Chegou via zap –
Resposta de pronto:
Agora, pensando com mais cuidado teológico, entendo que o
tema merece uma reflexão mais acurada.
Vamos lá:
Esse
é realmente um tema central que toca a nossa fé cristã. É ponto inegociável que cremos em um único
Deus – nossa fé é monoteísta.
O Credo dos Apóstolos,
aprovado pela igreja no século IV começa afirmando, sem dúvida alguma: “Cremos
em um só Deus, Pai Todo-Poderoso ... Em um só Senhor: Jesus Cristo, Filho
unigênito de Deus” (em grego: Πιστεύω
είς ενα Θεόν, Πατέρα, παντοκράτορα ... Καί είς ενα Κύριον, Ίησούν Χριστόν).
Também na Confissão de Fé Batista de Londres de 1689
declaramos: “O Senhor nosso Deus é somente um, o Deus vivo e verdadeiro,
cuja subsistência está em si mesmo e provém de si mesmo” (em inglês: The
Lord our God is but one only living and true God; whose subsistence is in and
of Himself).
Outro ponto importante a se considerar é a análise
exegética do texto bíblico.
As palavras de Deuteronômio são a principal
declaração de fé judaico-cristã.
Em hebraico, o texto de Dt 6:4 diz:
שמע ישראל יהוה אלהינו יהוה אחד׃
Os gregos da LXX traduziram:
Ἄκουε,
Ἰσραήλ· Κύριος ὁ θεὸς ἡμῶν Κύριος εἷς ἐστιν·
Lutero traduziu em alemão:
Höre,
Israel, der HERR, unser Gott, ist ein einiger HERR.
Em português lemos:
JFA – Ouve, Israel, o Senhor
nosso Deus é o único Senhor.
NVI – Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor.
Ou seja, esse texto é a afirmação básica da
declaração de fé num Deus que é em si essencialmente único e incomparável. Ora, sendo o assunto a crença num único Deus,
a palavra a ser destacada nesse verso é um (em hebraico: אחד – echad). Consideremos:
Essa palavra é o numeral cardinal um – 1
– e é encontrado no texto hebraico mais de 950 vezes. O conceito pode ser similar ao do uso em
língua portuguesa: indicando o inicial de uma sequência (como na citação de Gn
1:5 – o dia um), ou de unidade, quase funcionando como um artigo
indefinido (como em Ex 16:33 – toma um vaso).
Mas a língua hebraica sempre tem os seus segredos,
e é investigando que eles se revelam em sua riqueza. Observe:
א – O conceito de exclusividade – ou unicidade – geralmente é expresso
pela palavra יחיד – yachid que o hebraico bíblico
cita 12 vezes: como por exemplo em Jz 11:34 – a filha única – ou no Sl
25:16 – solitário. Também essa é a
opção de tradução para o hebraico do conhecido Jo 3:16 – filho unigênito.
ב – Ainda quanto ao numeral אחד, em diversas citações e contextos, traz a
ideia de conjunto de múltiplos (como em Nm 13:23 – um cacho de uvas); ou
é usado como recurso de metonímia (como em Gn 11:1 – uma só palavra); ou
ainda para se referir a algo que não se pode, ou deve, quantificar (como em Gn
1:9 – ajuntaram-se em um lugar).
Agora, voltando a questão inicial: Deus é uma
UNIDADE composta?
Gosto da definição que K. Barth apresenta para
Deus: Ele é o totaliter aliter (o Totalmente Outro), ou seja, o Deus a
quem prestamos culto é único e inigualável.
Ele está além de nossas definições teóricas, não pode ser capturado pelo
labor teológico e nem sentido pelo fervor e piedade espiritual. Então a única forma de conhecê-lo é buscando
em sua Revelação.
Dessa forma, as palavras reveladas da confissão de
Dt 6:4 são um excelente indicativo (talvez o melhor!) que nos aponte sobre quem
é esse Deus.
SIM! Deus
pode ser descrito como uma UNIDADE composta.
Deus é o alguém que, sendo único em sua essência e
natureza (os antigos cristãos gregos falavam em οὐσία),
ele se manifesta de forma composta e complexa como somente ele pode ser. Ainda os pais gregos se referiam a uma περιχωρησις para a interrelação que misteriosamente
flui na Trindade (gosto da tradução literal do termo: Θεός περιχωρησις – Deus
que dança ao redor).
SIM! Deus é único e ponto! Porém em sua unidade inseparável, incompreensível
e imutável (Is 45:5 / 1Cr 17:20) ele essencialmente se dá a conhecer em sua
Revelação como um Deus de multiforme graça (1Pe 4:10), multiforme sabedoria (Ef
3:10) e cheio de graça e verdade (Jo 1:14).
A esse Deus que é unicamente digno pois está assentado no trono, e ao Cordeiro que
foi morto, sejam o louvor, a honra, a glória e o poder, para todo sempre! (Ap 5:12-13).