Na
Declaração Doutrinária, “Liberdade de opinião” tornou-se um tópico dentro de “O
indivíduo”. Entendo o que foi feito, mas
quero abordar o aspecto de liberdade de opinião ou liberdade de expressão. É um legado nosso aos demais grupos
evangélicos. Nós o estabelecemos com
nosso testemunho e nosso ensino. A
monarquia católica ou a teocracia protestante nunca predominariam em meio à
consciência batista. A tentativa de se
formar uma Genebra calvinista nunca vingaria entre nós. Ainda bem, porque a Genebra de Calvino foi
sanguinária. Mas a liberdade de opinião
não se restringe ao falar, mas ao decidir sua vida. Cito trecho do livro “Quatro frágeis liberdades”,
de Walter Shurden: “A liberdade individual é a afirmação histórica do direito e
da responsabilidade inalienáveis de cada pessoa em se relacionar com Deus, sem
imposição de credos, interferência do clero ou intervenção do governo civil” (p. 20).
Um
jovem pastor de 24 anos, Roger Williams encarnou isso em sua vida. Ele começou seu pastorado em Boston, em 1631. Logo desagradou as autoridades locais. Ele recusava o direito dos magistrados em
decretarem penalidades jurídicas por infrações religiosas. Williams achava que igreja e Estado deviam
ser absolutamente distintos, o que, aliás, os separatistas ingleses defendiam. Ele não criou o princípio, mas levou-o às
últimas conseqüências. Roger Williams
defendia bem mais que separação entre igreja e Estado. Defendia a absoluta liberdade religiosa. O Estado não tem direito de impor sua fé a
ninguém. As pessoas têm o direito de
escolher a sua fé e até mesmo não professar fé alguma. Cada pessoa é responsável por sua vida e por
suas decisões. O homem não pode ser
tutelado nem pela igreja pelo Estado. Por
isso também que nunca podemos apoiar ditadura alguma. E toda e qualquer intolerância, seja racial,
social, religiosa, ideológica ou política deve ser rejeitada por nós.
Expulso
de Boston, num inverno rigoroso, e tendo sido salvo pelos índios, Roger
Williams fundou uma pequena colônia, na Baía de Narragansett, com algumas de
suas ex-ovelhas da Igreja Episcopal, que o acompanharam. No documento de fundação da colônia se
definiram como postulados a tolerância religiosa e a liberdade de opinião. Isto é motivo de satisfação para nós, ao
mesmo que se torna um lembrete sobre como devemos proceder. A primeira comunidade que estabeleceu como
princípio a liberdade religiosa absoluta foi fundada por um homem que veio a se
tornar batista e que, em 1639, fundou a primeira igreja batista em solo
americano. A liberdade de expressão é um
fundamento muito caro aos batistas. A
riqueza da Igreja de Cristo está na sua diversidade. Isto se verifica até mesmo na chamada dos
doze, feita por Jesus. Eles eram pessoas
diferentes. Pescadores, cobradores de
impostos, um guerrilheiro (aceitando a tese de Oscar Cullman de que Judas
Iscariotes quer dizer “Judas, o homem do punhal”). Um colaboracionista com Roma, o poder dominante,
e um revolucionário, contra o poder dominante, portanto. Ambos chamados por Jesus.
Esta
liberdade de opinião permite que a CBB abrigue diferentes correntes
escatológicas. Ela guardou o princípio
batista. Outros grupos batistas exigem
uma postura específica. Não é o nosso
caso. Abrigamos diversas tendências
porque este ponto não é fundamental, mas secundário.
Liberdade
de expressão é uma conseqüência inevitável de não termos um papa ou alguém
“infalível”, que todos temos o Espírito Santo, que somos todos falíveis, também. É a aplicação do sacerdócio universal de
todos os salvos. Todos temos acesso a
Deus, todos temos o Espírito Santo, nenhum de nós é mais conectado a Deus que
os demais, para ter o monopólio de Deus.
O autoritarismo teológico é uma agressão em si, e também uma agressão à
nossa história.
É obvio
que temos divergências. Aliás, o
capítulo X do livro de Faircloth e Torbert, Esboço da História dos Baptistas,
se intitula “Livres Para Divergir”. E
mostra algumas das divergências históricas entre os vários grupos batistas. Mas como alguém já disse, um bom princípio a
se observar aqui é: “Nas pequenas coisas, diversidade; nas questões capitais,
unidade; em todas as coisas, caridade”. Divergências
no cristianismo aparecem cedo, como vemos em Atos 15, e nas cartas de Paulo,
todas elas escritas para resolver problemas na vida das igrejas (talvez as
exceções sejam Efésios e Filipenses). Mas
é atitude cristã saber viver com divergências.
E também uma marca do espírito batista.
Extraído de uma palestra preparada pelo
Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho (1948-2013)
para um congresso doutrinário em Altamira, Pará, novembro de 2009.
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