terça-feira, 16 de janeiro de 2024

NÃO CONTE A NINGUÉM


Essa questão é bem peculiar:  Jesus disse literalmente

 

Não falem a ninguém que eu sou o Cristo! (Mc 8:30).

 

Para entender a questão, vamos começar (1) dando uma lida geral em passagens onde uma proibição parecida ocorre.  (2) Depois vamos tentar entender o que implica na interdição específica do texto.  (3) E, finalmente, o que isso tem a nos dizer.

 

(1) Em algumas outras passagens dos Evangelhos é registrado que Jesus instruiu e ordenou que seus atos e palavras não fossem divulgados:

 

+ Em seis citações de cura: a. a cura de um leproso (Mt 8:4); b. a cura de dois cegos (Mt 9:30); c. várias curas entre aqueles que o seguiam (Mt 12:16); d. a ressurreição da filha de Jairo (Mc 5:43); e. a cura de um surdo e gago (Mc 7:36); e f. a cura de um cego em Betsaida (Mc 8:26).

§. Em casos assim, o que podemos entender é que Jesus estava evitando que seu ministério se desviasse do foco principal.  As curas e eventos miraculosos nunca foram a prioridade do Cristo, então quando trazia cura para alguém, ele tinha o cuidado de que não fosse esse o centro de atração das pessoas (considere Jo 6:26).

 

+ No evento da transfiguração Jesus disse tacitamente que os discípulos não contassem a ninguém o que tinham visto (em Mt 17:9 e Mc 9:9).

§. Aquela visão do Cristo glorificado (transfigurado) foi antecipada a apenas alguns discípulos.  E, embora restassem dúvidas até entre aqueles, a instrução de Jesus foi para que aguardassem até a revelação final e gloriosa do ressuscitado.

 

+ Após um caso de exorcismo – expulsão de demónio – Jesus proibiu que eles falassem quem Jesus era (narrado em Mc 1:34).

§. Aqui a situação é clara – é bem no início do ministério terreno de Jesus.  O diabo é o pai da mentira (considere Jo 8:44), então seria uma completa incoerência o Messias contar com o testemunho de demônios para confirmar seu testemunho.  Jesus que é a própria verdade (Jo 14:6).

 

(2) Sobre o episódio da declaração de fé de Pedro de que Jesus era o Cristo – o Messias (em Mc 8:30 e Mt 16:20); quando se busca nos comentaristas alguma explicação para a instrução de Jesus de os discípulos não falarem sobre a sua messianidade naquele momento, eles em geral apontam várias sugestões e hipóteses – nenhuma conclusiva. 

Pela minha compreensão, o que mais faz sentido é que naquele contexto de expectativa de judeus pela chegada de um Messias de conotações políticas e militares, anunciar que Jesus era o Messias prometido a Israel, poderia precipitar algum movimento equivocado que tentasse fazer dele um rei terreno que arregimentasse um exército para lutar pelo Israel histórico.  Nada mais estranho à proposta do Cristo.

Observe que pouco depois, na entrada em Jerusalém, a multidão cantou a Jesus nessa intenção (leia em Mc 11:9-10).

 

(3) E o que isso tem a nos dizer hoje?

Num mundo em que vivemos no qual imagem e publicidade parecem ser a norma, corremos sempre o risco de transformar nosso Cristo, nossa igreja e nossa fé em instrumento de marketing.  Não é nada disso que Jesus nos propõe.  Somos chamados para ter um relacionamento pessoal e intimo com ele (atente para Jo 15:15 e 1:12) e não para competir por popularidade e aceitação pública.

Também precisamos estar sempre atentos com nossa fé e nossas expectativas para que o evangelho não nos torne beligerantes por causas estranhas às propostas do próprio Cristo.  É importante considerar que ele afirmou para o político Pilatos que seu Reino não pertence aos parâmetros desse mundo (em Jo 18:36). 

Cristianismo não é um projeto de poder ou de dominação política nem social.  E usar seu nome como via para galgar posições políticas é o que Jesus pretendeu proibir quando interditou que anunciassem que ele era o Messias.

 

Que vivamos seu chamado a amar a Deus e ao próximo.  Para isso fomos atraídos ao Messias (indispensável ler Mc 12:28-24).

 

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