quarta-feira, 28 de agosto de 2024

AGOSTINHO – O som e o silêncio

 


Com efeito, o que não é absolutamente, denomina-se “nihil” (nada), e ninguém que ouve ou fala latim fica sem entender o que significam estas duas sílabas.

Como entende, a não ser quando o sentido percebe o que é, e pela sua privação conhece também o que não é? Assim também, quando se diz “vazio”, considerando o “cheio” de um corpo, entendemos o que significa “vazio” pela privação que é contrária a “cheio”; assim como julgamos pelo sentido da audição não somente o que diz respeito a vozes, mas também ao silêncio.

Assim, pela vida que o homem possuía, poderia precaver-se do contrário, ou seja, da privação da vida que se denomina morte; o próprio motivo, pelo qual perderia o que amava, ou seja, qualquer ação sua que o levasse a perder a vida, com quaisquer sílabas com que se denominasse, tal como em latim se diz “peccatum” (pecado) ou “malum” (mal), entenderia como sinal da morte, e isso discerniria com a mente.

Pois, como nós podemos entender quando se diz “ressurreição”, pela qual nunca passamos? Não será porque sentimos o que seja viver, e à sua privação denominamos morte, e a volta ao que sentimos, denominamos ressurreição? E se em qualquer língua denomina-se a mesma coisa com outro nome, o sinal se insinua certamente à inteligência pela voz dos que falam, de modo que, soando o nome, pode reconhecer o que estaria pensando mesmo sem o sinal.

Causa admiração o fato de a natureza, mesmo sem ter experiência, evitar a perda do que possui. Com efeito, quem ensinou aos animais evitar a morte, a não ser o sentido da vida? Quem ensinou à criança se agarrar a seu berço, se for ameaçada de ser jogada ao chão? Este modo de reagir começa depois de um certo tempo, mas antes de se ter experiência de algo semelhante.

Agostinho de Hipona
Comentário de Gênesis
Capitulo XVI.34

(Na imagem:
Fac-simile da obra original latina
“De Genesi ad Litteram”. 
Fonte: https://bibliotheca-laureshamensis-digital.de)

 

terça-feira, 20 de agosto de 2024

O AMOR COMO REGRA

Segundo o próprio Mestre Jesus, o resumo da Lei e do que se estabelece como critério no plano de Deus é o amor.  Sendo assim, o primeiro e principal valor inegociável para os cristãos é amar a Deus sobre tudo e ao próximo na mesma dimensão.

Não há como relativizar a prioridade do amor cristão, pois é exatamente tal característica que haverá de nos identificar no meio do mundo e da sociedade.  Ainda foi Jesus quem assim estabeleceu ao indicar aos seus discípulos que a marca de identificação que haveria de os diferenciar deveria ser o amor que eles nutrissem uns pelos outros (em Jo 13:35).  Ou seja, sem amor não se pode ser cristão; e nunca se testemunhará do poder do Evangelho sem que se viva e encarne o amor em todas as ações e decisões.

Jesus Cristo certamente é o nosso padrão e, seguindo a compreensão do João, o Deus que é amor (1Jo 4:8), encarnou-se no Filho (Jo 1:14) por amor ao mundo (Jo 3:16) e fez assim para nos deixar o exemplo a ser seguido (Jo 13:15) – para que nos amemos uns aos outros, mesmo que isso nos custe a própria vida (Jo 15:12).

Ainda Paulo, escrevendo aos coríntios, advertiu sobre manter uma postura firme e vigilante quanto à fé, mas que, acima de tudo, o critério e motivação para cada ação e decisão cristã deve ser o amor (leia em 1Co 16:13-14).  Isso é inegociável.

E ampliando essa compreensão, Agostinho de Hipona, comentando a primeira Carta de João, foi enfático ao estabelecer o amor como máximo valor cristão.  Dizia ele: “Ama e faz o que quiseres.  Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor.  Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos”.

 

(Da Revista DIDASKAIA – 1º quadrimestre / 2023 – IBODANTAS)

 

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

EZEQUIEL E A CONDIÇÃO SOCIORRELIGIOSA DO POVO

 

Alguns biblistas afirmam que depois da reforma do rei Josias seria difícil que em tão pouco tempo o povo de Israel chegasse a tal ponto de degradação moral e espiritual como foi condenado por Ezequiel, querem estes estudiosos dizer que a situação está pintada com cores fortes pelo profeta.  Porém (como já vimos anteriormente) a intenção de Josias foi bem mais política que espiritual.  Pretendia o rei com a reforma levar efeito uma espécie de rebelião contra o domínio político da Assíria através da influência religiosa sobre a população.  Não é de estranhar, portanto que logo após a morte do rei Josias o povo voltasse às práticas pagãs eliminadas na reforma do rei Josias.

O capítulo 16 do Livro de Ezequiel é um dos que conta, com uma maestria poética, todo o relato da infidelidade de Israel.  Depois de uma rápida narração da origem de Jerusalém, o profeta relata o que está se passando com Israel utilizando-se de um simbolismo conjugal.  Comprometido com os cultos pagãos, principalmente a Baal devido à influência das nações vizinhas, o culto no templo e o sacerdócio judaico estão exercendo simplesmente uma função ritualista, longe dos propósitos espirituais do culto a Javé.  A aliança com os outros povos influenciara tanto a vida coletividade que o povo judeu se deixara seduzir religiosamente e em troca passara a dar presentes a todos os seus amantes (verso 33).

Mas Jerusalém cai em 597 a.C.  Na Babilônia as condições são completamente deploráveis.  Podemos pensar, segundo o Livro de Ezequiel que os judeus estão nas margens do rio Quebar agrupados em diferentes pontos e tinham relativa liberdade, o que demonstra que são simples exilados e não cativos, e que a pressão sobre o povo é mais psicológica e social que física.  Porém os exilados não têm pregador algum durante cinco anos, pois Ezequiel só começa suas funções proféticas no ano 593 a.C.  Palácios, jardins, templos, fortificações fazem da cidade da Babilônia a mais nobre e a senhora do mundo do seu tempo.  Abundam então os falsos profetas e na concepção popular tudo leva a crer que Marduque havia vencido Javé.  Assim a religião dos caldeus passa a exercer uma influência fortíssima sobre a dos judeus. 

É para estas condições que Deus levanta um profeta com credenciais sacerdotais: Ezequiel.



Você pode ler um ensaio sobre o profeta Ezequiel no livro ENSAIOS TEOLÓGICOS

Disponível no:
Clube de Autores
Google Play
amazon.com

Conheça também outros livros:
TU ÉS DIGNO – Uma leitura de Apocalipse
DE ADÃO ATÉ HOJE – Um estudo do Culto Cristão
PARÁBOLA DAS COISAS

terça-feira, 6 de agosto de 2024

A CULINÁRIA E A TEOLOGIA


Exercendo o magistério teológico, sempre insisti no paralelo entre o labor teológico-eclesiástico e a cozinha (e essa é uma comparação boa para nós cristãos, pois comer permeia tanto a nossa fé e vivência que a incorporamos em nossa liturgia).

Vamos a devida apresentação como a compreendo: o trabalho acadêmico-teológico, com suas análises exegéticas e históricas, suas reflexões e aprofundamentos são fundamentais para a vida saudável da igreja.

Uma comunidade de fé cristã que renegue o pensar teológico e doutrinário está condenada não somente à heresia como também a irrelevância histórica e espiritual.

 

O Cristo que fundou a igreja entendia ser necessário em igual importância o conhecimento do poder de Deus e das Escrituras.

 

Mas fazer Teologia nesta dimensão apenas é debater sobre culinária: falar sobre receitas, analisar funções nutricionais e considerar paladares.  E confesso: é bom se deixar levar pela alquimia da culinária teológica!

Contudo, isso se faz na academia.  Quem vem a igreja, a comunhão dos santos, vem para sentar à mesa e comer.  Embora os ingredientes necessários estejam todos ali: proteínas, vitaminas e afins, ao culto cristão eu vou para me alimentar, sentir-me saciado.

Ali na mesa do Senhor me atrai não a tabela nutricional (volto a dizer: ela é fundamental!); mas sou atraído pelo cheiro agradável, pelo visual interessante, pelo sabor convidativo, e principalmente, pela certeza que serei alimentado com a Palavra.

A partir do livro TU ÉS DIGNO – Uma leitura do Apocalipse

 

 


Leia todo o livro TU ÉS DIGNO – Uma leitura de Apocalipse.  Texto comovente, onde eu coloco meu coração e vida à serviço do Reino de Deus.  Você vai se apaixonar por este belíssimo texto, onde a fidelidade à Palavra de Deus é uma marca registrada.

 

Disponível na:
AD Santos Editora