A modernidade trouxe diversas mudanças nos padrões humanos e
sociais, mas não fez refrear o espírito religioso. Homens e mulheres continuam na busca pelo
encontro com o transcendente que lhe dê sentido à existência.
Uma das características que o tempo da modernidade nos trouxe foi
a valorização das liberdades individuais, inclusive religiosas. Liberdade de poder escolher de modo individual,
responsável e desimpedido a religião que se pretenda abraçar – e seguir seus
preceitos e ditames – sem que ninguém lhe imponha e nem que isso cause
constrangimento de qualquer espécie.
Distendendo essa compreensão, a religião moderna pode ser pessoal
ou social, institucional ou intuitiva, moral ou libertina, animista ou
racionalista, tradicional ou inovadora, materialista ou espiritualista
(inclusive podendo mesclar e somar fatores diferentes num mesmo conjunto de
culto e reverência).
Já não há mais a busca pela verdade única, universal e
inquestionável – verdade essencial – uma vez que nesse contexto toda
possibilidade pessoal de verdade deve ser aceita e não sofrer
discriminação. Todas a verdades e
crenças passam a ser válidas, não cabendo a nenhuma autoridade estatal ou
eclesiástica, normatizar sobre o que se pode crer ou a quem se cultuar.
Mais: nesse contexto de pluralismo religioso e de fé fluida em que
qualquer doutrina pode ser aceitável e ajustável, a troca de doutrina passa ser
visto como algo natural e socialmente aceito – e pode-se mudar de fé quantas
vezes julgar adequado.
Assim, agora migra-se de religião e de comunidade de fé como quem
troca o recheio do sanduíche na lanchonete da esquina. Adere-se a nova
formulação espiritual como quem opina sobre o último modismo ou
tendência. Negocia-se com a doutrina como quem escolhe um produto no
supermercado. Fala-se de sacerdotes como quem fofoca sobre um pop
star.
Quando olhamos para nossa fé cristã hoje, a situação não parece
ser muito diferente. É verdade que nunca
existiu um cristianismo unificado – nem nos tempos da igreja primitiva. A igreja sempre soube preservar as suas
verdades e doutrinas essenciais e deixar as questões secundárias abertas à
pluralidade. Lembre-se da reprimenda do
apóstolo aos coríntios sobre as divisões na igreja e que eles deveriam
reconhecer que, mesmo com as diferenças, seria imperioso todos seguirem a
Cristo (em 1Co 3:1-9).
É importante também aqui lembrar que entre os grandes princípios
batistas que nos norteiam desde o nosso início está a defesa da liberdade de
opinião e de culto. Nas palavras do Pr.
Isaltino Coelho: “toda e qualquer intolerância, seja racial, social, religiosa,
ideológica ou política deve ser rejeitada por nós”.
Então seria natural que diversas igrejas cristãs fossem
estabelecidas com ênfases distintas. Há
denominações mais conservadoras, autoritárias e hierárquicas como também grupo
mais liberais e comunitários. Grupos
cristãos dão mais atenção ao estudo bíblico, outros buscam experiências
místicas, ainda outros priorizam as expressões de louvor e culto, e outros
focam seu ministério nas inserções e cuidados sociais. Todos, porém, devem reconhecer os valores e princípios
básicos que nos fazem seguidores de Cristo.
Mas o tempo em que vivemos tem levado essa liberdade a um ponto de
ruptura dentro do cristianismo. Hoje
qualquer líder ou influencer prega seus conceitos e interpretações e se
apresentam como os paladinos da verdade e defensores da liberdade de expressão
e culto, fundando suas comunidades (locais ou virtuais) e se oferecendo como
mais uma opção de fé dentre as demais modalidades de vida e fé cristã. E o que seria uma virtude cristã – a
capacidade de dialogar com o diferente buscando os valores essenciais – passa a
se conformar como uma quebra da unidade.
Nesse contexto, que nossa oração e desejo possam ser expressos na
prece de Desmond Tutu:
Oxalá vejam o impacto que o Cristianismo exerce sobre o caráter e
sobre a vida de seus adeptos, de modo que os não cristãos queiram, por sua vez,
se tornar cristãos, assim como os pagãos dos tempos primevos foram atraídos
para a igreja não tanto pelas pregações quanto pelo que enxergavam na vida dos
cristãos, o que os fazia exclamar, espantados: "Como esses cristãos amam
uns aos outros!"
(Da Revista DIDASKALIA – 1º quadrimestre / 2023 – IBODANTAS)
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