Essa questão é bem peculiar: Jesus disse literalmente
— Não falem a ninguém que eu sou o Cristo!
(Mc 8:30).
Para entender a questão, vamos começar (1) dando
uma lida geral em passagens onde uma proibição parecida ocorre. (2) Depois vamos tentar entender o que
implica na interdição específica do texto.
(3) E, finalmente, o que isso tem a nos dizer.
(1) Em algumas outras passagens dos Evangelhos
é registrado que Jesus instruiu e ordenou que seus atos e palavras não fossem
divulgados:
+ Em seis citações de cura: a. a cura de um
leproso (Mt 8:4); b. a cura de dois cegos (Mt 9:30); c. várias
curas entre aqueles que o seguiam (Mt 12:16); d. a ressurreição da filha
de Jairo (Mc 5:43); e. a cura de um surdo e gago (Mc 7:36); e f.
a cura de um cego em Betsaida (Mc 8:26).
§. Em casos assim, o que podemos entender é que
Jesus estava evitando que seu ministério se desviasse do foco principal. As curas e eventos miraculosos nunca foram a
prioridade do Cristo, então quando trazia cura para alguém, ele tinha o cuidado
de que não fosse esse o centro de atração das pessoas (considere Jo 6:26).
+ No evento da transfiguração Jesus disse
tacitamente que os discípulos não contassem a ninguém o que tinham visto (em Mt
17:9 e Mc 9:9).
§. Aquela visão do Cristo glorificado
(transfigurado) foi antecipada a apenas alguns discípulos. E, embora restassem dúvidas até entre
aqueles, a instrução de Jesus foi para que aguardassem até a revelação final e
gloriosa do ressuscitado.
+ Após um caso de exorcismo – expulsão de demónio
– Jesus proibiu que eles falassem quem Jesus era (narrado em Mc 1:34).
§. Aqui a situação é clara – é bem no início do
ministério terreno de Jesus. O diabo é o
pai da mentira (considere Jo 8:44), então seria uma completa incoerência o
Messias contar com o testemunho de demônios para confirmar seu testemunho. Jesus que é a própria verdade (Jo 14:6).
(2) Sobre o episódio da declaração de fé de
Pedro de que Jesus era o Cristo – o Messias (em Mc 8:30 e Mt 16:20); quando
se busca nos comentaristas alguma explicação para a instrução de Jesus de os
discípulos não falarem sobre a sua messianidade naquele momento, eles em geral apontam
várias sugestões e hipóteses – nenhuma conclusiva.
Pela minha compreensão, o que mais faz sentido é
que naquele contexto de expectativa de judeus pela chegada de um Messias de
conotações políticas e militares, anunciar que Jesus era o Messias prometido a
Israel, poderia precipitar algum movimento equivocado que tentasse fazer dele
um rei terreno que arregimentasse um exército para lutar pelo Israel
histórico. Nada mais estranho à proposta
do Cristo.
Observe que pouco depois, na entrada em Jerusalém,
a multidão cantou a Jesus nessa intenção (leia em Mc 11:9-10).
(3) E o que isso tem a nos dizer hoje?
Num mundo em que vivemos no qual imagem e
publicidade parecem ser a norma, corremos sempre o risco de transformar nosso
Cristo, nossa igreja e nossa fé em instrumento de marketing. Não é nada disso que Jesus nos propõe. Somos chamados para ter um relacionamento
pessoal e intimo com ele (atente para Jo 15:15 e 1:12) e não para competir por
popularidade e aceitação pública.
Também precisamos estar sempre atentos com nossa
fé e nossas expectativas para que o evangelho não nos torne beligerantes por
causas estranhas às propostas do próprio Cristo. É importante considerar que ele afirmou para
o político Pilatos que seu Reino não pertence aos parâmetros desse mundo (em Jo
18:36).
Cristianismo não é um projeto de poder ou de
dominação política nem social. E usar
seu nome como via para galgar posições políticas é o que Jesus pretendeu
proibir quando interditou que anunciassem que ele era o Messias.
Que vivamos seu chamado a amar a Deus e ao
próximo. Para isso fomos atraídos ao
Messias (indispensável ler Mc 12:28-24).
Nenhum comentário:
Postar um comentário