Muitas vezes o valor de um ensinamento se perde porque aquele que o
transmite não tem a delicadeza e a humildade de adaptar suas palavras ao modo
de entender daquele que ouve. A respeito disto, o grande teólogo, filósofo e
médico Albert Schweitzer, que viveu missionariamente na África, nos deixou bela
lição. Confira.
“Prego todos os domingos pela
manhã na minha missão de Lambaréné, na África.
A maioria da minha congregação nada sabe sobre o cristianismo. São trabalhadores em trânsito, vindos de
pontos distantes do interior. Dentro em
pouco, voltarão para a sua terra onde comprarão uma esposa e se casarão.
Pouco a pouco os meus doentes e os
seus acompanhantes aparecem, sentando-se entre os alojamentos e a encosta da
montanha, à sombra dos telhados. Toco
num pequeno órgão portátil. A
congregação não pode cantar em conjunto, pois é formada de indígenas que falam
seis dialetos diferentes. Não exijo que
fiquem sentados e em silêncio. Acendem o
fogo para preparar comida, dão banho nos filhos e os penteiam, consertam as
suas redes de pesca. Dois intérpretes
traduzem o que digo.
Os meus sermões têm de ser muito
simples. Os que me escutam nunca ouviram
falar de Adão e Eva, dos Patriarcas, dos Profetas. Mas quando falo da diferença entre o coração
inquieto e o coração em paz, até os mais selvagens entre eles sabem o que estou
querendo dizer. E quando apresento Jesus
como aquele que traz a paz com Deus, eles compreendem. Se da minha prédica eles podem levar consigo
alguma coisa do Evangelho do Cristo, plantei uma semente.
Tenho de falar de maneira concreta
para ser compreendido. Por exemplo, a
pergunta de São Pedro a Jesus sobre se basta perdoar sete vezes não pode ser
deixada assim, como uma generalidade. Tenho
de esclarecer o conceito com exemplos tirados da vida deles. Disse-lhes recentemente o seguinte:
Aparece alguém que se sabe que não
presta. Essa pessoa insulta você, mas
Jesus diz que se deve perdoar, e você fica calado.
Mais tarde, a cabra do vizinho
come as bananas do seu almoço. Em vez de
puxar discussão, você diz apenas que a culpa é da cabra dele e que, portanto, é
justo que ele lhe dê outras bananas. Se
ele não concordar, você sai em silêncio, pensando que Deus faz as bananas
crescerem com tal abundância no seu sítio, que você não tem necessidade alguma
de brigar por tão poucas.
Depois disso, um homem que levou
as suas quatro cargas de bananas para vender na feira junto com as dele, só lhe
dá o dinheiro correspondente a três cargas, dizendo que foi só isso o que você
lhe entregou. Você tem vontade de
dizer-lhe na cara que ele é um mentiroso.
Mas pensa que há muitas mentiras de que só você sabe e que Deus tem de
perdoar, e volta para a sua cabana sem nada dizer.
Quando você vai acender o fogo,
percebe que alguém levou parte da lenha que você foi buscar ontem no mato. Mais uma vez você força o coração a perdoar e
deixa de procurar o ladrão para entregá-lo ao chefe.
À tarde, você vai sair para
trabalhar na roça, quando descobre que alguém apanhou a sua boa faca de mato,
deixando em lugar dela uma velha faca cheia de dentes que você reconhece. Você pensa então que já perdoou quatro vezes
e pode perdoar a quinta. Embora fosse um
dia em que muitas coisas desagradáveis aconteceram, você se sente feliz, como
se o dia tivesse sido dos mais calmos. Por
quê? Porque o seu coração está alegre, tendo obedecido à vontade de Jesus.
À noite, você quer ir pescar. Não encontra o seu facho. Fica furioso e chega à conclusão de que já
perdoou demais nesse dia. Mas de novo
Jesus, o Senhor, domina o seu coração. Você
pede um facho emprestado e desce para o rio.
Chegando lá, não encontra a sua
canoa. Alguém foi pescar com ela. Você então se esconde, furioso, atrás de uma
árvore, com a idéia de tomar todo o peixe do intruso quando ele voltar e depois
entregá-lo ao comandante do distrito. Mas,
enquanto espera, o seu coração começa a falar.
Repete muitas vezes o que Jesus disse: Deus não pode perdoar os nossos
pecados, se não perdoarmos aos nossos semelhantes. Quando o homem volta afinal, você sai detrás
da árvore diz-lhe que Jesus força você a deixá-lo ir em paz. Não exige nem o peixe, mas acredito que ele o
dê, espantado com o fato de você não querer brigar.
Você então vai para casa, feliz e
orgulhoso de ter conseguido perdoar sete vezes.
Mas se nesse mesmo dia Jesus chegasse à sua aldeia e você passasse
diante dele, pensando que ele iria elogiá-lo, Jesus lhe diria apenas, como
disse a São Pedro, que não basta perdoar sete vezes, que é preciso perdoar mais
sete vezes e mais sete e muitas mais, até que Deus possa perdoar os seus muitos
pecados.
Vejo pelos rostos dos que me ouvem
como estão comovidos. Muitas vezes
pergunto-lhes se o coração deles está de acordo com o que foi dito. Respondem sim, quase sempre.
Ao fim do sermão, faço-os juntarem
as mãos e muito lentamente faço uma breve oração. Muito tempo depois do “Amém”, as cabeças
ainda estão curvadas sobre as mãos. Quando
a suave música recomeça, as cabeças se erguem.
Ficam imóveis até que os últimos acordes se dissipam. Quando me retiro, meu povo se levanta. Retira-se com a Palavra de Deus viva.
(Condensado de
“The Record")
Olá, tudo bem?
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