terça-feira, 25 de outubro de 2016

Os Grandes Princípios Batistas – O BATISMO CONSCIENTE DE CRENTES

Prefiro este termo à batismo de adultos, porque batizamos crianças e adolescentes.  Não batizamos bebês.  A idéia de que o batismo tinha poder salvador se arraigou lentamente na igreja.  Pelo quarto século, o sacramentalismo impôs a ceia e o batismo como sacramentos que deviam ser ministrados para trazerem graça espiritual.  O batismo passou a ser algo praticado para se alcançar a salvação.  Mas desde o segundo século que a prática de batizar crianças se institucionalizara na igreja.  Segundo O Didaquê, obra ainda do primeiro século, a igreja primitiva usava a imersão e a afusão como métodos de batismo.  Parece que as crianças (não no Novo Testamento, pois não temos notícia de batismo infantil neste período) eram submetidas à afusão e, mais tarde, à aspersão.
A idéia do batismo como sacramento deve nos alertar.  Com muita facilidade as pessoas transferem para objetos, gestos e ritos, alguns poderes especiais (no seu entendimento).  Muitas vezes sacramentamos formas e ritos.  Já ouvi gente dizer que o Cantor Cristão é inspirado e que nunca deveríamos ter um novo hinário, que não é inspirado.  Inspirado, para nós, é só a Bíblia.  Nenhum material pode ser visto como sagrado.  Isto traz problemas, pelos desdobramentos posteriores.  O Cantor Cristão é bom, e mais seguro que uma multidão de corinhos aguados, bobinhos, e sem conteúdo que nos empurram em nossos cultos, mas não é inspirado.
Os separatistas se esforçaram para haver uma igreja composta apenas de crentes regenerados.  Só se pode ser membro da igreja pelo batismo e este só pode ser aplicado a pessoas conscientes do que fazem.  Ninguém pode impor o batismo a outro.  E a única motivação é a conversão a Jesus.  Batizei uma pessoa que fora batizada na Universal.  Antes de fazê-lo, quando questionei o porquê de seu batismo, a resposta veio mais ou menos nestes termos: “Eu recebi uma bênção lá na igreja.  Aí me disseram que se eu quisesse continuar sendo abençoada eu deveria ser da igreja e para isso teria que me batizar.  Então fui batizada para continuar sendo abençoada”.  Não é esta a motivação para o batismo.  A motivação é a fé em Jesus.  Os textos bíblicos são claros: “quem crer e for batizado” (Mc 16.16) e “Que impede que eu seja batizado? É lícito se crês…” (At 8.36-37).
A adoção do cristianismo pelo poder civil levou muita gente a se batizar, mas sem nenhuma convicção religiosa.  A igreja recebeu membros incrédulos, não regenerados, mas submetidos a um ritual chamado batismo.  Este é um problema quando as linhas entre o poder civil e a igreja são tênues ou são apagadas.  A igreja deixa de ser igreja.
A concepção mágica do batismo também produziu muitos membros da igreja incrédulos.  Há informes da crise teológica de jesuítas que vieram para o Brasil.  Acreditavam que batizando o índio, este se converteria, pois o batismo tinha um poder sacramental, mágico-mítico.  Mas batizava-se o índio e este continuava antropófago e idólatra.  O batismo não regenera.  Deve testemunhar a regeneração.  O batismo consciente de adultos faz com que a igreja se componha de convertidos.  Se hoje, batizando apenas adultos, temos uma quantidade enorme de gente encostada em nosso meio, imagine-se batizando-se bebês recém-nascidos e considerando-os membros da igreja!
Esta insistência no batismo somente de crentes fez com que o rótulo de “anabatistas” fosse aplicado a muita gente que nada em comum tinha com os anabatistas.  E algumas pessoas o aplicam aos primeiros batistas.  Mas este era um termo genérico, como é hoje o termo “evangélico” que para nossa “bem informada” mídia engloba todo mundo que não seja católico.  Mas os anabatistas remontam a 1490, sendo Conrado Grebel, um ex-cooperador de Zuínglio, seu fundador.  Discordou de Zuínglio por não aceitar o batismo infantil.  Com os anabatistas, os batistas tinham em comum o batismo apenas de regenerados, uma Igreja composta apenas de regenerados, a supremacia das Escrituras e a liberdade civil e religiosa.  Mas discordavam deles no seu pacifismo radical, sua omissão como cidadãos (alguns anabatistas viam o Estado como demoníaco) e sua proibição de juramentos, inclusive em tribunais, além de pontos de vista teológicos sobre encarnação e hipnose da alma e a necessidade da sucessão apostólica para o batismo.  Mas voltemos à visão sobre o batismo consciente de crentes.
Neste aspecto do batismo, os batistas devem aos menonitas.  De 1609 até 1638, os batistas praticavam apenas a afusão.  No contato com os menonitas aprenderam o batismo por imersão.  Em 1638, a Igreja de Spilsbury declarou que só aceitaria o batismo por imersão.  Em 1644, sete igrejas batistas assumiram uma declaração doutrinária, chamada de “Confissão de Londres”, em que a forma de batismo era por imersão, aceitando a declaração da Igreja de Spilsbury.  Desde então, esta vem sendo a prática dominante em nosso meio.

Extraído de uma palestra preparada pelo Pr.  Isaltino Gomes Coelho Filho (1948-2013) para um congresso doutrinário em Altamira, Pará, novembro de 2009.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O CULTO COMO ANÚNCIO

E disse-lhe: "Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas".
(Mc 16:15)
Refletindo sobre os preciosos encontros que o estar na presença de Cristo nos proporciona, convém hoje ressaltar que o encontro com Cristo no culto nos leva a uma compreensão muito clara do próximo e do encontro que devemos ter com ele.
Duas citações tiradas de Jesus: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres.  Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos" (Lc 4:18) e "assim como o Pai me enviou, eu os envio" (Jo 20:21).  Desta combinação temos que o encontro com Jesus que se dá no culto deve nos fazer compreender que é preciso também ir ao encontro do próximo.  Ou seja: o encontro com o Mestre deve nos impelir a uma consciência da proclamação da mensagem divina aos homens e mulheres.  Desta forma, o culto como encontro tem que ser também culto como proclamação da Palavra de Deus.  O culto em que Cristo se faz presente tem que ter sempre um elemento de anúncio, pois nos encontramos com Cristo e somos enviados a conclamar outros a também se reencontrarem.
Se nós nos encontramos com Cristo no culto então a nossa celebração é também uma denúncia da separação entre Deus e seres humanos – que é a origem de toda desgraça humana – e também o anúncio de que Cristo já veio em resgate desta humanidade oferecendo-lhe solução para todos os seus problemas espirituais, psicológicos e sociais.
Agora que já nos encontramos com Cristo no culto, vamos fazer deste culto o anúncio de Deus para o resgate do ser humano, sendo nós os instrumentos divinos para esta missão.

(do livro "No Baú da Adoração" publicado em 2004)

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Palavras semitas no NT grego

A fé e a cultura de Israel estão na origem do cristianismo.  E não é de se estranhar que várias expressões da língua daquele povo estejam presentes no texto do Novo Testamento grego.  Até porque os próprios autores – em sua maioria – tinham também esta origem.  Veja a lista de alguns palavras e expressões de origem hebraica ou aramaica que podemos ler no NT.



sexta-feira, 14 de outubro de 2016

ONDE O SOBERANO COLOCA OS MEUS PÉS

Estamos acostumados a citar o pequeno livro de Habacuque lembrando da declaração de alegria, apesar da figueira que não floresceu, pois deve estar baseada no Deus de nossa salvação (Hc 3:17-18).  Realmente isto é maravilhoso e não pode ser esquecido como projeto de vida para todo servo de Deus.  Mas se lermos o verso seguinte veremos que o poema se encerra com uma declaração de fé ainda mais contundente.
O verso 19, como deve ser a boa poesia hebraica, apresenta uma afirmação inicial que serve de suporte e depois uma outra que lhe vem como contraponto.  E é a partir desta estruturação que quero refletir hoje.
O ponto de partir é a declaração da convicção de quem é Deus.  O Senhor, o Soberano, é a minha força.  Tudo o que vai ser dito e refletido aqui só fará sentido se tivermos a consciência bem definida de que o nosso Senhor é o Soberano.  Algumas vezes a busca de intimidade com Deus – processo natural e desejável na vida cristã – nos faz esquecer da realeza santa e da soberania absoluta dele.  O fato de ele ter se aberto para estar conosco não implica que deixou de ser o Todo-Poderoso.
Duas citações ilustram esta tomada de consciência.  Jacó ao perceber que a escada dos céus tocava o lugar onde estava exclamou: Temível é este lugar! (leia Gn 28:17).  Já no NT, o mesmo Jesus que nos chama de amigos é quem com determinação expulsa aqueles que deturpavam a casa de oração (compare Jo 15:15 com Jo 2:15).
Ainda na primeira frase, o profeta reconhece que ele – e somente ele – é a nossa força.  Esta é a declaração da confiança absoluta no poder e no cuidado de um Deus que sendo altíssimo ainda assim atenta para os humildes (veja como é belo o Sl 138:6).  Não é o nosso braço quem nos garante a vitória e sim a força do Senhor que em nós opera.
Davi no majestoso Salmo 20 canta que o Senhor dá vitória ao seu ungido e por isso – ao contrário dos que confiam em armas e estratégias de guerra – a nossa confiança está no nome do Senhor (anote do verso seis em diante, em especial o de número 7).
Tendo afirmado esta confiança, então as frases seguintes ganham nova coloração: O Soberano faz meus pés como os do cervo e me faz andar em lugares altos.  É nesta maravilha que nos alicerçamos. 
Sabe o que isso significa?  É lá nas alturas que experimentamos do Senhor (lembre-se da ordem a Moisés em Êx 24:12 – “suba o monte, venha até mim, e fique aqui”).  Ainda é lá que sentimos os pés deixarem o pântano para se firmarem sobre a rocha (aqui lembro tanto do Sl 40:2 quanto de 1Pe 2:7).  E, por fim, nos lugares altos o Soberano nos dá uma visão privilegiada de sua glória e de seu poder (veja a convocação do Sl 66:5).  Ali Deus posta os nossos passos.
Que o Senhor, o Soberano, que é a nossa fortaleza nos leve aos seus lugares altos para sua glória.


terça-feira, 11 de outubro de 2016

Os Grandes Princípios Batistas – A LIBERDADE DE OPINIÃO

Na Declaração Doutrinária, “Liberdade de opinião” tornou-se um tópico dentro de “O indivíduo”.  Entendo o que foi feito, mas quero abordar o aspecto de liberdade de opinião ou liberdade de expressão.  É um legado nosso aos demais grupos evangélicos.  Nós o estabelecemos com nosso testemunho e nosso ensino.  A monarquia católica ou a teocracia protestante nunca predominariam em meio à consciência batista.  A tentativa de se formar uma Genebra calvinista nunca vingaria entre nós.  Ainda bem, porque a Genebra de Calvino foi sanguinária.  Mas a liberdade de opinião não se restringe ao falar, mas ao decidir sua vida.  Cito trecho do livro “Quatro frágeis liberdades”, de Walter Shurden: “A liberdade individual é a afirmação histórica do direito e da responsabilidade inalienáveis de cada pessoa em se relacionar com Deus, sem imposição de credos, interferência do clero ou intervenção do governo civil” (p.  20).
Um jovem pastor de 24 anos, Roger Williams encarnou isso em sua vida.  Ele começou seu pastorado em Boston, em 1631.  Logo desagradou as autoridades locais.  Ele recusava o direito dos magistrados em decretarem penalidades jurídicas por infrações religiosas.  Williams achava que igreja e Estado deviam ser absolutamente distintos, o que, aliás, os separatistas ingleses defendiam.  Ele não criou o princípio, mas levou-o às últimas conseqüências.  Roger Williams defendia bem mais que separação entre igreja e Estado.  Defendia a absoluta liberdade religiosa.  O Estado não tem direito de impor sua fé a ninguém.  As pessoas têm o direito de escolher a sua fé e até mesmo não professar fé alguma.  Cada pessoa é responsável por sua vida e por suas decisões.  O homem não pode ser tutelado nem pela igreja pelo Estado.  Por isso também que nunca podemos apoiar ditadura alguma.  E toda e qualquer intolerância, seja racial, social, religiosa, ideológica ou política deve ser rejeitada por nós.
Expulso de Boston, num inverno rigoroso, e tendo sido salvo pelos índios, Roger Williams fundou uma pequena colônia, na Baía de Narragansett, com algumas de suas ex-ovelhas da Igreja Episcopal, que o acompanharam.  No documento de fundação da colônia se definiram como postulados a tolerância religiosa e a liberdade de opinião.  Isto é motivo de satisfação para nós, ao mesmo que se torna um lembrete sobre como devemos proceder.  A primeira comunidade que estabeleceu como princípio a liberdade religiosa absoluta foi fundada por um homem que veio a se tornar batista e que, em 1639, fundou a primeira igreja batista em solo americano.  A liberdade de expressão é um fundamento muito caro aos batistas.  A riqueza da Igreja de Cristo está na sua diversidade.  Isto se verifica até mesmo na chamada dos doze, feita por Jesus.  Eles eram pessoas diferentes.  Pescadores, cobradores de impostos, um guerrilheiro (aceitando a tese de Oscar Cullman de que Judas Iscariotes quer dizer “Judas, o homem do punhal”).  Um colaboracionista com Roma, o poder dominante, e um revolucionário, contra o poder dominante, portanto.  Ambos chamados por Jesus.
Esta liberdade de opinião permite que a CBB abrigue diferentes correntes escatológicas.  Ela guardou o princípio batista.  Outros grupos batistas exigem uma postura específica.  Não é o nosso caso.  Abrigamos diversas tendências porque este ponto não é fundamental, mas secundário.
Liberdade de expressão é uma conseqüência inevitável de não termos um papa ou alguém “infalível”, que todos temos o Espírito Santo, que somos todos falíveis, também.  É a aplicação do sacerdócio universal de todos os salvos.  Todos temos acesso a Deus, todos temos o Espírito Santo, nenhum de nós é mais conectado a Deus que os demais, para ter o monopólio de Deus.  O autoritarismo teológico é uma agressão em si, e também uma agressão à nossa história.
É obvio que temos divergências.  Aliás, o capítulo X do livro de Faircloth e Torbert, Esboço da História dos Baptistas, se intitula “Livres Para Divergir”.  E mostra algumas das divergências históricas entre os vários grupos batistas.  Mas como alguém já disse, um bom princípio a se observar aqui é: “Nas pequenas coisas, diversidade; nas questões capitais, unidade; em todas as coisas, caridade”.  Divergências no cristianismo aparecem cedo, como vemos em Atos 15, e nas cartas de Paulo, todas elas escritas para resolver problemas na vida das igrejas (talvez as exceções sejam Efésios e Filipenses).  Mas é atitude cristã saber viver com divergências.  E também uma marca do espírito batista.

Extraído de uma palestra preparada pelo Pr.  Isaltino Gomes Coelho Filho (1948-2013) para um congresso doutrinário em Altamira, Pará, novembro de 2009.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

NO SERVIÇO DO MEU REI

Acordei cantarolando um velho hino.  Faço isso com frequência.  Começar o dia cantando velhas canções faz muito bem à alma.  Além de estimular a memória.  Guardo lembranças de antigos cânticos, do rico Cantor Cristão, de músicas que já se tornaram clássicas e de algumas outras que se foram agregando pelo caminho.  Na maioria das vezes, elas compõem meu repertório matinal.
Em geral, as canções antigas se revestem desse poder.  Num mundo agitado e às vezes caótico, barulhento e cinzento, elas ajudam a reafirmar a fé inabalável que dá sentido à vida, transmitem um senso de pertença e reacendem velhas pegadas que ajudam a continuar na caminhada. 
Além de ajudarem a faxinar os cantos empoeirados da alma que costumam ficar esquecidos e sombrios.
E como os bons e velhos hinos também cumprem magistralmente o papel de serem portadores de orações e preces, então o conjunto está completo. 
Mas antes que o desvio do tema original se torne irremediável e a comparação com as novas melodias inevitável, deixe-me voltar à proposta original: acordei cantarolando um velho hino.  Como já está enraizado na mente e na alma, posso até cantá-lo de cor.
Comecei cantando assim:
No serviço do meu rei eu sou feliz, satisfeito e abençoado.
O refrão diz:
No serviço do meu rei minha vida empregarei
E a última estrofe conclui pesado:
Quanto tenho, no serviço gastarei.  No serviço do meu rei.
Assim a manhã foi prosseguindo ...  Fazendo minhas as palavras de A.H. Ackley (o título original é In the Service of the King de 1912).  É bom ocupar a mente dessa forma!
Mas eis que a paz matinal se vê invadida por novos acordes.  O som ligado em casa inunda o ambiente com Mestre eu preciso de um milagre ... Ressuscita os meus sonhos
Devo confessar que foi difícil não alinhar uma comparação entre o antigo (bom!?) e o novo (ruim!?).  Entendo que esse paralelo além de não contribuir em nada, é pobre, preconceituoso e pouco inteligente.  Música boa ou ruim não depende de idade.
Mas, alheio a esse tipo de análise, a comparação é inevitável.  Embora habitando o mesmo universo evangélico, as duas canções trilham caminhos completamente distintos (irreconciliáveis!?). 
Enquanto um declara alegria no serviço e se dispõe a gastar e empregar recursos na obra do rei; o outro aguarda o milagre.
Seriam dois evangelhos!? um de ação outro de reação? Um ativo e um passivo? Um de dar outro de receber?
É melhor parar por aqui.  Certo de que não tenho nem o direito nem a prerrogativa do julgamento, entendo que não me cabe avaliar qual expressa de maneira mais adequada a herança e a fé cristã. 
Tenho minhas suspeitas.
O que sei é que prefiro continuar começando meus dias declarando minha alegria em ser servo:
Gozo, paz, felicidade tem quem serve a meu bom rei.
Ah! Nisso sim eu creio.


terça-feira, 4 de outubro de 2016

A Palavra de Deus – LOGOS ou RHEMA?

Este é outro debate no qual, de vez em quando, querem me trazer para o meio dele.   Qual seria o termo certo para se referir a verdadeira Palavra de Deus?  Logos (Λόγος) ou Rhema (͑Ρῆμα)?  Na maioria das vezes eu fujo de tais questões por que acredito que elas não acrescentam muito quando feitas assim isoladamente – nem à fé nem ao conhecimento.
Como me insistiram recentemente, resolvi dar um pitaco.  Não sei se vai atender à necessidade ou curiosidade, mas vou listar alguns pontos bíblico-lingüísticos, depois fazer uma pequena análise de versos do Novo Testamento.  Se no fim realmente não for conclusivo, creio que pelo menos apontarei alguns caminhos.

NO GREGO CLÁSSICO – Platão e Aristóteles usaram rhema para se referir a um simples enunciado ou coisa dita, uma frase.  Por sua vez, logos em geral na Filosofia Grega, principalmente Alexandrina, implicava em termo técnico para se referir ao princípio supra-humano que ordena o cosmos a partir do caos.

NO NOVO TESTAMENTO GREGO – As duas palavras são usadas quase que indistintamente.  Veja a estatística e alguns exemplos de citação que encontrei a partir do trabalho de Strong:
Rhema – 70 vezes no NT / 546 vezes na LXX –
* Discurso ou mensagem – Lc 3:2
* Não escrita – Jo 5:47
* Palavra de anjo – Lc 2:19
* Testemunho verbal – At 16:38
* Palavra frívola – Mt 12:36
* Blasfêmia – At 6:11
* Palavra de demônio – Jo 10:21
Logos – 331 vezes no NT / 1239 vezes na LXX –
* Expressão ou termo – At 18:15
* Desprezível – 2Co 10:10
* Vã ou torpe – Ef 4:29 / Ef 5:6
* Maliciosa – 3Jo 10
* Fiel – 1Tm 1:15
* Eterna – Mc 13:31
* Profética – At 15:15
* Viva e eficaz – Hb 4:12

NO LÉXICO – Outra linha de observação, é dar uma olhada no Léxico do NT Grego (aqui citando o trabalho de Gingrich & Danker):
Ρῆμα, ατος, τό – 1. aquilo que é dito, palavra, dito, expressão, ameaça – 2. coisa, objeto assunto, evento
Λόγος, ου, ὁ – 1. palavra, assunto, declaração 2. a Palavra (Verbo) de Deus3. reconhecimento

TRADUZINDO O ANTIGO TESTAMENTO – Ambas as expressões, em geral, traduzem o hebraico דבר (dabar) – palavra.  Por exemplo: em Pv 25:11 e Ex 20:1 a LXX usa logos e em 2Rs 10:10 prefere rhema.

LENDO A BÍBLIA
* Mateus usa a expressão rhema no episódio da tentação de Jesus (em Mt 4:4).  A Palavra de Deus é o que alimenta o ser humano.  Por ter saído da boca de Deus, e só por isso, esta palavra tem poder.
* João inicia seu Evangelho usando o termo Logos num sentido bem técnico – beirando entre a Teologia e a Filosofia.  É como uma resposta aos alexandrinos.  Mais que um princípio etéreo, nós seguimos a Palavra que se fez carne e habitou entre nós e vimos a sua glória como a glória do Unigênito do Pai (confira Jo 1:1 e 1:14 – o início de sua primeira carta trilhará a mesma proposta).
* O texto paulino da armadura do cristão (em Ef 6:17) se refere a Espada do Espírito – a poderosa arma que o cristão tem em sua luta contra as potestades e principados das regiões celestes – como a Palavra de Deus.  Aqui a expressão é rhema.
* Também paulina é a instrução dada a Timóteo (em 2Tm 4:2) sobre a prioridade da pregação da Palavra.  Aqui o texto usa logos.  Em qualquer circunstância, a Palavra de Deus deve ser o conteúdo central de nossa fé e de nossa pregação.

À GUISA DE CONCLUSÃO – Insisto que esta discussão não vai acrescentar muita coisa à minha fé na Palavra.  Do mesmo Deus é a Palavra que se fez carne cheio de graça e verdade.  Do mesmo Deus é a Palavra que afugenta o inimigo.  Ambas são de Deus.  Pelo som de sua voz, Deus criou o mundo (leia Hb 11:3).  E por sua palavra venceu a morte (leia Jo 2:22).