Continuação
da resenha do livro: O ESPÍRITO DA VIDA: uma pneumatologia integral; de Jürgen
Moltmann, publicado Brasil pela Editora Vozes.
Embora
o termo semita shekiná não se
encontre no hebraico do Antigo Testamento “a ideia da shekiná provém da linguagem cultual e significa originariamente o
armar a tenda e o morar de Deus junto ao seu povo” e mais, “a shekiná não é uma propriedade de Deus,
mas sim a presença do próprio Deus. Mas
não é a sua onipresença, que faz parte da essência de Deus, mas sim uma
presença especial, querida e prometida, de Deus no mundo” (pág. 56). Em outras palavras: é próprio de Deus o estar
presente em todas as circunstâncias – devido ao seu atributo onipresente; mas
há circunstâncias especiais em que ele se faz perceber de maneira mais real e
concreta, dando clara certeza a seu povo de que sua presença naquele evento não
só é real a atuante como também é fundamental e decisiva para a consecução
histórica do povo.
Esta
presença percebida como shekiná do
Espírito conforta o ser humano ainda que ande pelo vale da sombra da morte (Sl 23:4) pois ela é certeza que Deus
tem descido para taberbacular com o povo
(Êx 3). Pois, como na experiência de
Ezequiel, quando a glória de Javé deixa Jerusalém e acompanha o povo no exílio,
sofrendo com ele e aguardando a redenção junto com o povo, a shekiná – como que – se separa de Deus
para finalmente somente depois junto com o povo retornar ao seu lugar de
direito no templo. Moltmann assegura:
“se o seu retornar e o seu tornar a unir-se como Deus excelso é a redenção de
Deus, então todas as vezes que a oração do shemá
Israel é rezada a unidade de Deus não apenas é professada como eterna
propriedade sua, mas ela é também restaurada:
Pela oração a shekiná de Deus
no orante volta ao Deus excelso” (pág. 57).
Numa
espécie de resumo interpretativo, Moltmann pergunta: “em que é que a teologia
da shekiná contribui para a
compreensão do Espírito de Deus?” Ele
mesmo responde com três tópicos: 1. A doutrina da shekiná torna claro o caráter pessoal do Espírito; 2. A idéia da shekiná chama a atenção, além disso,
para a sensibilidade do espírito para Deus; e 3. A idéia da shekiná aponta para a quenose do Espírito e completa: “Em sua shekiná Deus renuncia à sua invulnerabilidade e se torna capaz de
sofrer, porque ele quer o amor. A teopatia do Espírito não é nenhum
antropomorfismo, mas se torna possível por sua inabitação nas criaturas” (pág.
59).
Para
completar este conceito se faz necessário então compreender o que quer dizer
inabitação para J. Moltmann. Ele diz
explicitamente que “vivemos num mundo plural e policêntrico, e para participar
da realidade precisamos de um conceito de experiência que possua maior número
de dimensões” (pág. 44). Ora isto só é
possível através da experiência de Deus no Espírito. O teólogo alemão diz ainda: “A possibilidade
de reconhecer Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus fundamenta-se
teologicamente na compreensão do Espírito de Deus como força da criação e como fonte da vida” (pág.
45). Aqui está o conceito de inabitação
do espírito: o Espírito de Deus está em
todas as coisas e pode ser percebido assim, mas não deve ser confundido com as
coisas – Ele está no mundo, mas não é o mundo. E numa nota de rodapé citando John Wesley ele
afirma:
Mas a grande lição que Nosso
Senhor nos inculca aqui, e que ele ilustra por seu exemplo, é que Deus está em todas as coisas, e que
nós devemos ver o Criador no espelho de todas as criaturas; que não devemos
usar e olhar coisa nenhuma como separada
de Deus, o que na verdade é uma espécie de ateísmo prático; mas sim, com uma verdadeira grandeza de
pensamento, olhar o céu e a terra e tudo o que eles contêm como contidos por
Deus no côncavo de Sua mão, e que por Sua íntima presença sustenta todas as
coisas no ser, que pervade e atua todo o criado e que, num verdadeiro sentido,
é a alma do universo (pág. 45 – itálicos
no original).
O conceito
de profundo e significativo caráter ecológico cristão vai desembocar
necessariamente num outro conceito escatológico. Aqui, lembrando uma citação de R. Bultmann, Jürgen
Moltmann coloca: “Em todo momento dormita a possibilidade de ser ele o momento
escatológico” (pág. 45 – rodapé).
Sabendo-se a Escatologia como a conclusão da história, então a
inabitação do Espírito de Deus em todas as coisas é a certeza que este pode se
manifestar em sua shekiná a qualquer
instante, transformando a história em escatologia e subvertendo as coisas em
favor do seu povo. Como diz o texto
sagrado: Todas as coisas contribuem para
o bem dos que amam a Deus (Rm 8:28).
Mas a
experiência do crente com o Espírito não é só o numinoso, o brilhante, o
transcendente. É também o imanente, que
pode ser compreendido – mesmo que em metáforas – e que pode ser apreendido em
conceitos que lhe dê contornos de personalidade. Embora o próprio Moltmann confesse que “o
perceber com mais exatidão a personalidade do Espírito Santo é o problema mais
difícil da pneumatologia em particular e da doutrina trinitária em geral” (pág.
250); é também verdade que é possível aproximar-se “da personalidade do
Espírito Santo sem pressupor nenhum conceito de pessoa, e isto de duas
maneiras: por um lado através do estudo das metáforas com que têm sido
descritas as experiências do Espírito, e por outro através de uma renovada
reflexão sobre suas relações de origem e suas relações trinitárias de
perfeição” (pág. 251).
Quatro
grupos de metáforas são propostas para que se compreenda a personalidade do Espírito
e como ele se manifesta para os seres humanos.
(1) as metáforas de pessoas; (2) as metáforas de forma; (3) as metáforas de movimento; e
(4) as metáforas místicas. O próprio
Moltmann justifica e explica o uso das metáforas: “À força da imaginação e da expressão
metafóricas não são impostos limites.
Mas é preciso levar a refletir que hoje as imagens tiradas da natureza,
como ar, luz, água, fogo e outras, são imagens de uma vida prejudicada. Desde Chernobyl também a confiança do homem
na natureza ficou abalada. (...) Também isto não é imaginado de uma maneira
romântica, mas expressa a busca por experiências primárias e por experiências
de vida próprias e autênticas, onde nos deparamos com a presença da eternidade”
(pág. 252).
Nas
metáforas de pessoas, o Espírito Santo é comparado às figuras de Senhor, Mãe e Juiz. O texto de 2Co 3:17 diz que O Senhor é o Espírito e Moltmann lembra
que toda vez que “quando este Espírito é então chamado Senhor, está sendo dado
a ele o nome israelita de Deus, segundo o 1° mandamento” (pág. 120). É o brilho radiante expresso no rosto de
Moisés quando desceu do monte santo após ter visto a face do Senhor e que foi
reconhecido em Jesus como aquele que é visto como a glória do unigênito do Pai (Jo 1:14). Assim, ao reconhecer no Espírito a mesma
metáfora pessoal de Senhor que foi atribuída a partir do nome
vétero-testamentário ao Deus de Israel, compreendemos que este Espírito é
também pessoal e divino.
No
conceito de senhorio de Deus e de Cristo que é também atribuído ao Espírito,
embora esteja contido o conceito de posse e mando, não está necessariamente
excluído o conceito de liberdade, afinal de contas, onde está o Espírito de Senhor aí há liberdade (2Co 3:17). Desdobrando esta idéia, verificamos que
“liberdade sem vida nova é vazia, vida sem liberdade é morta” (pág. 253). Assim, a liberdade contida no Espírito-Senhor
é uma liberdade vivificante.
Continua
Leia a conclusão aqui