Estou pensando em escrever um ensaio sobre como
Jesus lidou com as questões de pobreza e riqueza em seu ministério terreno, e
como a igreja que o seguiu também tratou do tema.
Ainda estou na fase de pesquisa. Comecei com o episódio do encontro de Jesus
com o jovem rico (passagem bem conhecida e que foi registrada nos Sinóticos em Mt 19; Mc 10 e Lc 18).
Sei que este é um tema por demais complexo e por
isso estou me detendo um pouco nessa fase da pesquisa para fundamentar algumas
conclusões. Então, como o trabalho
parece que ainda vai demorar, vou compartilhar aqui alguns apontamentos
iniciais (também na esperança de que comentários e contribuições me ajudem
nessa empreitada).
Aqui, em destaque, a citação do fraseado sobre a
dificuldade de um rico alcançar o Reino de Deus, registrado assim por Lucas
(18:25):
É mais fácil um
camelo entrar no furo de uma agulha
que um rico entrar no Reino de Deus!
Vamos lá.
Primeiro algumas análises de vocabulário da passagem, depois impressões
iniciais do texto (vou evitar, por enquanto, citações de interpretações que
tentam dar uma “ajeitada” na exegese!).
Antes, o contexto:
Jesus foi procurado por um personagem (não há
citação do nome), indiretamente reconhecido como sendo jovem e rico, e que
desejava saber o que fazer – como conquistar – para ter direito ao Reino. Diante da proposta do Mestre e da recusa do
interessado em seguir as instruções, Jesus citou a máxima que agora estudamos.
ANÁLISE DE VOCABULÁRIO –
Camelo (no grego κάμηλος e no hebraico גמל) –
animal de montaria, típico do oriente médio (não há distinção nos termos para
camelo e dromedário).
No NT Grego há seis citações do animal – todas nos sinóticos.
No AT Hebraico ocorre mais de 60 vezes, sendo a primeira em Gn 12:16.
Furo (no grego τρύπημα – variante τρῆμα
– e no
hebraico נקב)
– literalmente, um furo ou buraco. A
forma como era referida inclusive o orifício na agulha onde se passava a linha
para costura.
No NT Grego a palavra só é citada nesta passagem.
No grego moderno é usada tanto no sentido médico-cirúrgico de perfuração, como
num sentido geral. Por exemplo: no furo
que se faz para a aplicação de piercings.
Agulha (no grego βέλος, βελόνη e no
hebraico מחט)
– no léxico indica dardo, seta ou flexa.
Daí, por extensão, qualquer objeto com ponta afiada.
Aqui em Lucas é a única citação do termo nessa forma no NT Grego (em Ef 6:16 há
um termo derivado que traduzimos como dardos).
Os sinóticos Mateus e Marcos usam outra palavra grega na mesma narração – ῥαφίς
(do verbo ῥάπτω – costurar).
Os gregos modernos se referem com essa palavra ao peixe-espada.
Quanto ao verbo entrar (εἰσέρχομαι – aqui no
infinitivo aoristo ativo), o adjetivo rico (πλούσιος) e a expressão Reino
de Deus (βασιλεία
τοῦ Θεοῦ),
creio que não há muitas questões.
IMPRESSÕES INICIAIS –
O Mestre Jesus sempre foi brilhante em sua forma
de falar, ensinar e inculcar suas lições.
Aqui eu consigo compreender claramente o uso do recurso de linguagem que
chamamos de hipérbole – o exagero.
No uso desse recurso, Jesus, bem como seus
ouvintes, deveria conhecer o Talmude Babilônico que citava a expressão: “como
um elefante no fundo de uma agulha” para exemplificar algo implicitamente
impossível. Então ele deve ter adaptado o
aforismo para se referir ao camelo, o maior animal do cotidiano daquele povo.
Assim, Jesus indicou a completa incoerência entre
o enorme camelo e o pequeno furo onde passa a linha para a costura. Da mesma maneira é completamente incoerente
esperar que um rico possa conquistar o Reino de Deus.
Chega a ser loucura pensar nisso!
Mas o Reino de Deus que Jesus veio instaurar seria
um Reino de incoerências e impossibilidades, pois Deus – o Rei – é quem faz
acontecer o impossível (minha base está na citação a seguir em Lc 18:27).
(Na
imagem lá em cima,
uma gravura ilustrando a diferença entre camelo árabe e o camelo bactriano,
publicada originalmente no livro The New Student's Reference Work
de C.B. Beach em 1914
– fonte: wikipedia.org)