É
sabido por todos que o protestantismo tradicional nunca conseguiu assimilar
devidamente uma brasilidade que o tornasse uma religião nacional. Desde sua chegada, quer como protestantismo
de migração quer de missão principalmente, ele chegou como religião estrangeira
e passados mais de cem anos mantém-se como se fosse uma cultura de uma minoria
que geralmente não convive com a grande cultura popular.
O
catolicismo quando chegou ao Brasil trouxe consigo um tradição cristã de certo
modo já sedimentada, mas chegou no período de formação da cultura brasileira, e
num processo dialético com os valores
afro-indígenas, tornou-se o centro dessa cultura. Por sua vez o protestantismo ao chegar já
encontrou uma cultura formada e de certo modo resistente a intromissão de
valores novos como os trazidos por aquele último. Outro fator que merece destaque é o
anti-catolicismo das missões protestantes norte-americanas que repetiram aqui a
intolerância da outra América. Esse
anti-catolicismo identificou o catolicismo com o anticristo e causa do atraso
dos povos, viu nos valores da cultura brasileira os traços desta identificação;
logo sua mensagem seria – e foi – um chamado a abster-se da cultura local e a
aceitação inquestionável dos valores da cultura norte-americana trazida pelos
missionários.
Com um
início desses não é de se estranhar que o movimento protestante no Brasil tenha
se mantido afastado de qualquer identificação com a cultura brasileira ao longo
de sua existência. Por conta disso ele
subsistiu como cultura de gueto negando-se a dar uma parcela de contribuição à
cultura nacional bem como não aceitando que ares dessa cultura adentrem seus
muros. Dessa incapacidade de convivência
surge o fato de que para ser um crente fiel protestante é preciso abandonar as
coisas do mundo e aceitar as do céu – em outras palavras: esquecer o jeito
brasileiro de viver e adotar o american
way of life.
Outro
aspecto dessa relação entre protestantismo e cultura brasileira pode ser
observado por Max Weber quando ressalta a questão do ascetismo protestante e o
coloca como o principal formador da visão que esse tem do mundo. Se Weber estiver certo também em relação ao
Brasil então, em observando por este ponto de vista, o protestantismo como um
todo tem que ser entendido como algo que em si já está fechado às novidades,
pois no seu código implícito de ética está inserido o fato de que a sociedade
só progredirá se seus membros, um a um, tomarem uma postura ascética de quase
negação da vida e posicionarem-se de modo não-criativo a caminhar, constante e
inexoravelmente, rumo ao progresso. Ora,
tal proposta é completamente alheia à mentalidade brasileira. Logo, aceitá-la implica necessariamente numa
negação do caráter espontâneo e criativo da alma brasileira.
Em sua
palestra na Conferência do Nordeste em 1962 intitulada “O artista: servo dos que sofrem”, Gilberto Freyre soube ver bem
estas questões:
É curioso que até agora o cristianismo evangélico só
tenha concorrido salientemente para enriquecer a cultura brasileira com
insignes gramáticos (...). É tempo de o
cristianismo brasileiro evangélico ir além e concorrer para esse enriquecimento
com um escritor do porte e da fama revolucionária, eu diria também, de Euclides
da Cunha; com um poeta da grandeza de Manuel Bandeira; com um compositor que
seja outro Villa-Lobos, que componha baquianas brasileiras que sejam a
interpretação ao mesmo tempo evangélica e brasileira de Bach. Também um caricaturista ou teatrólogo
revolucionariamente evangélico que pela caricatura ou pelo teatro denuncie os
abusos dos ricos que para conservarem um privilégio de classe pretende se fazer
passar por defensores ou conservadores de tradições religiosas ou mesmo do que
se intitula às vezes, pomposa e hipocritamente, civilização cristã (...). Acompanharei desde agora com maior simpatia aquelas suas atividades cristocêntricas que
se desenvolvam em benefício do Brasil, e adaptando-se ao Brasil.
Muito bom ler seu texto e saber mais sobre o protestantismo. Parabéns.
ResponderExcluirObrigado querido.
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