Os céus conversam sobre a glória de Deus
e o cosmo reverbera a arte de suas mãos.
Sl 19:1
Os eruditos da Teologia costumam amparar a assertiva da revelação geral ou natural na citação bíblica de textos como os primeiros versos do Salmo 19. Se céus e firmamento me apresentam a divindade, então é possível que, mesmo palidamente, seus ditames estejam acessíveis à humanidade (Rm 1:18-21 corrobora essa teologia).
Deveria começar a refletir sobre o Sl 19 a partir desse pressuposto, uma vez que as bases de omnes cogitationes meas são teológicas. Mas vou abandoná-lo em busca de outras trilhas.
Um tema que me atrai é ler sobre as fronteiras do conhecimento: ali onde a ciência dialoga com a criatividade, o real com o possível, e os limites entre o método rigoroso e a devaneio puro se entrecruzam de maneira fértil.
Nesse sentido, devo citar "O Universo numa Casca de Noz" (The Universe in a Nutshell, título original – de Stephen Hawking) que li com acurada curiosidade – mesmo precisando constatar que cheguei ao final sem total compreensão!
Também vou confessar que me acrescenta muito assistir documentários como Cosmos (e outros similares) dirigidos por cientistas como Carl Sagan e Neil deGrasse Tyson. Não que assimile ou concorde com absolutamente tudo!
Eu vou então partir dessa trilha – talvez apenas seguindo migalhas de pão deixadas ao longo do caminho para que eu possa encontrar a rota de volta.
Dizem os especialistas que o nosso universo tem algo em torno de 13,5 bilhões de anos (isso vale para tempo e espaço) e que nós, humanos hoje, nada mais somos que poeira de estrelas. Há algo de poético nessa afirmação-constatação.
Só que olhar para esses dados sem filtro algum não nos vai permitir captar significados por essas linhas onde conhecimento e imaginação nos conduzem. Então entendo que devo mirar com os óculos certos. E os meus são teológicos.
Há aí um universo absolutamente imenso, entranhadamente complexo, surpreendentemente fascinante. Um universo cujas leis e forças se espalham e espelham dos mais gigantescos astros às mais ínfimas partículas.
E nesse universo eu contemplo e percebo um Deus transcendente, criador e eterno. "Antes que houvesse dia, eu sou" (Is 43:13).
Não dá para mapeá-lo nas cartas celestes, nem captá-lo com rádios-telescópio e nem é possível inferi-lo de dados astronômicos. Mas esse cosmo reverbera a arte divina daquele que o Karl Bart chama de totaliter aliter – o totalmente outro.
Olhando ainda a partir do Cosmo há outra perspectiva.
Em fevereiro de 1990 a nave Voyager I estava orbitando Saturno quando o astrônomo Carl Sagan sugeriu que suas lentes se voltassem em nossa direção e fotografasse. O resultado foi a imagem da terra registrada a seis bilhões de quilômetros. Vista assim, nós somos apenas um "Pálido Ponto Azul".
Abrindo um parêntese. A imagem citada é chamada em inglês de Pale Blue Dot e está reproduzida lá em cima (crédito: nasa.gov). O texto em que Carl Sagan comenta a imagem é fantástico – recomendo a leitura. Fechando o parêntese.
Agora olhando a Pale Blue Dot com os meus óculos teológicos me vejo fascinado pelo universo. E ecoam em mim as mesmas palavras de Davi: "Enquanto me encanto com o firmamento, eu me questiono: que há em mim para que te importes?" (Sl 8).
Num universo grandioso e majestoso, um Deus que o transcende desce para dar atenção personalizada aos seus. "Anda que seja excelso, ele atenta para o humilde" (Sl 138:6).
Que sentido isso faz? Como pode ser isso? Por que o além do Cosmo assume uma personalidade e busca intimidade? Que há no transcendente que o faça imanente? Por que se importar com o Pale Blue Dot?
E eu então só encontro uma resposta. De uma inexplicável forma e sem qualquer lógica cartesiana o Deus da infinidade do Cosmo decidiu simplesmente me amar. "Eu com amor eterno te amei" (Jr 31:4).
E só resta concluir o salmo:
Que as ciências que saem da minha boca
e a imaginação que fecunda o meu coração
possam lhe ser agradáveis, ó Senhor.
Sl 19:14