terça-feira, 29 de março de 2016

E na hora de traduzir...

Dez sugestões práticas que eu uso quando me ocupo no trabalho de tradução e exegese do texto sagrado: 


sexta-feira, 18 de março de 2016

O SINAL DA CRUZ

Desde o segundo século de nossa era, grupos cristãos fazem uso do gesto do sinal da cruz.  No início limitava-se apenas a traçar uma cruz com o polegar sobre a testa, podendo ou não ser acompanhado de uma prece específica.
Numa época em que os recursos eram mínimos e os acessos a instrução escassos, a inclusão de rituais, como este, entre as práticas cristãs ajudava a fomentar o espírito cristão e a doutrinar os neófitos.
O sinal da cruz ajudava a lembrar o valor e o poder da cruz para a fé cristã e o que significou o evento do madeiro como centro de nossa crença e razão de ser de nossa esperança.
Com o passar dos anos, o ritual simbólico se espalhou do oriente ao ocidente, o gesto se ampliou para a cabeça, o peito e o ombros (e sim, claro, há bastantes variações) e hoje cristãos de matizes diversas usam o sinal nas mais variadas situações: ao ouvirem uma blasfêmia, antes de começar algo arriscado, diante de algum ícone sagrado ou um templo, e por aí vai.  Em muitos casos, por puro ritual, completamente desassociado das implicações que advenham da cruz para meus compromissos cristãos.  Parece que virou algo como um amuleto ou recurso místico adicional – ao estilo das superstições populares.
É certo também que minha tradição protestante-evangélica não valoriza este ritual – e até o rejeita – e por isso muito pouco se fala e pensa sobre este costume extremamente enraizado no jeito de ser fiel brasileiro.  Vou seguir assim.  Como ritual em si, talvez pouco acrescente à minha fé, mas como simbolismo representa um princípio cristão que vale repensar.
O apóstolo Paulo, escrevendo ao cristãos de Corinto, observa que tanto os judeus pedem sinais, como os gregos procuram sabedoria; nós, entretanto, proclamamos a Cristo crucificado, que é motivo de escândalo para os judeus e loucura para os gentios (confira 1Co 1:22-23).
A cruz é o motivo da minha fé e tem que ser o centro de minha mensagem, pois sem cruz não haveria evangelho, não haveria igreja, não haveria salvação, nem haveria cristianismo.
E tem mais – voltando a lembrar dos primeiros passos de nossa caminhada cristã – num mundo romano em que a cruz era o símbolo máximo de tortura, degredo e maldição, insistir em apontar a cruz como marca que identificava os seguidores de Cristo era uma afronta deliberada contra o poder instituído.  Usar a cruz era como dizer ao poderoso Império Romano: não tenho medo de suas armas e de seu controle ideológico-religioso! – um tapa na cara.
A cruz nos identificou, demarcou nossos espaços sagrados, deu-nos sentido histórico e esperança escatológica.  A cruz nos fez o que somos: cristãos.
Mas aos poucos temos adocicado nossa fé e a cruz, quando muito, tem virado souvenir.  O escândalo dos judeus e a loucura dos gregos parece que já não nos identifica.  E a questão não é um gesto ritual que leva meus dedos à testa, ao peito e aos ombros e sim o que a cruz realmente aponta para nós, suas implicações, suas exigências de renúncias e confiança exclusiva.
E que o sinal da cruz seja realmente para nós o chamado e vocação dos santos.


terça-feira, 15 de março de 2016

ARACAJU – anotações históricas

No próximo dia 17 de março a minha querida Aracaju estará completando 161 anos de criação – já está até parecendo cidade grande!!!
Em referência a esta data, eu peço licença para reproduzir aqui uma citação da Profª Ester Fraga Vilas-Bôas do Nascimento que encontrei no livro: "Fontes para a História do Poder Legislativo da Cidade de Aracaju" publicado em 2010.

A criação do encapelado de Santo Antônio do Aracaju data de outubro de 1778, quando o padre Luís de Brito Soares recebeu a sua administração.  Ali se estabeleceu  o povoado de Santo Antônio.  O povoado é algo distinto da cidade que Inácio Barbosa fundaria em 1855.  Só posteriormente foi incorporado à malha urbana da nova capital. 
(...)
A cidade de Aracaju nasceu formalmente no dia 17 de março de 1855.  Foi criada já como município, para ser a capital da Província de Sergipe.  O presidente da Província, Inácio Barbosa, escolheu uma área na margem direita do rio Sergipe, e perto da sua foz.  Uma praia ao sul do antigo povoado Santo Antônio do Aracaju, que ficava no alto da colina do atual bairro Santo Antônio. 
(...)
Em toda a região que circundava as duas olarias, e que era conhecida como Massaranduba e Tramandaí, existiam engenhos, sítios, lavouras, criatórios, salinas, casas de telha, casas de palha e escolas.  Dentre as principais sitos e núcleos de moradores que existiam vale citar Getimana, Saco, Porto, Pedras, Pau Grande, Bugiu, Melo, Manteiga, Vilanova, Miramar, Boca do Rio, Barreta, Borborema, Aroeiras, Chica Chaves, Tramandaí, Luzia, Grageru e Mané Preto.  Nessas terras, até então pertencentes a Freguesia de Nossa Senhora do Socorro da Cotinguiba, se produzia mandioca, cana, arroz, milho, feijão, sal e coco.  Existiam olarias, fábricas de cal e oficinas de ferreiros.  Em 1855, mesmo antes da mudança da capital, nas terras onde se estabeleceu a capital da Província já funcionavam uma alfândega e uma agência dos correios.
(...)
A cidade que Inácio Barbosa fundou, cresceu.  E com ela os horizontes e utensilagens mentais dos seus habitantes.  As pessoas, os fatos, as instituições os lugares, enfim, a criação humana na cidade, nos mostram que o espaço urbano é o espaço dos olhares.  Tudo está contido num emaranhado de ruas, praças, igrejas, edifícios, a movimentação das pessoas, um mundo de muitas tarefas.  Tarefas assumidas anonimamente por todos e por cada um no contexto dos objetos, das cores, das luzes e das formas da cidade.  Espaço que se antagoniza ao do campo, ao da vida rural, de ritmo lento e modorrento.  Visão na qual estão calcadas as construções interpretativas da cidade feitas por memorialistas, poetas, romancistas, sociólogos, urbanistas, economistas, historiadores e também pelas decisões das autoridades legislativas, executivas e judiciárias.

(A imagem lá em cima é um dos primeiros registros fotográficos da Primeira Igreja Batista de Aracaju, como sua membresia em frente ao templo em 1921)

sexta-feira, 11 de março de 2016

USA-ME, SENHOR

No conhecido texto de Is 6:1-8 o profeta tem uma visão do Senhor em glória e a partir desta visão, toda a sua vida foi transformada: seus lábios impuros foram tocados e seu pecado perdoado. A consequência disto é que Isaías respondeu favoravelmente ao desafio missionário que ouviu naquele culto.
A resposta do profeta em se dispor a atender ao chamado é, com certeza, um modelo para nós cristãos modernos que também somos chamados à missão (confira em Mc 16:15).  Mas vejamos a que implicações Isaías estava disposto a se comprometer a partir de sua disponibilidade.
Quem diz ao Senhor para usá-lo estar-se colocando a disposição para se mover.  Com a sua resposta, Isaías sabia que, embora o santuário fosse o melhor lugar para se ficar, mas estar pronto para responder ao Senhor deve significar sair do lugar de conforto para o de trabalho missionário.  Quem ouve a voz do Senhor e atende, tem que se mexer – tem que sair da inércia e começar a agir.
Jesus inicia a grande comissão citada por Mateus dizendo que ela deve ser feita indo. Começando em Jerusalém e sem parar ou desistir chegar até os confins da terra (leia em Mt 28:19).
Em segundo lugar, quando há um verdadeiro comprometimento com a missão que o Senhor nos entrega deve haver também uma ruptura com os vínculos do passado.  É claro que para alguns isso vai significar deixar literalmente seu lugar e família como foi com Abraão (Gn 12:1) e ainda é com nossos missionários transculturais.  Mas o chamado à missão cristã tem que nos levar a uma separação dos valores deste mundo para que o Reino de Deus seja nossa prioridade.
Voltamos a ouvir Jesus declarando que para o discipulado cristão autêntico é preciso renunciar até a família – sendo ela um empecilho ou ocupando a primazia – e tomar a cruz para segui-lo com integridade (está em Lc 14:26-27).
E ainda, a principal implicação de ouvir e atender a vocação missionária está em se submeter de modo integral à vontade e aos planos de Deus.  Quando o cristão se compromete com o evangelho, ele deve vivê-lo de modo absoluto em todos os aspectos de sua vida, o que deverá resultar em abandono do eu com suas falsas prerrogativas e a entrega confiante àquilo que o Senhor tem reservado para os seus.
Aqui a referência é ao apóstolo Paulo, que entendia que o seu cristianismo tinha que ser reflexo não de suas próprias convicções e aptidões, mas da vida de Cristo – e sua vontade e deliberações – no controle de nossa existência (como dito em Gl 2:20).
Que esta seja a nossa resposta também ao ouvir o chamado divino para o cumprimento da missão: Usa-me, Senhor! Para que possamos viver a cada diz cumprindo-a para a glória de Deus.

(Esta reflexão foi apresentada em 24 de abril de 2009 em ibsolnascente.blogspot.com)

terça-feira, 8 de março de 2016

TEMPLO, TEATRO E MERCADO

Resenha do livro: TEATRO, TEMPLO E MERCADO: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal; de Leonildo Silveira.


Nos últimos tempos o estudo do fenômeno neopentecostal tem sido o grande centro em torno do qual tem girado o estudo das Ciências da Religião no Brasil.  Seu surgimento mais recente entre os grupos religiosos, sua abrangência e quase onipresença na sociedade brasileira moderna, seus métodos inovadores de proselitismo e propagação de suas crenças e sua proposta política mais agressiva estão entre os temas que têm sido comumente mais tratados pelos estudiosos.
Saindo do lugar comum, o Prof. L.S. Campos procura mostrar que o fenômeno neopentecostal não é simplesmente charlatanismo ou fanatismo, e nem ainda uma fuga obtusa da sociedade, como quiseram mostrar os adversários do movimento, tanto entre as igrejas quanto nas academias.  Tomando o caso da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD como exemplo ele tenta mostrar que num mesmo espaço acontecem simultaneamente o teatro, o templo e o mercado.
O Prof. L.S. Campos se qualificou para empreender obra tão volumosa (o livro tem 504 páginas) por estar tanto devidamente habilitado nas ciências humanas e sociais quanto enfronhado no universo religioso protestante brasileiro onde se viu nascer o neopentecostalismo e assim produziu um texto, divido em 10 capítulos que, segundo o autor, “podem ser lidos separadamente” (página 23).  Usando o método metafórico nas escolhas dos temas, Campos segue uma linha de pensamento que pode ser visto como oriundo dos pensamentos de Aristóteles e se ocupa de tentar ver as realidades através das representações e metáforas que podem ser propostas a partir delas.
A primeira expressão da “trilogia articulada ao redor de três metáforas” (pág. 24) é a visão do universo neopentecostal como teatro, ou seja, os ritos que acontecem nas IURD são cenas que se desenvolvem como num teatro sagrado.  Sendo o teatro ocidental originário “ao redor dos rituais de culto a Dionísio” (pág. 64) então é perfeitamente compreensível a conclusão que o teatro e o culto estão intimamente ligados pois são “processos sociais em que as coisas intangíveis se revestem de tangibilidade, e às visíveis, se atribuem valores invisíveis” (pág. 65).
Ora, o que acontece na Igreja Universal é exatamente esta teatralização do sagrado e como num verdadeiro teatro ali estão presentes todos os elementos de uma dramaturgia: um enredo, atores, cenário, equipes de apoio e platéia; cada um tendo um papel especifico a desempenhar no desenrolar ao ato teatral.  O pastor funciona como ator que será ajudado por uma equipe e, fiel ao enredo, “estimula um processo de interação social surpreendente com a platéia” (pág. 94).
O segundo ponto é a visão da IURD como templo.  O que ali acontece pode ter todos as características de um teatro mas também é centralizado na consciência religiosa que faz deste teatro um espaço cúltico reconhecido como “casa de Deus” e por isto mesmo um “espaço energético”.   No culto neopentecostal e ênfase recai no exorcismo.  O templo é o espaço onde as forças do mal são bombardeadas e têm que se dobrar diante do poder superior de Deus.  O pastor, “elo de ligação entre Deus e os homens” (pág. 101) se coloca então como aquele que vai por em ordem novamente o mundo que foi destruído pelas forças diabólicas.  Note-se que este apelo pela reordenação do mundo oferecido pelo sagrado está presente no slogan da própria IURD: “quem procura a Igreja Universal, procura o espírito da Criação”.
Com esta certeza, o capítulo 8 (a partir da página 327) merece destaque pois é ali que é feita a análise da Teologia da Igreja Universal.  Embora aparentemente avessos a sistematização teológica, mas, segundo a análise de Campos, quatro aspectos de destacam da teologia iurdiana: a) a valorização do corpo, ao contrário dos demais ramos protestantes e principalmente pentecostais, a IURD vê o corpo como “ lugar privilegiado, o ponto de encontro entre o homem e o transcendente” (pág. 332); b) visão maniqueísta do mundo que considera tudo como resultado das ações benéficas ou maléficas sobre os seres humanos, destaca-se aqui o papel exorcista exercido pelo templo da Universal que funciona com uma espécie de pronto-socorro espiritual aberto ininterruptamente.
Os dois outros aspectos que se entrelaçam são: c) cura e salvação e d) prosperidade.  Tanto a saúde física quanto o sucesso sócio-econômico estão, para a teologia da Igreja Universal intimamente ligados a bênçãos de Deus para aqueles que se unem ao “Jesus da Igreja Universal”, enquanto que o inverso são conseqüência das forças malditas.  Em outras palavras: saúde e riqueza estão ao alcance de todos que se empenham em “colocar sua fé é ação” (página 368 – em itálico no original – o Quadro nº 12 na página 364 apresenta uma sugestiva “Genealogia da Teologia da Prosperidade”).
Mas o empreendimento da IURD também é alicerçado do marketing.  A estrutura da Igreja Universal é montada sobre uma lógica de mercado onde cada pastor tem cotas a cumprir e a vida litúrgica da igreja é norteada pelas campanhas (atividades sazonais)  e correntes (mais ligadas a um calendário fixo) que acabam estimulando o consumo de bens religiosos oferecidos pela própria Igreja Universal.  A começar pelo copo d’água – o primeiro e mais conhecido instrumento de marketing da IURD – as campanhas e correntes desenvolvidas sempre buscam manter o público interna cativo, pois sucessivamente têm de voltar para completarem os rituais das mesmas e assim conseguirem as bênçãos a que se propõem, e cativar um público ainda não alcançado, já que sempre são oferecidos novos “produtos” para a fé que precisa ser estimulada.  Não é de se estranhar que a IURD seja vista como uma “Fast-food espiritual” que procura a “comercialização do sagrado” (na pág. 178 a reprodução da charge publicada na Folha de S. Paulo em 19/09/1995 indica exatamente isto).
Citando Durkheim, Campos lembra que não há “religiões que sejam falsas.  Todas são verdadeiras à sua maneira.  Todas respondem, ainda que de maneiras diferentes, a determinadas condições da vida humana” (página 28).  É nesta perspectiva que a IURD é vista neste trabalho: verdadeira dentro das condições de vida humana que forjaram a sua maneira de ser; apresentando as suas respostas à platéia / fiéis / consumidores que, levados pelo teatro, pelo templo, ou pelo marcado – ou pelos três – são colocados diante da possibilidade de “usufruir de tudo o que ‘Deus tem preparado de bom para os homens’”(pág. 472).

sexta-feira, 4 de março de 2016

Parábola das coisas – O VENTILADOR

Sempre achei o mês de março o mais quente do ano.  Não tenho dados empíricos que confirmem esta suspeita.  Talvez porque em geral em janeiro estou de férias, fevereiro é encurtado pelo carnaval e os trinta e um dias de março me pegam de jeito.  Mas pode ser só impressão mesmo!
Bem, agora que chegamos a março e o calor parece estar me derretendo, qualquer coisa que me traga um pouco de alívio é sempre bem-vindo.  E é aqui que o ventilador encontra seu valor.  Ali, girando na dele.  O ventilador é um bom companheiro para o verão.
Mas, pensemos bem nesta coisa: o ventilador.  Como princípio de funcionamento, é uma coisa bem simples.  Algumas pás (acho que o termo técnico é este) girando, girando, girando, e assim vai espalhando o vento por aí.
Eu sei que hoje em dia já existem ventiladores dos mais variados modelos.  De teto, de mesa, de parede, de chão, multiuso.  Simples, embutidos, acoplados.  Oscilantes, fixos, móveis.  Eletrônicos, manuais, mecânicos.  Coloridos, brilhantes, discretos.  E por aí vai, enquanto a imaginação humana for capaz de esticar o conceito.  Seja como for, dá sempre no mesmo: roda e sopra.
Quanto ao seu trabalho, então, não há muito mistério – é só espalhar o vento fazendo-o circular.
E abrindo um parêntese.  Será que algum cientista-investigador-curioso já fez um experimento ligando um ventilador num ambiente completamente sem vento – num vácuo – para ver o resultado? Eu nunca vi nada a respeito.  Fiquei curioso!
Fechando o parêntese.  Voltemos à tarefa de espalhar o vento.
O ventilador não cria o ar, apenas faz soprar e o coloca em movimento.  E o vento chega ao meu rosto dissipando o calor (gostei dessa expressão: dissipando o calor – até parece coisa importante).
Aqui o ventilador pode se apresentar a mim como uma parábola bem simples e óbvia da própria vida.  E sobre a vida, um aspecto em especial pode muito bem relacionado ao ventilador: a palavra e o uso que eu faço dela.
Ao contrário da coisa que não cria o vento, apenas o espalha, a palavra tem sim o poder de criar mundos e realidades.  Lembre que o poema sagrado da criação nos diz que Deus criou o mundo com a sua palavra (leia Gn 1).  E na mesma direção estão os poetas, profetas, romancistas, visionários e sonhadores que com o poder das palavras fazem surgir também outros mundos.
Só que há uma diferença.  Deus concluiu sua criação suspirando e constatando que tudo era bom (confira Gn 1:31).  Mas o que nós falamos e criamos com nossas palavras e verborragia (eita palavrão!) nem sempre é assim. 
Tem vezes que criamos cada coisa feia com nossas palavras!
O pior é quando entra o ventilador nesta história.  As palavras são como o vento que o ventilador de nossa boca e de nossa pena (que poético!) espalha – ah sim! agora tem as redes sociais que fazem isso.  E as palavras vão a este turbo-ventilador que passeia pelas webs e se espalham, espalham, espalham...
Então, sem ter a pretensão de estar descobrindo nenhuma novidade – o ventilador já foi inventado tem um bocado de tempo – olho para esta coisa e meço minhas palavras, inclusive as que publico aqui, para continuar as espalhando e no fim poder também suspirar e achar que valeram a pena.
Bem, por hora, deixe-me aproveitar um pouco mais do ventilador, que o calor está demais.


terça-feira, 1 de março de 2016

MINHA PRIMEIRA ÓPERA

A primeira vez que eu ouvi uma ópera inteira foi lá pelo anos 1980.  Para dizer o dia certo, já não consigo – faz tempo!  Naquela época eu acabara de me mudar para o Recife e alguns bons amigos eram músicos. A maioria ainda estudante, também de música, e algumas vezes eu era o único não-músico do grupo, mas a convivência era boa e sempre fui bem aceito ali.
O que me lembro é que era um sábado à tarde e fomos para a casa de uma colega assistir em VHS (imagina o tempo!).  Ela tinha locado – sim, na época se fazia isso! – uma fita e seria o programa da tarde e noite do sábado.  E tinha pipoca também.
Eu lembro ainda de particularmente estar empolgado com a ideia, pois seria meu debut e a companhia de gente da área ajudaria.  Mas tinha um outro lado: era como um rito de passagem e eu, pouco mais que um adolescente, precisava daquilo para ser "parte" do grupo.
Fui, vi e, principalmente, ouvi.
Hoje, olhando para trás, reconheço que a gravação não era primorosa, nada de imagem ou som digital – não se tinha isso na época.  Além de que, como logo cheguei a perceber, era uma ópera cantada em italiano em um vídeo legendado em francês.
— Agora, imagine entender alguma coisa!?
A ópera era Nabuco, do italiano Guiseppe Verdi e, até por ter sido a primeira vez, aquela experiência nunca mais saiu da minha cabeça. 
É claro que depois daquele dia já ouvi outras peças clássicas.  No teatro inclusive várias vezes.  O tempo e as circunstâncias me proporcionaram manter aquelas amizades e desenvolver outras com bons músicos: pessoal de orquestra e coro – o que ajudou a continuar ouvindo música boa.
Mas a primeira, sempre será a primeira.
Agora, escrevendo estas linhas, fiz questão de não consultar especialistas, nem buscar na internet informações mais detalhadas sobre a obra, nem ao menos ouvi-la mais uma vez.  O que eu quero aqui é deixar que as lembranças daquela tarde de sábado apareçam no texto.
Bem, estou ciente que a esta altura talvez as lembranças daquela tarde já tenham se misturado com outras que fui recolhendo ao longo do caminho e seja difícil distingui-las agora.  Mas tudo bem!  Vamos lá:
Enquanto os músicos-ouvintes se dividiam entre ouvir e comentar o que se via na telinha da TV, eu apenas me deixei levar por aquele som novo.  Meio na dúvida, confesso hoje (mas naquele dia jamais confessaria).
Então, a verdade é que fui tomado – ou absorvido – pela dramaticidade, teatralidade e intensidade da ópera.  A música é poderosa! como diria o personagem Edward Lewis no filme Pretty Woman (já escrevi sobre este estado de arte: leia aqui).
Lembro de terem falado enquanto ouvíamos sobre libreto, árias, recitativos, mezzo-soprano, contratenor, largo, alegretto e por aí.  Termos que depois me tornariam familiar, mas que à época apontavam a qualquer região nebulosa da minha mente e pouco, ou quase nada, significavam para mim.
E música prosseguiu.
Ainda lembro vagamente que a história se passava entre os hebreus exilados na Assíria e que entre o enredo havia uma situação romântica entre um oficial assírio e uma garota hebréia – ou seria o contrário, sei lá.  Também já não tenho certeza se esta lembrança remonta àquela tarde ou já a acrescentei depois.  Não importa.
Lá pelas tantas, o coro dos exilados hebreus cantou a dor de viver em terras estranhas.  Aquilo entrou pelos meus ouvidos, acionou qualquer interruptor lá dentro e ecoou.  Claro que não me lembro das palavras da música, mas, ainda assim, nunca mais esqueci de ter me sentido tocado pela situação.  E ainda hoje, quando escuto aqueles acordes, mesmo que poucos deles, a alma vibra em consonância.
Dizer sobre aquela experiência que ela ajudou a formar o que sou hoje, como escuto música, como vivencio a arte, e até como faço teologia é a mais pura verdade.  Foi e é – tem de ser – tocante.
Agora que já compartilhei um pouco da lembrança da primeira ópera, vou procurar ouvir novamente a mesma ópera italiana.  Hoje tenho certeza que posso achar para ouvir e ver em melhor qualidade.