terça-feira, 30 de agosto de 2011

AGOSTO


Penso que já comentei alguma vez sobre o ano que parece só durar até agosto.  Depois daí vêm as seguidas festividades de fim de ano, com suas intermináveis correrias, e quando nos damos em conta o ano já acabou!  Com isto em mente, quero propor uma reflexão sobre o que ainda é possível fazer nesta metade de ano que nos resta (pelo menos é o que diz o calendário).
No episódio da ressurreição, o anjo diz às mulheres sobre Jesus na porta do sepulcro vazio: "vão depressa e digam aos discípulos dele: Ele ressuscitou dentre os mortos..." (confira em Mt 28:7).  Lendo assim, eu entendo que no projeto de Deus havia pressa em anunciar a todos que a vitória de Cristo sobre a morte é uma realidade.  Começando pelos seguidores mais próximos, todos deveriam saber que Ele ressuscitou.
E eu hoje, que tenho com isso?  Indo direto ao ponto: se tenho experiência e consciência desta ressurreição como uma realidade história e existencial, então devo também ter o mesmo senso de urgência e pressa em seu anúncio.  Acrescente-se a isso a sensação que este tempo me provoca de os dias estarem passando mais depressa, então devo encarar com imprescindível agilidade o anúncio da vida que vence a morte em Jesus Cristo.  Ou seja, como cristão, esta tem que ser a minha prioridade.
Por outro lado, é importante ressaltar que a pressa no anúncio não é uma corrida tresloucada.  Como nordestino eu diria: não pode ser um aperreio desembestado.  Se Jesus tinha pressa em fazer conhecida sua ressurreição, ele também tinha estratégias.  A comissão de ir contar o testemunho foi precedida pela instrução de esperar o momento apropriado para então partir com poder e determinação (como eu leio em At 1:4).
Novamente pergunto: e eu hoje, que tenho com isso?  Novamente indo direto ao ponto: como cristão devo compreender que Deus tem sua própria agenda e a cumpre fielmente.  E também que é em torno da agenda divina que o mundo e a vida giram, não da minha agenda pessoal ou eclesiástica, nem são minhas prioridades que determinam a ordem dos acontecimentos das coisas.
É aqui que volto ao mês de agosto.  Quando a minha vida se torna um turbilhão de itens na agenda e a pressa parece que vai me engolir; quando a vida me sufoca com uma sucessão de eventos, e todos urgentes e indispensáveis – e este mês precipita tal sensação – é preciso aprender a difícil arte da pressa paciente, a urgência confiante nos desígnios divinos, para que eu possa anunciar com ousadia e certeza que Cristo ressuscitou e que isso é realmente importante e prioritário em minha vida.
Verdadeiramente Deus tem pressa, mas também tem agenda.  Que eu possa fazer a partir de agosto não uma corrida para o próximo ano, mas um tempo de buscar o plano do ressuscitado para a minha vida e agenda, minha igreja e seu programa, e continuar me colocando ao dispor da urgência que esta missão me desafia.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

REPOUSO


Página do Dies Irae do Requiem de Mozart

Enquanto escrevo esta reflexão ouço o English Baroque Choir cantando o Requiem composto por Mozart pouco antes de morrer em 1791.  Certamente não estou entre os maiores fãs do compositor austríaco, mas tenho que confessar: a música é divinamente bela!  Há algo de inefável em seus acordes e melodias e, mesmo ouvindo a letra em língua latina, minha mente e minha alma se sentem tomadas pelo poder da música.
Também não sou especialista no tema.  Só sei um pouco sobre ele (com a ajuda da Wikipédia muitas das informações estão agora acessíveis a todos), mas o pouco que sei não somente me intriga como também me fazem palpitar as questões.
O homem Wolfgang Amadeus Mozart nunca foi um exemplo de cristão fiel.  Com história familiar complicada, tanto a que o gerou como a que formou com seu casamento, ele morreu jovem com menos de quarenta anos e, ao contrário da vida repreensível e desregrada que levou, deixou uma coleção de obras musicais de valor inigualável, inclusive diversas peças sacras.
Então, ao som dos acordes, relembro do questionamento de Salieri: Por que Deus estaria falando através do petulante Mozart? (a frase é do filme Amadeus de 1984, e Salieri seria seu compositor rival).  E, como sempre, busco na Bíblia respostas para todas as questões.
Por que Deus manifesta seu poder e graça a infieis?  A resposta bíblica mais direta e abrangente fala de sua soberania.  Jesus no Sermão do Monte já acentuava que Deus manda chuva e sol sobre maus e bons indistintamente (leia em Mt 5:45 e compare com Is 43:13).  Deus age como quer e onde quer e nada o impede ou condiciona, nem nosso estilo de vida ou atitudes.
Mas esta resposta, embora bíblica e teologicamente correta não me satisfaz por completo.  Por que há beleza entre espinhos?  Por que o Senhor nos toca através daqueles que se nos apresentam como ímpios?  A Bíblia me fala da Imago Dei.  No poema da criação está declarado que Deus criou toda a humanidade soprando nela a sua imagem (confira em Gn 1:26-27).  Há imagem divina em todo e qualquer ser humano indistintamente, mesmo que eu não a possa enxergar claramente.
Assim, confiando na soberania de Deus e buscando enxergar sua imagem, volto a dar atenção e ouvir o Requiem de Mozart, só que agora com um pouco mais de cuidado com a letra.  A peça é uma oração proferida por um moribundo e está repleta de confissão, súplica e adoração e começa com a expressão: Requiem aeternam dona eis, Domine (em português: Repouso eterno dá-lhes, Senhor).
Para a hora de sua morte, Mozart pediu repouso para sua alma aflita e cansada.  E penso que é isso que me toca.  Em última análise, o que mais quero é, depois do atropelo e correria cotidiana, do cansaço e da vida insana, que a graça me envolva em seu repouso – dá-me, Senhor, repouso eterno.  É por isso que uma música tão antiga, em uma língua distinta da materna, composta por alguém de parca vivência espiritual me enche a alma.  Ela me faz orar com o salmista: volta, minha alma, ao teu repouso, pois o Senhor te fez bem (no Sl 116:7).

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Não estou entre os "sem-igreja"


Fachada da Igreja Batista do Corrente,
cujo legado vai muito além das fronteiras do Piaui.

Neste último fim-de-semana li em um jornal paulistano uma matéria intitulada: "Cresce o número de evangélicos sem ligação com igreja".  No texto, o articulista se propõe a analisar o resultado da POV (Pesquisa de Orçamentos Familiares) do IBGE que apresenta como resultado um salto de mais de quatro milhões de pessoas que, embora ainda se reconheçam dentro do espectro evangélico, declaram não ter vínculo com igreja alguma.
Sei que o tema não é novo para quem estuda o fenômeno religioso brasileiro, principalmente no âmbito da chamada pós-modernidade.  Há muito já havíamos detectado tal movimento.
Depois de ler o texto jornalístico, aproveitei para surfar um pouco na Internet procurando algo sobre o tema e não foi difícil perceber que ele está bem comentado – assuntos assim sempre dão o que falar!  Bem, como não é do meu feitio assumir posições acaloradas sobre assuntos da moda, então vou aproveitar este espaço para apenas declarar – já que não fui pesquisado pelo IBGE – que não estou entre os "sem-igreja".
Quero declarar com certa convicção e até um velado orgulho santo (se é que isto existe!) que não faço parte deste grupo que professa uma fé genérica sem vínculo institucional com igrejas.  Mesmo coabitando com relativa familiaridade com manifestações cristãs distintas da minha e assumindo que a impingem da pós-modernidade muitas vezes me coça as ideias, o que me leva a transitar sem traumas ou culpas por outros horizontes, mas assumo que sou um homem de igreja.  E isso é mais que uma relação profissional, é existencial.
Vou também aproveitar aqui para elencar algumas razões pelas quais me é tão caro estar vinculado a uma igreja historicamente constituída.  De saída, vou deixar de lado as questões doutrinárias peculiares da minha fé batista, mesmo compreendendo-a e aceitando-a, mas penso que devo propor uma análise das minhas posições a partir de outros pressupostos.  Estes não são os únicos, contudo se apresentam com um bom ponto de partida para uma conversa mais significativa.
Em primeiro lugar não estou entre os "sem-igreja" porque me é importante o sentimento de pertença que uma igreja historicamente institucionalizada por me proporcionar.  No transcorrer da vida não quero me sentir apenas efêmero, quero fazer parte de algo maior e mais substancial que a transitoriedade de minha curta existência.  Isto me dá senso histórico e ajuda a fornecer sentido a minha vida.
Também não sou "sem-igreja" porque percebo que a igreja institucionalizada pode contribuir para minha estabilidade social e pessoal.  Estar em uma igreja organizada e estável ajuda a me perceber também vivendo de maneira organizada e estável (o que está longe de significar ser apenas previsível!).  É mais ou menos como a fé exclusivamente monoteísta que contribui na estruturação íntima da personalidade – mais isto já é outra conversa...
Voltando às minhas razões, não faço parte do grupo dos "sem-igreja" porque claramente me parece a posição mais madura de se desdobrar a vida.  Sei que não é um assunto fechado, mas tudo na vida humana em conjunto tende a se institucionalizar.  Olhando assim, também preciso dizer que não me sinto velho e nem engessado por uma instituição monolítica (talvez isso fosse como suicídio cristão).  Reconheço que são importantes os experimentos da juventude.  Eles sempre trazem um sopro de vida a qualquer instituição, mas é na história da instituição que florescem muito das riquezas do que gerações nos contribuíram.
É certo que Jesus não institucionalizou a fé (esta verdade é inexorável e indispensável).  Mas é na comunidade historicamente estabilizada com algumas amarras institucionalizadas (com seus riscos, acertos e erros) que alguns dos melhores desdobramentos do movimento histórico de Cristo podem ser mais e melhor aproveitados.  E desta herança eu não abro mão.
E finalmente, não estou entre os "sem-igreja" pois reconheço com humildade que preciso de outros para que minha fé e vida em Cristo seja completa e significativa.  Sozinho não vou muito longe e vivo sempre carente de algo mais, mas com meus irmãos nos fazemos corpo de Cristo.  E como isso é bom!

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

TUDO ME É PERMITIDO


Esta semana estive pensando nas palavras de Paulo aos cristãos de Corinto: Tudo me é permitido (ditas duas vezes em 1Co 6:12 e 10:23).  Na verdade não sei se as ideias apostólicas seguiram na mesma linha que as minhas, quando escreveu aquelas palavras; mas não tenho dúvida sobre a Palavra de Deus contida no texto bíblico que é rica o suficiente para me permitir navegar em sua profundidade explorando novos (ou não) significados e extensões.
Então me deixe dá vazão um pouco àquilo que foi trazido a minha mente diante das palavras bíblicas.  Antes, contudo, quero reconhecer que Paulo sinceramente não propôs aos seguidores do evangelho uma vida de anarquia ou anomia ou, com diriam os franceses, um completo laissez-faire.  Entendo que as implicações são outras, o que está em jogo é o conceito de liberdade cristã e suas reais amarrações.
Por que tudo me é permitido não vivo comprimido ou vigiado por um Deus grande de atitude sempre policialesca como um big brother.  Eu sei que o olho de Deus tudo vê (Davi atestou isso no Sl 139), mas tal verdade não quer dizer que sou tolhido pela divindade.  Diante de toda onisciência ainda me é permitido dá as costas a Deus.
Também não me deparo com uma existência absolutamente pré-determinada e não há regras arbitrárias pré-fixadas.  Há sim liberdades.  E também sei que a colheita é inevitável (o mesmo Paulo asseverou isso em Gl 6:7), mas, por dispor de permissão, a vida não é exclusivo produto ou resultado do presente como uma sucessão inexorável de eventos.  Diante da passagem do tempo humano me é cabível reinventá-la e propor novos desdobramentos.
Ainda nesta linha, não estou sob uma ditadura da sociedade, da cultura ou, num vocabulário inglês, do establishment – embora reconheça sua força de coerção.  Sim, ainda sei que Jesus me quer no meio deste mundo (posso compreender isso a partir de Jo 17:15), mas com certeza me é possível desafiar e contrapor os conceitos e preconceitos deste tempo, por mais arraigados que eles estejam.
É verdade que em todos os casos citados, devo assumir as consequências e correr todos os riscos daí advindos, porém nada anulará a verdade que tudo me é permitido.  Mas, vamos adiante mais um pouco nesta permissão e liberdade, e com isso quero me referir a dois desdobramentos destes conceitos:
Um.  Eu faço minhas escolhas.  Sendo obviamente livre e seguramente responsável pelas escolhas da minha vida, eu as tomo como bem entender, mas não sou sequer dominado por elas.  Dois.  Eu teço minha história.  Minhas decisões podem ser coerentes ou não, tomada de modo passivo ou ativo, mas também não estou arrastado pela linha inquebrável do tempo.
Tudo me é permitido.  Ainda sou livre e toda possibilidade está aberta para mim (tenho que citar Jo 8:36).  E hoje creio que o apóstolo Paulo também se compreendia assim – ele era livre – e, embora não se sentisse obrigado a nada, entendeu que algumas coisas nem lhe eram convenientes nem jamais podiam dominá-lo.  Então ele fez a escolha livre que pessoal e intimamente julgou apropriada: "esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus" (leia em Fl 3:13-14).
E quanto a mim mesmo, como encarnarei minha permissão cristã?  Que escolhas farei?  Como tecerei minha história?

terça-feira, 16 de agosto de 2011

CHORO E ALEGRIA - 2ª parte


Com o objetivo de dar continuidade a reflexão sobre choro e alegria, trago aqui algo mais sobre o Sl 30:5.  Baseados no texto bíblico, já vimos que diante da noite escura de choro é preciso não questionar o Senhor, confiar na companhia divina e, principalmente esperar pela manifestação da soberana graça.  Agora, seguindo a própria indicação do salmo, cumpre refletir sobre o segundo momento em minha vida: quando chega a manhã de alegria.
O espetáculo do alvorecer é um dos mais belos que a natureza pode proporcionar.  O simples contemplar do nascer do sol já demonstra motivos suficientes para a alegria, o canto e o louvor ao Senhor por suas maravilhosas bênçãos.  Acrescente a isto a certeza de que as misericórdias do Senhor foram renovadas junto com o amanhecer (promessa garantida em Lm 3:22-23), então certamente não faltarão motivos para celebrar a chegada do dia que o Senhor nos fez.  Contudo, assim como foi feito com a noite escura, é possível questionar aqui sobre o que fazer diante deste dia do Senhor.
Deixe-me igualmente ainda apresentar duas respostas rápidas, mais biblicamente seguras.  Primeiro: o amanhecer é obra exclusiva de Deus – logo independe de qualquer ação humana (confira tanto Ap 21:5 como Ef 2:8-9).  E segundo: a chegada do novo dia é a concretização da promessa de que o próprio Senhor haveria de enxugar toda lágrima de nossos olhos (ainda confira tanto Ap 21:4 como Is 25:8) – e Deus sempre cumpre suas promessas (conforme está dito em Is 55:11).
Ora, se cremos que a manhã chegará para por fim à noite, e isto não será resultado dos meus ou dos seus esforços, mas resultado do cumprimento de uma promessa divina que não falhará jamais, então só nos resta glorificar a Deus pela sua ação sobre nós.  O dia do Senhor é o tempo de glória, tempo de alegria, tempo de celebração.  Façamos dele uma ocasião de adoração ao nosso Deus (adote Sl 59:16).

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

NA CASA DE MEU PAI


DEUS É PAI.  O tema da paternidade de Deus pode ser encontrado ao longo da Bíblia.  No NT esta é uma das maneiras preferidas de Jesus tratar a Deus, e isto é facilmente visto nos evangelhos.  Porém há uma diferença.  Enquanto nos sinóticos (os três primeiros evangelhos) o Pai, embora verdadeiramente pessoal, é um ente celestial; no quarto evangelho o Pai, embora verdadeiramente celestial, é um ser pessoal.
Três passagens mostram bem esta equivalência e nelas a mó está na expressão: Na casa de meu Pai...  Nos discursos finais, o evangelho de João dá destaque a alguns pontos: Jesus enfatiza quem ele era e é, qual a essência de sua doutrina, o que ele próprio esperava como desfecho final de sua vida e obra e também qual deveria ser a expectativa dos discípulos quanto ao futuro.
Nesta esteira de pensamento, o evangelista dá voz ao Mestre: — Na casa de meu Pai há muitos aposentos (leia em Jo 14:2).  Quando os dias derradeiros de Jesus aqui na terra se avizinham, e o clima de tensão não pode ser disfarçado, Jesus diz aos seus que não há motivos para ficarem aperreados, é só confiar nele e em Deus, pois na casa do Pai há como acolher a todos.  E vai além garantindo que se assim não fosse ele mesmo teria já providenciado alguma alternativa.
Estas palavras do Cristo em tom de litania transpiram familiaridade.  Jesus está me dizendo como discípulo seu que o futuro não precisa ser sombrio, incerto e assustador; há sempre um cantinho na casa de meu pai para onde eu posso ir depois de ter enfrentado as agruras da vida.  E usando outra figura, há sempre um porto seguro onde ancorar depois da tormenta.
Um pouco antes destes discursos finais, Lucas apresenta uma parábola que também tem seu ponto alto na casa do pai.  É bem conhecida a narração da história do filho pródigo que, lá no último estágio de degradação, ainda conseguia manter viva a esperança: — Na casa de meu pai há comida de sobra (confira em Lc 15:17).  Mesmo naquela situação, a casa do pai era mais que apenas uma referência pontual, o filho sabia que depois de ter chafurdado na lama por conta da sequência de besteiras que fez ainda podia vislumbrar a casa do pai.
Como parábola bíblica, esta narração é mais que uma história bonita de arrependimento e reconciliação; é um aponte seguro de que seja qual for a circunstância na qual a minha vida e as minhas escolhas tenham me levado, sempre confiarei que existe um lar pronto a me acolher.  E para lá eu quero ir.
Recuando mais ainda na narrativa evangélica, eu posso acompanhar Maria e José encontrando o jovem Jesus discutindo no templo de Jerusalém.  Em resposta a preocupação de sua mãe, Jesus respondeu: — Eu estou na casa de meu pai (veja em Lc 2:49).  Aquele era o lugar onde Jesus se sentia à vontade, podia conversar, transitar entre os corredores; era a casa paterna.
Este episódio peculiar na história de Jesus me releva o fato de que o lugar onde o pai resolve estabelecer sua morada é onde eu posso realmente me sentir à vontade para conversar com ele, e o tempo passado ali não é perdido ou desperdiçado, mas é o lugar onde as horas passam alegremente.
Sei que nas páginas da Bíblia ainda podem ser encontradas outras referências cruzadas sobre a casa e o pai e a multiplicação de narrativas só iria confirmar minhas certezas.  Estas três, contudo me conferem a garantia de que a casa de meu pai é um lugar de acolhimento no meio do mundo, de mesa farta e de familiaridade.  É o lugar cujo caminho eu posso fazer com segurança, pois o conheço bem e onde eu posso confiar sem medo que serei bem vindo e aceito.  É assim na casa de meu pai.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

CHORO E ALEGRIA - 1ª parte


Na sua beleza poética, o Salmo 30, verso 5, diz que o choro pode persistir uma noite, mas de manhã irrompe a alegria.  Do seu modo, o texto fala de dois momentos distintos pelos quais invariavelmente todos passam: o choro à noite e a alegria pela manhã.  Dois momentos.  Duas situações.  Duas possibilidades.  Quando a noite da vida vem: as lágrimas maream os olhos.  Quando chega a manhã: sorrisos enfeitam a face.
Pensando nisto, vou ao sábio e ele me diz que Deus fez tanto um como o outro (confira em Ec 7:14).  Assim o Senhor permite passar pela noite do pranto.  O momento de tristeza é sempre uma experiência dura, mas é ainda uma manifestação da vontade soberana de Deus.  Na escuridão tenho que enfrentar o inevitável vale da sombra da morte que tanto parece interminável como não oferece nenhuma perspectiva.  A noite existencial é quando a vida perde o sentido e o futuro já parece não está mais lá.  A angústia e a solidão tornam-se as únicas companheiras nessa dura e difícil travessia.  Nestas circunstâncias, o que fazer?
Deixe-me apresentar três respostas rápidas, mais biblicamente seguras.  Primeiro: não pergunte por que; o Senhor não dá nem a mim nem a você o direito de questionar suas ações (esta foi uma lição dura que o patriarca teve de aprender – veja em Jó 38:12).  Segundo: saiba que o Senhor está ao seu lado mesmo na mais escura noite, pois a companhia divina é uma promessa (proferida em Mt 28:20 e cantada no Sl 23:4).  E terceiro: deixe-se levar pela esperança; não são a razão e os esforços humanos que trarão o raiar do novo dia mas a ação direta de Deus, e é preciso apenas confiar nisto (considere Hb 11:1 e  Rm 4:18).
Ora, a noite da vida é a oportunidade que o Senhor concede a cada um de se entregar inteiramente à graça que haverá de providenciar resgate (creio que 1Pe 1:13 vai nesta linha).  Então, se a noite é inevitável com o choro que a acompanha, que eu passe por ela com fé e coragem a fim de que para mim chegue a manhã da alegria de Deus.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O DEUS DA AMPLIDÃO

O termo amplidão me soa muito bem aos ouvidos: gosto dele!  Há algo de beleza plástica nele que extrapola seu significado.  Não é só uma coisa grande e aparentemente sem limites a obstruir a vista e a vida; amplidão é ter horizontes.  Também é mais que a qualidade daquilo que é amplo ou largo; amplidão palpita como proposição de liberdade.  E são estas sensações imensuráveis que a fazem cara e desejável.
Esta percepção poético-espiritual da amplidão transporta minha mente e minha alma para Deus.  Sim, o meu Deus é o Deus da amplidão!  Eu posso definir sistematicamente o atributo divino da absoluta e imensa transcendência, e o farei da melhor, mais ortodoxa e apropriada maneira que me seja possível, mas nunca será como subir no monte naquela madrugada e ficar ali na companhia de Jesus contemplando a amplidão de Deus.  É impossível uma definição.  Simplesmente Deus está ali e a amplidão se descortina bela e majestosa.
Depois de um dia de intensas atividades ministeriais, Jesus despediu seus discípulos e subiu o monte sozinho, e agora eu quero ter a ousadia de acompanhá-lo, madrugada a dentro, atraído pelo fascínio da amplidão.  Quem sabe assim posso perceber melhor em minha própria vida o Deus da amplidão.
Logo de saída, a amplidão divina desponta não como solidão.  Não me sinto abandonado, esquecido ou solitário, pois a companhia do Mestre é real noite a dentro no monte.  Diante deste Deus não estou só.  Deus em sua grandeza e amplidão vem armar sua tenda comigo.  Ele desce, toca o monte e vem perambular com o seu filho.  Envolvido pelo Ente divino, o infinito universal é transmudado em potencialidade ampla, pois não estou só diante do mundo.
O que vem em seguida é quase desdobramento da primeira percepção.  Como sou ínfimo diante de tamanha amplidão!  Um pequenino grão de areia diante da montanha enorme!  E ao levantar meus olhos para a noite, descubro-me apenas poeira, frente o brilho das incontáveis estrelas: – quem sou eu neste infinito!  É então que entendo que pouco abaixo dos anjos fui colocado somente para desfrutar do aconchego da amplidão.
Ah!  Há ainda o silêncio.  Na montanha também o silêncio não é sufocante nem me abafa.  Mesmo sem palavras, a noite anuncia obras grandiosas daquele que é em si mesmo a Palavra eterna.  Não me proíbe de falar, mas me convida a ouvir.  Assim é que posso ouvir o Deus da amplidão sussurrando carinho aos meus ouvidos e fazendo-o vibrar com grandiloquência a música eterna.  E sabe mais de uma coisa?  Na montanha de madrugada, desperto-me ao escutar que grilos, sapos e corujas do mato reverenciam o Criador e me convidam a reverberar a adoração solene.
É ainda na montanha, pela madrugada, acompanhando Jesus em silêncio diante do Deus da amplidão que me certifico de, mesmo estando num infindável deserto desta vida, que não é o deus da sequidão e da sede quem tem a última palavra.  O Deus da amplidão sempre me sacia e me extasia com a doçura de sua magnificência.  Sem dinheiro e sem preço sou abastecido pela amplidão da graça.
Propositalmente não citei de maneira explícita versículo algum, mas lhe convido a olhar bem e você vai vê-los saltitantes nas entrelinhas apontando para o Deus da amplidão, assim como fez Martin Luther King ao alimentar um sonho, ou Agostinho de Hipona ao ser atraído pela irresistível graça, ou ainda Johann Sebastian Bach nos brindando com seus oratórios, cantatas e paixões.  Todos tocados pelo Deus da amplidão.  

terça-feira, 2 de agosto de 2011

FRUTO DO ESPÍRITO

Depois de refletir sobre cada um dos bagos da jaca do Espírito e como eles moldam nossa vida, quero aqui reproduzir um outro texto sobre o mesmo tema – Fruto do Espírito – que escrevi há mais de dois anos.  Em alguns pontos ele não segue a mesma linha das reflexões sobre a jaca, mas sei que isso não é um problema, pois a riqueza do texto sagrado é reconhecidamente grande para comportar mais de uma interpretação para a mesma figura e ainda assim permanecer relevante, fiel e honestamente bíblico.
Assim, deguste um pouco mais deste fruto.

A idéia de fruto sempre está associada à idéia de resultados.  E é com esta idéia que os conceitos bíblicos são aplicados: Somos instados a apresentar frutos de arrependimento (Lc 8:8), de justiça (Fl 1:11), para santificação (Rm 6:22); somos também conhecidos pelos frutos (Mt 7:20). 
Assim é que o texto de Gl 5:22-23 nos fala de Fruto do Espírito.  Ora, se fruto é resultado, então o Fruto do Espírito deve ser o resultado da presença e da ação do Espírito em nossa vida cristã.  Ou seja, o Fruto do Espírito é o que devemos apresentar em nossa vida por termos já experimentado a realidade espiritual em nossa vida: "se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito" (Gl 5:25).
Mas, que fruto seria este?  Como identificá-lo?  É o próprio texto aos gálatas que nos propõe a resposta.  O primeiro que é mencionada é o AMOR.  Muito mais que sentimento ou sensação, o amor que é Fruto do Espírito é aquilo que define o próprio Deus (veja 1Jo 4:8).  Deus provou ser amor em ter dado seu único Filho (Rm 5:8).  E note que é por isto que seremos conhecidos (Jo 13:35).
O segundo fruto é a ALEGRIA.  O crente frutifica no Espírito quando na sua alma há abundância de alegria (Sl 16:17).  Em diversos lugares o fiel é instruído pela Palavra de Deus a cantar e se jubilar de alegria (Sf 3:14).  Mesmo que haja infortúnios e transtornos, a vida no Espírito deve transbordar de alegria (Hc 3:17-18).
Também é fruto do Espírito a PAZ.  Ao partir Jesus nos prometeu que deixaria conosco a sua paz (Jo 14:27).  A paz que é Fruto do Espírito é este presente que Cristo deixou para nós: uma vida sem temor nem pavor.  Uma vida cristã frutífera é uma vida de tranquila serenidade em meio a este mundo de horrores.
O próximo aspecto do Fruto do Espírito é a FIDELIDADE.   Esta é a características do que é fiel ou confiável.  O crente que frutifica no Espírito deve ser digno de confiança.  Na carta aos filipenses Paulo se refere a Timóteo e a Epafrodito recomendando à igreja a "honrar sempre a homens como esses" (Fl 2:29).  Isto é fidelidade que advém do Espírito.  Somos reconhecidos pelo povo como homens e mulheres que merecem respeito e confiança naquilo que falamos e vivemos, pois há coerência e dignidade em nossa vida.
Ainda é Fruto do Espírito a MANSIDÃO.  Jesus se apresentou como sendo "manso e humilde de coração" (Mt 11:29).  Também o próprio Jesus chamou de bem-aventurados os mansos porque haveriam de herdar a terra (Mt 5:5).  Este é o caráter daquele de desenvolve o Fruto: sabe viver em mansidão e tranquilidade a vida que tem para levar, sem procurar querelas ou contendas.
Finalmente, neste texto o último Fruto do Espírito citado é a TEMPERANÇA – ou domínio próprio.  Ele é o resultado da ação do Espírito Santo em nossa vida dando-nos a capacidade de dominar nossos ímpetos e arroubos, levando uma vida controlada e segura.  O autocontrole do crente só apresenta resultados quando isto é obra do Espírito em sua vida.  E mais: em Mt 23:25 Jesus critica os fariseus associando a falta desta temperança à ação de aves de rapina. 
Terminando, gostaria de citar as palavras do Mestre: "Vós não me escolhestes a mim mas eu vos escolhi a vós, e vos designei, para que vades e deis frutos, e o vosso fruto permaneça" (Jo 15:16).