terça-feira, 28 de setembro de 2021

Personagens do Apocalipse – OS SELADOS

  


Um grupo bastante distinto no Livro de Apocalipse é o dos selados.  A primeira referência a eles é encontrada em Ap 7:3 – “até que selemos as testas dos servos do nosso Deus”.  Seguindo-se então uma relação de cento e quarenta e quatro mil entre as tribos de Israel.

Sobre a relação numérica de tribos contida em Apocalipse, a primeira constatação a se fazer é a sua incongruência em relação às contidas no Antigo Testamento, principalmente no capítulo 49 de Gênesis ou no primeiro de Êxodo.  E diante das incontáveis sugestões de interpretações para esta relação, a solução mais coerente com o texto apocalíptico dentro do contexto bíblico é a apresentada por George Ladd:

Até hoje não foi apresentada nenhuma explicação satisfatória para esta lista de nomes irregular, a não ser esta: que João queria dizer que as doze tribos de Israel não são o Israel literal, mas o Israel verdadeiro, espiritual – a igreja.

(…)

O Novo Testamento claramente considera a igreja o verdadeiro Israel espiritual.  Na verdade, a palavra “Israel” nunca é usada para a igreja, a não ser em Gl 6:16; mas há divergências sobre a exegese deste texto.  Não há discussão, todavia, sobre o fato que “se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão, e herdeiros segundo a promessa” (Gl 3:29).

Quanto a identificação dos selados – e do selo propriamente dito – faz-se necessário o alinhamento de outros textos bíblicos para tal.  Os que receberam o selo de Deus em suas testas são os que foram comprados pelo Cordeiro de toda as tribos, línguas, povos e nações para se constituírem reis e sacerdotes (deve-se comparar Ap 5:9 com 1:5-6 e 7:9).  E embora eles tenham vindo da grande tribulação, o anjo do abismo não lhes pode tocar (aqui a comparação deve ser entre Ap 7:14 e 9:4 e 11).

Já no que se refere ao selo em si, a marca impingida nos que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro, a colocação paulina na Carta aos Efésios demonstra de maneira clara e espiritual o que ela deve implicar:

Quando vocês ouviram e creram na palavra da verdade, o evangelho que os salvou, vocês foram selados em Cristo com o Espírito Santo da promessa, que é garantia da nossa herança até a redenção daqueles que pertencem a Deus, para o louvor da sua glória (Ef 1:13-14).

Ainda outra colocação é pertinente aqui em si tratando de selo e selados.  No capítulo treze de Apocalipse é dito que a besta ordenou a todos a “receberem certa marca na mão direita e na testa” (Ap 13:16).  E pouco abaixo apresenta o número-código desta marca como sendo número humano equivalente a 666 (Ap 13:18). 

Independente das diversas teorias e correntes que se propõem a tentar decifrar este enigma apocalíptico, a compreensão mais apropriada para este selamento exigido pela besta é o que Onesimus Ngundu chamou de “paródia do selo colocado sobre os 144 mil no capítulo 7”.  Não podendo repetir ou requisitar para si a mesma adoração prestada pelos selados pelo Cordeiro, a besta marca os seus, imitando a marca divina.  E serão estes marcados pela besta que receberão a ira da primeira taça da vingança de Deus (em Ap 16:2) e sofrerão o castigo eterno por adorarem a sua imagem (em Ap 19:20).


Leia também o livro TU ÉS DIGNO - Uma leitura de Apocalipse.  Texto comovente, onde eu coloco meu coração e vida à serviço do Reino de Deus. Você vai se apaixonar por este belíssimo texto, onde a fidelidade a Palavra de Deus é uma marca registrada.

 


Disponível na:
AD Santos Editora

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

UM AMOR SEM PÉ NEM CABEÇA

 

O apóstolo Paulo, lá pela metade de sua carta à Igreja de Éfeso (em nossas Bíblias está no capítulo três) registra uma oração que ele faz pelos cristãos daquela comunidade.


A prece começa reverentemente com uma atitude de prostração ajoelhada diante do Deus-Pai.  Depois ele fala em gloriosa riqueza, em fortalecimento íntimo e em Cristo habitando nos corações.

Nesse ponto a oração apostólica ganha contornos de paixão pelos irmãos da igreja:

 

"Porque sei que suas raízes e alicerces estão firmados no amor, oro por vocês pois só assim, juntos, será possível perceber até onde vai o amor de Cristo que extrapola qualquer lógica."
(Ef 3:17-19)

 

Aqui certamente o tema do amor sobressai (por isso falei em contornos de paixão).

Paulo está orando não acerca da base cristã daqueles irmãos – já é certo que estão fundados no amor.  A oração é para que esse amor de Cristo possa ser percebido nos relacionamentos e nos ajuntamentos da comunidade-igreja.

Por isso ele fala em largura, comprimento, altura e profundidade.  Aqui não leio apenas um recurso estilístico para falar num amor em 3D.  É mais que isso.

Paulo está falando de um amor que ocupa espaços e preenche lacunas.  O amor que deve acontecer na junção da igreja é aquele que não deixa vazios: nem almas carentes, nem abraços ausentes, nem barrigas vazias.

Mas posso acrescentar a comparação bíblica da água e do vento como percepção desse amor: ele jorra em todas as direções e vai até os menores espaços e às pequenas frechas para inundar com sua ação graciosa.

Isso, porém, tem de ser coisa e movimento espiritual.  Um amor assim só pode acontecer como realidade sobrenatural.  Ele vai além de qualquer compreensão ou explicação racional.

Simplesmente não faz nenhum sentido.  É absurdo.  É um amor que escapa a lógica.

E para que um amor nesse padrão sem pé nem cabeça possa ser experienciado na comunhão da igreja é que o apóstolo ora e se prostra diante do Pai.

Então ele conclui sua oração confiante naquele que, pelo seu amor, sempre vai muito além de nossos simples desejos e súplicas.  E a ele – somente a ele – seja o louvor por todas as gerações.

 

 

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

ATUALIZANDO O TEMA DA HUMILDADE

  


Quem recusa a disciplina, faz pouco caso de si mesmo,
mas quem ouve a repreensão obtém entendimento.
O temor do Senhor ensina a sabedoria,
e a humildade antecede a honra
.
(Pv 15:32-33)

 

A melhor citação para começarmos a atualizar o tema da humildade é lembrando que Jesus, no convite que faz aos cansados e sobrecarregados prometendo-lhes descanso, apresenta-se como manso e humilde (veja Mt 11:29).

Realmente não há exemplo mais significativo do que ter um espírito humilde de que perceber Jesus Cristo em sua encarnação (cito ainda Fl 2:5-11).

Tendo assim o padrão de Jesus como nosso alvo (proposta de Ef 4:13), devo procurar atualizar o tema a partir das próprias palavras do Mestre em suas bem-aventuranças que abrem o Sermão da Montanha quando diz:

 

Bem-aventurados os humildes,
pois eles receberão a terra por herança.
(Mt 5:5)

 

Assim, lendo no livro de Provérbios – do AT – e buscando no Novo Testamento as referências, vamos atualizar o tema da humildade.

Pelo menos em dois versos, as palavras de Pv são repetidas no NT: Deus dá graça aos humildes (confira em Tg 4:6 e 1Pe 5:5).

É esta observação que nos leva a compreender aquilo que transpareceu já no AT: a humildade é uma questão espiritual importante para a vida do cristão e Deus sempre a considera como um valor fundamental na formação do espírito cristão que deve habitar o interior do servo de Cristo.

Nesta mesma linha de raciocínio, Jesus coloca como prerrogativa para alguém se tornar cidadão do Reino de Deus a capacidade de se tornar intimamente humilde como uma criança (veja que ele fala em conversão, o que quer dizer atitude interior em Mt 18:1-4).

Já o apóstolo Paulo vai ampliar o tema da humildade como marca cristã de vida interior.  Nas instruções para um viver santo que ele dá aos cristãos de Colossos, encontramos as seguintes palavras:

 

Portanto, como povo escolhido de Deus,
santo e amado,
revistam-se de profunda compaixão,
bondade, humildade, mansidão e paciência.
Suportem-se uns aos outros
e perdoem as queixas que
tiverem uns contra os outros
como o Senhor lhes perdoou.
Acima de tudo, porém,
revistam-se ao amor, que é o elo perfeito.
(Cl 3:12-14)

 

Nesta passagem (e em outras como Rm 12:16; Ef 4:1 e Fl 2:3) o apóstolo apresenta a humildade como tão importante para o viver diário do cristão como a bondade e o amor.

E são de Tiago as palavras que nos mostram o quão importante é esta disposição: pois só assim o Espírito que habita em nós nos concede graça maior (leia em Tg 4:5-6).

É bom também lembrar que entre as maravilhosas características do amor, conforme cantado por Paulo, está em que ele não se ensoberbece (veja o poema de 1Co 13, em especial o verso quatro).

Igualmente o NT também concorda que a soberba e o espírito arrogante afasta o ser humano de Deus pois ele sempre resiste ao soberbo (também dito em Pv 3:34 e repetido em Tg 4:6).

Além de que João nos instrui que tal atitude vem do mundo e da carne – logo não do Pai – e, portanto, quem mantém tal postura, o amor do Pai não está nele, afinal, o mundo e a sua cobiça passam, mas aquele que faz a vontade de Deus, permanece para sempre (palavras de 1Jo 2:15-17).

 

terça-feira, 14 de setembro de 2021

O CASO DO EUNUCO ETÍOPE

  


Para entendermos bem o encontro de Filipe com o etíope (narrado em At 8) é preciso observar um pouco da história da dispersão e difusão da cultura e da fé judaica no oriente antigo.

Ao voltar do exílio na Babilônia, Israel experimentou um breve período de autonomia política que logo foi rompido pelas invasões gregas lideradas por Alexandre, o Grande.  Como resultado destas invasões, muitos judeus foram transportados para viver em terras distantes de Jerusalém.

Especialmente ao longo do vale do Rio Nilo formaram-se comunidades de judeus tanto em Alexandria ao norte como mais ao sul na região da Etiópia.

Tais comunidades, embora mantivessem a fé no Deus único revelado nas tradições do que hoje chamamos Antigo Testamento, elas gradativamente abandonaram o uso da língua semita (hebraico-aramaico) e adotaram o uso da língua grega.

Mas não seria somente o uso da língua que haveria de diferenciar a comunidade judaica da Judeia daquelas formadas sob a cultura helênica.  No uso do texto sagrado, além dos livros consagrados no judaísmo, eles acrescentaram outros escritos mais recentes e desconhecidos em Jerusalém em sua tradução para a língua grega (chamada Septuaginta – LXX). 

Também houve uma valorização cada vez maior das interpretações dadas pelos rabinos em relação ao texto em si, bem como o desvio do centro do culto do Templo para as sinagogas.

Outra característica a se destacar neste judaísmo de fala grega que floresceu no Egito foi a presença indiscriminada de homens de etnias diversas (gentios) convertidos à fé judaica e que, mesmo mantendo os princípios da adoração ao único Deus, não evitaram uma mistura (sincretismo) entre elementos da cultura e da religiosidade greco-romana e judaica.

Muito provavelmente, o eunuco que Filipe encontrou no caminho de Gaza era pertencente a um grupo de fieis de fala grega que tenha aderido à fé dos judeus e que não queria perder o contato com a crença original, embora já soubesse da distância cultural que os separava.

O livro de Atos descreve o etíope como um alto funcionário do reino da Núbia (região entre os atuais Etiópia e Sudão no Alto Rio Nilo) na África – um ministro de estado ou secretário particular da rainha Candace – temente a Deus e que, tendo vindo a Jerusalém para adorar, agora retornava para sua terra.

Desse encontro entre o cristão Filipe e o eunuco aconteceu uma compreensão da Palavra de Deus, uma nova alma desceu às aguas do batismo e a igreja rompeu mais uma fronteira.

 

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

QUEM É ADORADO NO APOCALIPSE?


Deixe-me dizer de início: As grandes questões do Apocalipse não estão relacionadas na luta do bem contra o mal; o centro é a quem dirigimos nossa adoração.

Nos embates da Revelação os dois lados são:

(1)   Os que adoram e se prostram rendidos à besta ou ao dragão, iludidos e maravilhados com seus truques (conforme Ap 19:20), e isso o fazem sem demonstrar arrependimento (conforme Ap 9:20); e

(2)   Os que, comprados pelo sangue e selados pelo Cordeiro (conforme Ap 1:5-6 e 14:1-4), adoram exclusivamente ao Rei das nações (conforme Ap 15:3-4).

 Para entender essa distinção, lembre que a verdade fundamental bíblica é a exigência da adoração exclusiva a Deus, instruída desde os grandes mandamentos do Pentateuco: “Temam o Senhor, o seu Deus, e só a ele prestem culto” (Dt 6:13).  E reafirmada pelo próprio Jesus ao diabo (no episódio da tentação em Mt 4:10)

Assim, a adoração em Apocalipse deve passar pela exigência da exclusividade de adoração ao que está sentado sobre o trono e ao Cordeiro (acrescente-se ainda a instrução do anjo ao vivente: “Adore a Deus!” – Ap 19:10 e 22:9).

Ou seja, em Apocalipse é essa adoração inegociável que aponta para aquele que comprou para si, com seu sangue, gente de toda tribo, língua, povo e nação e que é digno de abrir os selos da história humana (conforme Ap 5:9).  E para adorá-lo é que o Espírito e a noiva dizem: “Vem!” (Ap 22:17).

 Logo, a despeito de senso comum que tem atribuído ao Apocalipse uma pecha de mau agouro, tragédias e desgraças, escatológicas que vitimarão em suas batalhas e catástrofes a todos, o Livro de Apocalipse é, certamente, o livro do Novo Testamento mais recheado de palavras e expressões de louvor e adoração.

Ele canta e exalta em argumento central aquele que está sentado no trono e ao Cordeiro.  Cordeiro que foi morto, mas com seu sangue adquiriu a dignidade de receber toda glória e honra e de a adoração prostrada que lhe é devida exclusivamente.

Por isso ao soar da sétima trombeta, céu e terra entoarão o canto eterno:

 “O reino do mundo
se tornou de nosso Senhor
e do seu Cristo,

e ele reinará
para todo o sempre”.

“Graças te damos,
Senhor Deus todo-poderoso,

que és e que eras,

porque assumiste
o teu grande poder
e começaste a reinar.”

(Ap 11:15-16)


 Leia também o livro TU ÉS DIGNO - Uma leitura de Apocalipse.  Texto comovente, onde eu coloco meu coração e vida à serviço do Reino de Deus. Você vai se apaixonar por este belíssimo texto, onde a fidelidade a Palavra de Deus é uma marca registrada.

 


Disponível na:
AD Santos Editora