Ao Papa Bergoglio,
Saudações cristãs.
Embora reconheça a dignidade eclesiástica do nome Francisco,
permita-me chamar-te pelo teu nome de batismo: Jorge Mario Bergoglio – quero
dar um tom mais pessoal a essa missiva.
Recentemente as redes sociais às quais tenho acesso se viram
abarrotadas de ruído com comentários sobre tua Homilia nas Vésperas com
sacerdotes e religiosas, proferida no último dia 24 de setembro na St Patrick's
Cathedral, em Nova Iorque. A expressão
em questão foi a tua declaração sobre "o fracasso da cruz!" (a
exclamação é por minha conta).
Como é do meu feitio, antes de emitir qualquer opinião ou comentário,
fui buscar te ouvir. Achei a gravação na
internet e a escutei com espírito desarmado e acurada atenção – também do meu
feitio.
Ainda antes porém de tecer algo sobre a homilia em si, entendo ser de
bom alvitre dar umas palavras iniciais, assim como fizeste, somando-se aos
islâmicos numa prece a Deus nosso Pai Todo-poderoso e misericordioso. Não sei se Jesus Cristo diria as mesmas
palavras, mas com certeza diria amém àquela oração.
Quanto aos ruídos e comentários espalhados pelas redes; com ousadia apenas
faço minhas as palavras do crucificado, quando exclamou: "perdoa-lhes,
pois não sabem o que estão fazendo" (Lc 23:34). É que muitas vezes o rigor da verdade
sobrepõe ao carisma da agape cristã.
Achei interessante também destacar que a homilia foi proferida na
língua de Isabel de Castela (mais um motivo para usar o nome de batismo), e te
ouvindo, mesmo na América do Norte, deu até para sentir um pouco o gostoso
acento portenho. Como me sinto em casa
entre os herdeiros protestantes e reformados, percebo que há verdades tão
viscerais que carecem da língua materna para moverem a alma. É por isso também que decidi te escrever na
última flor do Lácio, como diria Olavo Bilac.
Sei que me compreenderás. Além do
mais, creio piamente que toda homilia verdadeira deveria fazer vibrar o
espírito assim.
Vamos à homilia. Começaste citando a epístola de Pedro (1Pe
1:6) e ressaltando: "temos que viver nossa vocação com alegria".
Como disseste: o texto apostólico aponta duas reflexões que nos ajudam a seguir fieis como povo de Deus, mesmo
diante de grande tribulação. Em primeiro
lugar é preciso manter um espírito de gratidão.
Releio Pedro que diz: "alegrem-se". Deus tem nos dado inúmeras bênçãos, mesmo em
meio aos dissabores da caminhada da vida.
Então concordo quando dizes que a verdadeira alegria só brota de um
coração agradecido.
Depois destacaste que é preciso um espírito de laboriosidade. O termo conota tecnicidade, mas teu
comentário bem o aclarou: "um coração agradecido é, espontaneamente,
impelido a servir o Senhor e a abraçar um estilo de vida diligente. No momento em que nos damos conta de tudo
aquilo que Deus nos deu, o caminho da renúncia a si mesmo a fim de trabalhar
para ele e para os outros torna-se um caminho privilegiado de resposta ao seu
amor". Fora disto só resta uma
"espiritualidade mundana".
Neste ponto da prédica chegamos à citação sobre a cruz. Ora, confesso que criticar ex tempore uma citação sem dar-lhe a devida atenção à toda a contextualização é
no mínimo desleal. O que foi dito até
aqui alinha-se estreitamente com a nossa fé, e o parágrafo a seguir certamente se
coaduna com os ditames do Evangelho cristão.
Se entendi corretamente a tese que queres defender, fazes uma oposição
clara entre a vocação do evangelho e os valores do mundo, que buscam o sucesso exterior,
como o que governa o mundo dos negócios.
O problema é que tal padrão não é – nem pode ser – divinamente
referenciado, pois "o verdadeiro valor do nosso apostolado é medido pelo
valor que o mesmo tem aos olhos de Deus".
Aqui ressalta o exemplo da cruz de Cristo. Nos moldes humanos, Jesus findou seu
ministério terreno numa cruz de maldição (tomo como base as palavras paulinas
em Gl 3:13) – uma retumbante demonstração de fracasso: o fracasso da cruz! (a
exclamação continua sendo minha). Mas
deste fracasso Deus faz surgir todo o seu poder e graça. Assim são os valores do Reino. Assim é o evangelho. Este tem que ser o nosso padrão.
Entendo que é desta absurda contradição que Jesus falava quando se
referiu à necessidade do grão morrer na terra para que venha a dar frutos (leio
em Jo 12:24).
Antes de terminar, fizeste ainda uma advertência quanto ao ócio como
valor deste tempo, pois ele ofusca a força da chamada diária de Deus à
conversão e ao encontro com ele.
Seguiram-se então palavras de apoio e reconhecimento ao ministério
eclesiástico feminino – devidamente aplaudido.
E finalmente, a citação ao Magnificat –
verdadeira oração cristã. É verdade que
neste ponto temos algumas discordâncias pontuais e profundas, mas que elas não
nos impeçam ao comum anseio pelo Reino e a certeza de prosseguir no caminho da
fidelidade a Jesus Cristo.
Querido Bergoglio, oro para Jesus Cristo, o Senhor da Igreja, fazer
profícuo teu ministério e que mantenhas a eclesia
sempre chamada e atraída pela cruz.
Fraternalmente em Cristo
SOLI DEO GLORIA
Jabes Nogueira Filho
Pastor e escrevinhador