terça-feira, 15 de agosto de 2017

PAUL TILLICH E A MUDANÇA DOS TEMPOS

Desde que o ser humano chegou ao autoconhecimento de sua existência, aquilo que sabe e aquilo que crê tem sido dois lado de uma mesma moeda, mas que nem sempre se coadunaram.  O ideal e o desejado é que se saiba no que se crê e se creia no que se sabe.  Mas nem sempre isto acontece.  Foram os clássicos helênicos os que, detectando a dicotomia entre estes dois aspectos humanos, organizaram-nos e sistematizam-nos em campos distintos.  Na Hélade a fé continuou voltada para o Olimpo e para os templos, atendendo às almas humanas; e ao conhecimento coube assento nas academias e ocupação na administração das coisas públicas.
Esta concepção perdurou no Ocidente até a chegada à Idade Média quando a crença passou a ocupar um espaço privilegiado, relegando ao conhecimento apenas um espaço irrelevante no espectro da produção humana.  A equação entre crença e conhecimento – fé e ciência – tornou-se resolvida calando a ciência e dando à fé um papel capaz de apresentar todas respostas para as questões humanas.  Esta solução durou todo o medievo e fez com que tudo se subordinasse ao crivo da fé, e de suas instituições, que tiveram poder de ditar normas, valores de certo e errado, do que deveria ser crido e do que deviria ser sabido e conhecido.
Durante o período medieval, o cristianismo ocidental levou a efeito uma sociedade cristã – dita cristandade – que se propôs hegemônica, não somente por seu aspecto geográfico, mas também por se apresentar como portadora de soluções universais para as questões humanas.  Esta cristandade tomou como base teórica o escolasticismo medieval que, nas palavras de Paul Tillich em sua História do Pensamento Cristão, tinha como verdadeira intenção a "interpretação teológica de todos os aspectos da vida".  Mas a compreensão da cristandade medieval não tinha como base exclusivamente a sua teoria escolástica.  Talvez o ponto central esteja no binômio hierarquia-sacramentos, ao qual toda a sociedade estava subordinada.  Ainda nas palavras de Tillich:
Os sacramentos representavam a objetividade da graça de Cristo, presente no poder objetivo da hierarquia. [...] Os sacramentos eram a continuação da realidade sacramental básica da manifestação de Deus em Cristo.  Em cada sacramento, presentefica-se uma substância de caráter transcendente.
Esta construção teórica, ou cosmovisão própria do período medieval, contudo também não perdurou ininterruptamente.  Dentro do próprio medievalismo já se estava gestando um novo tempo; é que a história humana gira em torno dos conceitos de "autonomia" e "heteronomia" – na linguagem kantiana usada por Tillich – e quando qualquer destes conceitos tende a se sobressair, o conceito antagônico volta a mostrar sua força, tendendo a um equilíbrio que nem sempre se apresenta duradouro, realimentando o processo.
Convém lembrar que este conceito da história humana segue um modelo grego de concepção cíclica de história – ao contrário do conceito judaico mais teleológico.  No campo das ciências o conceito segue a "teoria do pêndulo" formulada pelo astrônomo e matemático holandês Christiaan Huygens que, segundo a tradição, teria se inspirado nas observações de Galileu Galilei o qual observando o balanço da lâmpada de bronze da Torre de Pisa teria formulado o conceito geral do "pêndulo eterno".  Artur Schopenhauer foi o primeiro a aplicar este conceito à descrição dos fatos históricos.
Sobre isso, Tillich diz:
Sob as condições da existência os elementos estruturais da razão se movem uns contra os outros.  Embora nunca separados, eles incorrem em conflitos autodestrutivos que não podem ser resolvidos à base da razão atual.  Uma descrição destes conflitos deve subsistir os ataques populares religiosos ou teológicos contra a fraqueza ou cegueira da razão.
Dentro desta concepção, o próprio Tillich observa que um novo período já estava sendo gerado a partir da própria cosmovisão medieval.  Tendo reinado a heteronomia durante a Idade Média, uma tendência à autonomia seria necessário surgir, o que realmente veio a acontecer:
Ao final do período medieval a heteronomia se tornou todo-poderosa (Inquisição), isto em parte foi reação contra tendências autônomas na cultura e religião (nominalismo).  Mas destruiu a teonomia medieval.  No período do Renascimento e Reforma o conflito cobrou nova intensidade.  O Renascimento, que mostrava caráter teônomo em seus inícios platônicos (Cusa, Ficino), se tornou amplamente autônomo em seu desenvolvimento posterior (Erasmo, Galileu).


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