Não faz
muito tempo, agendei num domingo à tarde para ir dar assistência a uma pequena
congregação que nossa igreja mantém aqui perto de Aracaju. Lá não tinha pastor e aproveitaria para
celebrar a Ceia do Senhor com os irmãos.
A
reunião estava marcada para as 15 h. Cheguei
um pouco antes. Saudei a irmã que estava
na entrada do salão de culto. Fui até os
primeiros bancos. Sentei e aguardei o
início dos trabalhos.
Dali a
pouco chegou o evangelista. Cumprimentou-me
com alegria pela presença do pastor e pediu que aguardasse que logo o culto
começaria. Ele foi à frente e começou a
ajustar o equipamento de som que seria usado naquela tarde.
Sem ver
o que acontecia atrás de mim – continuei sentado bem na frente – aguardei. Tentando chegar a um mínimo aceitável de
qualidade, o evangelista continuou pelejando com a caixa de som. E o início de culto teve que esperar.
Até
que, já beirando à meia hora de atraso, finalmente o culto começou – e eu
sentado no mesmo lugar. Depois de alguns
cânticos não muito afinados, mas cantados com empolgação, e uma oração, a
palavra me foi entregue. Eu me levantei,
dei não mais que dois ou três passos, olhei o salão de frente, e só então me
dei conta do que estivera acontecendo naquela tarde:
O culto
atrasou meia hora a fim de que o microfone fosse ligado para um auditório de
oito pessoas: eu, um diácono que me acompanhava, o evangelista, sua esposa e
mais quatro irmãos – dois adolescentes e duas senhoras.
Entendi
que ali eles queriam oferecer o melhor para Deus. Mas o inusitado da situação trouxe-me à mente
algumas questões: o que a igreja tem feito consigo mesma e com o seu louvor?
Qual o nosso paradigma? E o nosso diferencial? Por que hoje celebramos culto
deste jeito? Por que chamamos isso de adoração e louvor?
Temas
como estes têm ocupado minha agenda pastoral e teológica e entendo que não há
respostas definitivas para todas as questões.
Mas tenho sugestões. E é isso que
eu quero fazer aqui: tentar apontar algumas tendências que me parecem claras no
louvor e na adoração da igreja no Brasil hoje.
Antes
de continuar, deixe-me fazer duas colocações como quem quer marcar posição. Primeiro: adoração e louvor não são
necessariamente sinônimos de música – é bem mais que isso – mas a associação é
quase inevitável. Então quando aponto
para um, respingo no outro. Segundo:
citar tendência atual não equivale a fazer juízo de valor. Não é por ser moderno que é bom ou ruim.
Bem,
vamos às tendências. Vou sugerir aqui
sete delas que me parecem suficientemente abrangentes, três sobre postura e
quatro sobre conteúdo. Cada uma delas
mereceria aprofundamentos melhores, mas vou por hora apenas propor um início de
conversa.
A
chegada do século XXI popularizou os chamados shows gospel (eita expressão esquisita!). E esta me parece uma tendência inevitável. A adoração pública deixou o ambiente
eclesiástico e ganhou às praças. Virou
show e teatro, apresentação e entretenimento.
Como
tudo na vida, tem seu lado bom e ruim. Se
por um lado, tanto livrou as igrejas dos marqueteiros (será?) como contribuiu
para divulgar a fé, o que não deixa de ser positivo (considero Fl 1:18); por
outro transformou os fieis em platéia e dissociou adoração e louvor da piedade
pessoal.
Outra
tendência, quase como extensão desta primeira, é a profissionalização dos
adoradores e louvadores (existe esta palavra?).
Para se fazer eventos de qualidade é necessário que pessoas se ocupem e
esmerem em fazê-los. E isto exige tempo,
habilidade e dedicação – daí a presença de profissionais.
Lembro
que Davi profissionalizou o culto em Jerusalém mil anos antes de Cristo, o que
deu um fantástico ganho de qualidade à adoração em Israel, daí que ter
profissionais no louvor não é necessariamente ruim. Mas também é verdade que quem trabalha para
Deus apenas por dinheiro, logo se venderá ao diabo se ele pagar melhor!
E como
estes profissionais da fé precisam ser sustentados (está na Bíblia em 1Tm
5:18), passou-se a criar uma rede de sustentação para tais: gravações, shows,
cachês, clips, contratos, e por aí vai...
E isso,
sem falar nas rádios e TVs evangélicas que divulgam estes trabalhos, mas que
têm também que se virar com a concorrência.
Ou seja, hoje temos a tendência da adoração de apelo midiático (palavra
bem pós-moderna!). É bom ter emissoras
cristãs, mas ouvir gospel music (que
mania de inglês!) dedicada à "prima da sogra do meu irmão que está ouvindo
e gosta deste cantor" é o fim...
E
quanto ao conteúdo da adoração e do louvor, que tendências posso detectar? Até
que ponto a forma influencia o conteúdo? Acompanhe mais um pouco comigo.
Quanto
ao conteúdo, o que mais tem me chamado à atenção é a tendência marcante de
canções, mensagens e orações centralizados na primeira pessoal: eu. Não é de hoje que se canta assim, minha avó
já louvava declarando: vivo feliz, pois
sou de Jesus (notadamente em primeira pessoal), mas a ênfase estava no rende-lhe sempre ardente louvor (o mais
importante deveria ser ele – o Senhor).
Hoje eu
canto, eu adoro, eu declaro, eu louvo, eu me prostro, eu sei, eu levanto minhas
mãos, eu me alegro, eu tomo posse, eu...
eu... eu... E até parece que Cristo é apenas um apêndice
nisto tudo!
Mas,
além desta adoração autocentralizada, três outros temas parecem dominar as
canções de louvor e adoração, e elas completam as tendências que cito aqui.
Já
perceberam quanto se faz citação do AT? E em língua hebraica? Também não estou
dizendo que é um erro, é uma tendência. Claro
que os textos antigos são de maneira igual parte de nossa herança de fé e não
posso esquecê-los. Mas até parece que se
tem saudade da antiga aliança e já nem lembramos que ela foi superada em Cristo
(o texto aos Hebreus no NT é exuberante em expor isto!).
Também
uma tendência bem marcante hoje é centralizar nossa fé, nossa esperança, e por
isso nosso louvor, nas bênçãos temporais de Deus – afinal nos está prometido o
melhor desta terra!
Concordo
que nenhum cristão sincero nega a esperança no porvir, mas já não se repete com
tanto entusiasmo: com Cristo vou morar no
lindo céu!
E como
última tendência que pretendo apontar, está a de se reportar às nossas batalhas
diárias com os mesmos elementos citados acima – uma coisa leva a outra. Se minha teologia ainda está no Antigo
Testamento, eu me vingo do meu inimigo e não o amo, nem oro por ele, muito
menos lhe ofereço água! Se minha conquista já deve se revelar por agora, o vinde bendito do meu Pai passa a ser
apenas discurso, e não esperança que move a vida.
Bem,
como disse lá em cima, são apenas alguns apontes sobre o louvor e a adoração na
igreja brasileira hoje e suas tendências – sugestões para início de conversa. Espero em Cristo que outros possam topar o
bate-papo e prosseguir no diálogo. Creio
que será produtivo para o Reino de Deus.
Sim,
quanto ao culto na congregação: aproveitei a oportunidade para, dispensando o microfone,
celebrar a Ceia do Senhor lembrando os primeiros cristãos que o faziam
adicionando à memória a comunhão. Foi
uma tarde abençoada para a glória de Deus.
OJB, 24/11/2013