Desde
que o ser humano chegou ao autoconhecimento de sua existência, aquilo que sabe
e aquilo que crê tem sido dois lado de uma mesma moeda, mas que nem sempre se
coadunaram. O ideal e o desejado é que
se saiba no que se crê e se creia no que se sabe. Mas nem sempre isto acontece. Foram os clássicos helênicos os que,
detectando a dicotomia entre estes dois aspectos humanos, organizaram-nos e
sistematizam-nos em campos distintos. Na
Hélade a fé continuou voltada para o Olimpo e para os templos, atendendo às
almas humanas; e ao conhecimento coube assento nas academias e ocupação na
administração das coisas públicas.
Esta
concepção perdurou no Ocidente até a chegada à Idade Média quando a crença
passou a ocupar um espaço privilegiado, relegando ao conhecimento apenas um
espaço irrelevante no espectro da produção humana. A equação entre crença e conhecimento – fé e
ciência – tornou-se resolvida calando a ciência e dando à fé um papel capaz de
apresentar todas respostas para as questões humanas. Esta solução durou todo o medievo e fez com
que tudo se subordinasse ao crivo da fé, e de suas instituições, que tiveram
poder de ditar normas, valores de certo e errado, do que deveria ser crido e do
que deviria ser sabido e conhecido.
Durante
o período medieval, o cristianismo ocidental levou a efeito uma sociedade
cristã – dita cristandade – que se propôs hegemônica, não somente por seu
aspecto geográfico, mas também por se apresentar como portadora de soluções
universais para as questões humanas.
Esta cristandade tomou como base teórica o escolasticismo medieval que,
nas palavras de Paul Tillich em sua História
do Pensamento Cristão, tinha como verdadeira intenção a "interpretação
teológica de todos os aspectos da vida".
Mas a compreensão da cristandade medieval não tinha como base
exclusivamente a sua teoria escolástica.
Talvez o ponto central esteja no binômio hierarquia-sacramentos, ao qual
toda a sociedade estava subordinada. Ainda
nas palavras de Tillich:
Os sacramentos representavam
a objetividade da graça de Cristo, presente no poder objetivo da hierarquia.
[...] Os sacramentos eram a continuação da realidade sacramental básica da
manifestação de Deus em Cristo. Em cada
sacramento, presentefica-se uma substância de caráter transcendente.
Esta
construção teórica, ou cosmovisão própria do período medieval, contudo também
não perdurou ininterruptamente. Dentro
do próprio medievalismo já se estava gestando um novo tempo; é que a história
humana gira em torno dos conceitos de "autonomia" e
"heteronomia" – na linguagem kantiana usada por Tillich – e quando
qualquer destes conceitos tende a se sobressair, o conceito antagônico volta a
mostrar sua força, tendendo a um equilíbrio que nem sempre se apresenta
duradouro, realimentando o processo.
Convém
lembrar que este conceito da história humana segue um modelo grego de concepção
cíclica de história – ao contrário do conceito judaico mais teleológico. No campo das ciências o conceito segue a
"teoria do pêndulo" formulada pelo astrônomo e matemático holandês
Christiaan Huygens que, segundo a tradição, teria se inspirado nas observações
de Galileu Galilei o qual observando o balanço da lâmpada de bronze da Torre de
Pisa teria formulado o conceito geral do "pêndulo eterno". Artur Schopenhauer foi o primeiro a aplicar
este conceito à descrição dos fatos históricos.
Sobre
isso, Tillich diz:
Sob as condições da
existência os elementos estruturais da razão se movem uns contra os
outros. Embora nunca separados, eles
incorrem em conflitos autodestrutivos que não podem ser resolvidos à base da
razão atual. Uma descrição destes
conflitos deve subsistir os ataques populares religiosos ou teológicos contra a
fraqueza ou cegueira da razão.
Dentro
desta concepção, o próprio Tillich observa que um novo período já estava sendo
gerado a partir da própria cosmovisão medieval.
Tendo reinado a heteronomia durante a Idade Média, uma tendência à
autonomia seria necessário surgir, o que realmente veio a acontecer:
Ao final do período medieval
a heteronomia se tornou todo-poderosa (Inquisição), isto em parte foi reação
contra tendências autônomas na cultura e religião (nominalismo). Mas destruiu a teonomia medieval. No período do Renascimento e Reforma o conflito
cobrou nova intensidade. O Renascimento,
que mostrava caráter teônomo em seus inícios platônicos (Cusa, Ficino), se
tornou amplamente autônomo em seu desenvolvimento posterior (Erasmo, Galileu).
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