros, místicos e
profetas povoam o nosso mundo secularizado". Esta afirmação constatava que, embora a
modernidade tenha primado pelo conhecimento do rigor metodológico científico,
"o Sagrado tem feito com que os filhos da tecnologia de ponta se ajoelhem
diante de sua irresistível sedução", nas palavras de Tarsis Lemos.
Neste aspecto, como disse Atilano Muradas, "a pós-modernidade não é
moderna quando valoriza o sagrado".
Porém, ao contrário da experiência mística da antiguidade, a
espiritualidade pós-moderna já não está ligada a "parâmetros ou
referências institucionais", segundo observação de Leonardo Boff, nem se
apresenta de modo unívoco, mas como um "caleidoscópio de misticismos e
mistificações" – a expressão é de Tarsis Lemos. A pós-modernidade é um período por excelência
onde toda e qualquer manifestação mística e religiosa deva ser considerada
válida e mereça ser buscada. E
exatamente por ser algo difuso e sem referenciais objetivos é que este
espiritualismo contemporâneo se torna insuficiente para atender aos anseios
humanos. Sendo sem profundidade, o
misticismo pós-moderno não consegue superar a aridez da alma carente. Esta alma, desraigada do mundo em que vive e
sem perceber perspectivas seguras, e até por isso mesmo, se agarra cada vez
mais ao espiritual, mágico e esotérico, continuando ainda vazia em si. Com o que Asaph Borba concorda: "A
pós-modernidade é regada pelo humanismo que acaba produzindo um vazio
profundo".
Para responder a este misticismo
vazio, Paul Tillich em sua Teologia Sistemática reconhece que o culto
cristão vem a ser a "elevação responsiva da Igreja até o fundamento último
do ser" o que deve incluir "adoração, oração e contemplação" –
com o que Muradas concorda: "todo culto é de louvor, de adoração, de
contemplação". Enquanto que o misticismo
e a espiritualidade pós-moderna buscam elevar – ou conduzir – o ser humano ao
distanciamento e ao vazio; o culto é a resposta cristã a este vazio distante,
não por que em si seja a solução, mas por ser ele o momento de "entrar em
aliança com o Senhor" (Dt 29:12). O
culto cristão não é uma busca pela espiritualidade oca. No culto, o cristão sabe a quem dirige a sua
adoração: "nós adoramos o que conhecemos" (Jo 4:22). O culto cristão não é – não deve ser –
simplesmente uma sucessão de atos rituais, embora contendo conotações
litúrgicas e espiritualizantes, mas uma reunião onde o conteúdo do encontro se
sobressai. Nunca é o rito religioso por
si mesmo. Questionado sobre se um culto
essencialmente cristão é caracterizado mais pelas ações rituais ou pelas
experiências existenciais, Rubem Amorese assim se expressou:
Não é possível conceber conteúdo sem forma, mas o
contrário sim. Portanto, a liturgia
sempre estará presente, como forma do culto.
No entanto, o conteúdo, ou sejam, as experiências emocionais são mais
importantes para Deus. Essas
experiências podem ser divididas, teoricamente em três: expressão, oferta e
transformação.
Devo aqui ressaltar o que já
observei tratando dos elementos do culto: o culto cristão traz na sua essência
o caráter místico, porém este vem necessariamente acompanhado do elemento eucarístico. Como disse ali, o culto cristão está
envolvido em mistério e beleza, porém só se realiza na certeza de um encontro
que, além de ser o momento especifico onde a terra e o céu podem se tocar (Gn
28:17), ele acontece na celebração eucarística da memória da intervenção divina
na história em Cristo Jesus e na expectativa na irrupção do Reino (1Co
11:24-26). Assim como resposta à postura
mística vazia pós-moderna, o culto cristão apresenta um contato e um diálogo
que completa o ser humano na certeza presente e necessária ao culto, a qual faz
do seu momento não eventos autocentrados, mas encontros existencialmente
significantes.
Comparando a espiritualidade
pós-moderna bem marcada na proposta nos gurus orientais em oposição ao culto
cristão que junto com a prática da disciplina cristã da meditação preenchem o
cultuante, Rubem Amorese no seu livro Louvor, Adoração e Liturgia
afirma:
Qualquer que seja a imagem, é importante ressaltar que,
diferentemente da experiência do esvaziamento da mente, para falar com Deus é
preciso interagir com ele, por meio de contemplação e audição. Na correria da vida, vamos pegando uma lição
aqui, outra ali, fazendo orações etc., mas raramente "meditamos na sua
lei", raramente nos quedamos a conversar diretamente com ele.
O salmista demonstrou esta relação
de intimidade ausente na mística pós-moderna, mas bem presente no mistério do
culto cristão quando afirmou: "Até o pardal achou um lar, e a andorinha um
ninho para si, para abrigar os seus filhotes, um lugar perto do teu altar, ó
Senhor dos Exércitos, meu Rei e meu Deus.
Como são felizes os que habitam em tua casa; louvam-te sem cessar!"
(Sl 84:3-4).
§. Esse é um extrato retirado do meu livro:
DE ADÃO ATÉ HOJE – um estudo do Culto Cristão
Conheça mais outros livros meus:
TU ÉS DIGNO – Uma leitura de Apocalipse
PARÁBOLA DAS COISAS
ENSAIOS TEOLÓGICOS