terça-feira, 26 de agosto de 2025

QUANDO PASSAR A LUA NOVA – Amós e a Palavra Profética

 


Dizendo: quando passar a Lua Nova para vendermos o grão?
E o Sábado para abrirmos o celeiro de trigo?

(Am 8:5)

Como última das acusações proféticas, Amós denunciou a usura que estava escondida sob a observância das práticas cultuais.  A lua nova, bem como o sábado, interrompia as transações comerciais.  Os ricos comerciantes fraudulentos seguiam estritamente tais práticas, mas para o profeta isso não adiantava nada se ela – a guarda dos rituais – não fosse capaz de gerar um novo procedimento e uma nova atitude.

O povo tinha abandonado a essência da religião, estava zeloso para conservar a forma exterior: observava os descansos religiosos, mas os empregava para sonhar com mais lucros vis.  Viviam impacientes para começar o expediente de fraude com medidas falsas.  Nas palavras de J.A. Motyer, eles vendiam menos do que prometiam por um valor maior do que declaravam.  E nas transações menores, sempre ajustavam as balanças para seu próprio proveito.

Nesse caso, a falta de justiça no meio do povo sobrepujava o próprio culto.  É nesse sentido que palavra profética de condenação foi buscar na boca de Javé a referência à própria religião: chegaria o dia em que esse cultuantes sentiriam fome, não a fome de pão que eles faziam os pobres sentir, mas sim fome da Palavra de Deus (veja Am 8:11-12).  E o pior é que não encontrariam como se saciar, pois haveria de chegar fatalmente o fim dos dias de glória de Samaria e de opulência do culto narcótico.

 

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terça-feira, 19 de agosto de 2025

DESPREZO SUAS FESTAS – Amós e a Palavra Profética

 


Eu odeio e desprezo suas festas e não saboreio suas reuniões sagradas.”
(Am 5:21)

Chegou o momento em que Javé daria um “basta!” a tudo que estava ocorrendo em Israel.  O povo de Israel mantivera a forma de adoração prescrita na Lei, mas a despojara de seu valor espiritual.  O expurgo de Jeú obrigou a nação a abandonar o culto a Baal e se voltar exclusivamente a Javé, mas isso não foi suficiente para que o povo o fizesse de coração.

O profeta Amós tinha consciência que a desgraça iminente que sobreviria a Israel era consequência dos desvios na prática da justiça social do próprio povo.  Mas ele foi além na busca das reais causas de tanta desgraça em Israel: o culto a Javé havia se resumido a mero formalismo, o povo só lembrava a aliança em sua parte referente às bênçãos de Javé.  E o culto e a aliança já não traziam implicações para a vida diária de Samaria.

A religião perdera o seu valor de comunicação do ser humano com o seu Deus e a função de preservativo da sociedade, paralelamente à prática da opressão pelos ricos, ainda nas palavras de Bonora, eles viam no culto uma droga eficaz que acalmava suas consciências.  Com isso não tinham medo do julgamento divino pois este lhe seria favorável.  Eles criam que, em cumprindo os rituais, estariam longínquos os dias de ruina.  Mas, como denunciado pelo profeta, de fato se apressava o advento da violência devastadora do inimigo (veja Am 6:3).

A rejeição do culto formalístico que não estava mais em conformidade com a práxis social foi taxativa e o apelo foi claro e poético: “corra, porém, a justiça como as águas, e a retidão como um ribeiro perene” (Am 5:24).

 

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terça-feira, 12 de agosto de 2025

ODEIAM NA PORTA – Amós e a Palavra Profética

 


Odeiam aqueles que os repreendem na porta e abominam aqueles que falam corretamente.”
(Am 5:10)

A entrada da cidade era o lugar onde se reuniam os anciãos para tratar de queixas, apelos, comércio, política e lei local.   Mas, por conta da decadência moral de Israel, esse dispositivo básico da justiça e do direito estava deturpado. 

A denúncia do profeta foi contundente, pois não encobriu a injustiça que negava direitos iguais a todos.  Se Israel via a justiça como o critério das relações, e isso como uma necessidade indispensável para a própria sobrevivência do povo, a desigualdade social trazia dentro de si o germe que iria minar e fazer sucumbir toda a sociedade. 

O profeta clamou contra aqueles que aborreciam o juízo nas portas das cidades pois via aí um pecado que traria como consequência a destruição de ricos e pobres e a decadência da nação.

Segundo Antonio Bonora, no tempo de Amós o estado impunha uma determinada quantia que devia ser paga, como taxa, pela aldeia.  Quando ocorria uma assembleia local, os cidadãos se reuniam e dividiam as contribuições com o que cada um deveria pagar.  Como os juízes haviam sido “comprados” pelos ricos comerciantes e latifundiários, essa quantia era dividida de modo desigual fazendo com que a cada dia o abismo crescesse entre ricos e pobres.

Então o castigo seria inevitável: Javé deveria passar e, por conta disso, em toda praça haveria pranto no mesmo lugar onde o juízo foi aborrecido.  Se um dos principais pecados de Israel era a opressão dos pobres, o castigo seria que estes que agora oprimem haveriam de chorar pela destruição de tudo o que construíram com o suor dos oprimidos.

 

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terça-feira, 5 de agosto de 2025

VACAS DE BASÃ – Amós e a Palavra Profética

 


Ouçam esta palavra, vocês vacas de Basã ...”
(Am 4:1)

Depois de uma passagem poética quando, de maneira genérica, Amós denunciou erros e mostrou o fim das nações que cercavam Israel e Judá – terminando por denunciar também o próprio Israel – o profeta começou então as suas acusações contra os problemas específicos pelos quais passava a nação.  Assim ele foi buscar o problema nas suas causas: as intenções e pecados o próprio povo.  E para exemplificar, ele tomou o caso das mulheres israelitas a quem comparou com as vacas de Basã.

Basã era uma região a leste do Jordão famosa por suas ricas pastagens e gado nobre.  Seus touros eram fortes de aspecto (veja Sl 22:12).  Amós não estava falando somente aos “touros”, aos governantes e líderes de Israel, mas também às mulheres que com suas exigências e ambições dispendiosas, estavam levando os maridos a praticar injustiças para satisfazer seus caprichos cobiçosos de obter mais e mais luxo e poder.  Para Amós, as vacas eram o símbolo do espírito gozador das mulheres de Samaria.

Mas “jurou o Senhor Deus, pela sua santidade, que dias estão para vir sobre vós, dias em que vos levarão com anzóis, e aos que sairdes por último com anzóis de pesca (Am 4:2).

O pecado e a injustiça não ficariam impunes.  Imediatamente após a denúncia deles veio o anúncio do juízo de Deus: o aparentemente fortificado Reino de Israel estava prestes a cair, as muralhas da cidade seriam estragadas pela invasão, e pelas brechas seriam arrastadas as mulheres orgulhosas, levadas ao cativeiro, como se leva uma manada de vacas.


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terça-feira, 29 de julho de 2025

ASSIM FALA O ETERNO – Amós e a Palavra Profética

 


Assim fala o ETERNO ...”
(Am 1:3)

Em Amós começou uma nova fase no profetismo em Israel – profetismo clássico – mas essa nova fase não seria marcada por uma ruptura com as tradições espirituais da nação, mas por uma releitura, reavivamento e reaplicação dessas tradições.  Assim o que liga Amós a Moisés, Samuel e Elias que o antecederam e a Isaias, Jeremias e Ageu que o sucederam foi a relação pessoal deles com Javé, o Deus de Israel, e o apego às suas tradições mais fundamentais.

A vivíssima consciência da vocação que Amós apresentou foi fundada no fato de que Deus irrompeu em sua vida para ocupá-la e colocar em sua boca a palavra profética.  Logo: ser chamado e profetizar estariam em relação direta de causa e efeito.

O profeta enquanto escolhido restava santificado, ou seja, separado a estar numa estreita relação com Javé que se tornava assim seu Deus.  E nas palavras de Nother Fuelister, Deus é quem consagrava o profeta que, por sua vez, obtinha com isso acesso e possibilidade de visão do mundo sobrenatural e celeste, o que lhe outorgava percepção e reunião dos planos divinos.

Assim, a principal característica do profeta era sua imediateza com Deus e possuir na sua boca a palavra dele.  E em razão disso, o profeta se mostrava capaz de dar nova vida e atualidade à tradição que, sem ele, correria o risco de se fossilizar ou tornar-se insípida e irrelevante.

 

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terça-feira, 22 de julho de 2025

SEPARAÇÃO IGREJA x ESTADO – um pouco de história

 


A Reforma Protestante que chegou a Inglaterra nos séculos XVI e XVII foi provocada originalmente pela opção política do rei Henrique VIII de romper com a Igreja de Roma e assumir o controle da estrutura eclesiástica no seu país insular.  Ele não visava nenhuma questão doutrinária ou moral, pelo contrário, tinha como pano de fundo a justificativa de legitimar a quebra de seus votos conjugais.

Nesse contexto alguns sinceros cristãos ingleses entenderam que seria preciso deixar a tutela da igreja estatal inglesa e produzir uma verdadeira reforma que purificasses as congregações e seus fiéis dos erros históricos que foram acumulados, trazendo de volta a igreja a sua fidelidade primitiva. 

Entre esses cristãos estavam o ministro John Smyth e o advogado Thomas Helwys, que, num exílio na Holanda, deram início a um movimento que se entendia a partir da herança comum bíblica e do Credo Apostólico e se sentia familiarizado com as Solas postuladas pelo movimento da Reforma Protestante.  Contudo se firmaram e distinguiram por adoção de princípios gerais que os nortearam.

Entre esses princípios, é importante destacar: a suficiência das Escrituras; a liberdade de opinião; o sacerdócio universal de todos os salvos; a autonomia da igreja local; e a separação entre a igreja e o estado.

Com tais princípios gerais o grupo, que logo foi apelidado de Batistas – em referência a prática do batismo praticado por imersão – se expandiu e estruturou mantendo seus valores fundamentais.

O primeiro e principal princípio batista que nos distingue desde a origem é a intransigência quanto ao apego à Bíblia como única regra de fé e pratica.  Entre nós não há Credo preestabelecido por Concílio autorizado por poder superior, mas a Palavra de Deus nos é suficiente para estabelecer e embasar todos os nossos princípios de crença e conduta, de teologia e de ética, de doutrina e relacionamentos.

Partindo dessa compreensão bíblica, os batistas afirmaram como princípio desde a sua origem – os identificando como grupo cristão distinto – a afirmação de que cada crente em si exerce o seu sacerdócio diretamente diante de Deus com quem se relaciona também diretamente, prestando contas somente a ele como Senhor de sua vida – mesmo vivendo em comunidade eclesiástica.

Derivando também daí, afirmou-se primordialmente a liberdade de cada ser humano de expressar livremente suas mais diversas opiniões quanto às questões que tocam sua vida e sua comunidade – inclusive quanto ao tema da fé.  Em consequência, os crentes que seu reúnem em uma igreja local devem ter a autonomia suficiente para tratar, administrar e resolver suas questões locais, sem que nenhuma autoridade superior e alheia lhe determine como agir e proceder e crer.

Por extensão na defesa das liberdades individuais, como princípio fundante dos batistas sempre esteve a defesa de que a Igreja, enquanto instituição local e histórica, nunca deveria se submeter a que o rei – ou o poder político temporal – determinasse seu sistema de crenças e valores.  Nem deveria a instituição social – igreja – interferir nas decisões estatais.  Ficando cada uma a exercer seu domínio no seu campo específico.

Continuando na caminhada histórica, depois do primeiro momento europeu do grupo batista, e buscando encontrar um lugar para poder viver livremente seus princípios, parte do grupo migrou para a América do Norte.  Ali ajudou de maneira indelével na formação moral e social da nação a ponto de que alguns de seus princípios fossem incorporados como valores nacionais.

Essa influência batista, na formação dos Estados Unidos, foi tão forte – inclusive na questão das liberdades individuais e da separação da igreja e estado que foi atestada por Thomas Jefferson, um dos pais fundadores da nação.  Disse ele: “eu contemplo com reverência soberana que age de todo o povo americano, que declarou que sua legislatura deve 'fazer nenhuma lei respeitando um estabelecimento da religião, ou proibindo o seu livre exercício', assim, construindo um muro de separação entre Igreja e Estado”.

E, a partir daí, esses valores e princípios passaram a nortear todo o ocidente, onde se compreende que o estado deve se manter equidistante das questões de fé.  Inclusive no Brasil, que inseriu em sua Constituição de 1988, no seu artigo 5º – inciso VI, que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”

(Da Revista DIDASKAIA – 1º quadrimestre / 2023 – IBODANTAS)

 

terça-feira, 15 de julho de 2025

O QUE A BÍBLIA FALA SOBRE O FIM

 



Reflexão bíblica baseada na profecia do Apocalipse analisando o que o texto sagrado diz sobre o fim dos tempos e da história.


quarta-feira, 9 de julho de 2025

DECRETOS E ONISCIÊNCIA

 


A doutrina da onisciência de Deus está entre as fundamentais de nossa Teologia Cristã.  Ela precisa ser entendida em sua essência.  Mas, como em sua colocação você alinhou aos decretos divinos, vamos tentar emaranhar o assunto – talvez ajude.

Antes: a sua frase de que “Deus sabe de todas as coisas porque ELE decretou tudo” não é uma citação literal das Escrituras Bíblicas – talvez apenas por inferência.  Mas, digo logo, como método teológico, vejo dificuldade.

Quanto ao Salmo 139, é realmente uma das melhores citações quando buscamos compreender a onisciência divina.  Por isso é salutar caminhar com ele.

O poema sagrado – atribuído a Davi – é composto como uma oração, uma declaração direta afetuosa dirigida a um Deus criador, onipresente e onisciente.  É um EU buscando um TU.

Para melhor compreensão, deixe-me dividir em partes.  Em resumo: nos versos 1 a 6 há uma afirmação explícita de que o Senhor conhece todas as coisas e não há limitação para o seu saber.  Porém a compreensão dessa verdade “é grande demais para eu compreender” (Sl 139:6).

Nos versos 7 a 12 o salmista expõe sua certeza que o Senhor está em todo lugar e por isso é impossível escapar de sua presença.  Mas tal verdade não o assusta, já que em todo lugar “tua mão me guiará e tua força me susterá” (Sl 139:10).

Entre os versos 13 e 18 o poema segue reconhecendo o amor criativo de Deus.  E mais: ELE não é apenas um Criador alheio, mas alguém que me forjou “de um modo tão extraordinário” (Sl 139:14).

 

Aqui chegamos ao verso #16 –

Teus olhos me viram ainda informe,
e no teu livro estavam escritos todos os meus dias
mesmo antes de terem sido tecidos
.”
(Sl 139:16)

 

Talvez aqui esteja uma sinalização de convergência entre a onisciência de Deus e seus decretos – como você sugeriu. 

O Salmo, porém, ainda vai me levar adiante.  Nos versos seguintes, depois do reconhecimento humilde da grandiosidade divina, Davi constata que, em relação aos pensamentos e conhecimento de Deus, eu “não sou capaz de contá-los; são mais numerosos que os grãos de areia” (Sl 139:18).

Aqui, na minha compreensão do Salmo, o salmista em sua poesia se rende diante da certeza da completa impossibilidade de sequer avaliar, comparar, dimensionar ou enumerar a mente e os pensamentos divinos.  E textos como Ec 11:4, Is 55:9 e Rm 11:34 vão na mesma direção.

Temos então demarcada essa verdade bíblica: para nós humanos é impossível estabelecer um padrão, mínimo que seja, de comparação entre a mente divina e sua forma de arquitetar seus pensamentos e nossas ideias, ciências e teologias limitadas.  Cito Agostinho de Hipona – provavelmente o que melhor descreveu esse abismo:

“Em Deus não há, como em nós, a previsão do futuro, a visão do presente e a recordação do passado.  É totalmente diferente a sua maneira de conhecer, ultrapassando, muito acima e de muito longe, os nossos hábitos mentais” (in Cidade de Deus).

Voltamos à sua questão lá em cima:

Os decretos de Deus são baseados em sua onisciência?
Ou sua onisciência está baseada em seus decretos?

Numa resposta simplória eu diria que nem uma coisa nem outra.  Deus é onisciente porque é Deus e ELE é Deus porque é onisciente.    Deus promulga seus decretos porque é Deus e ELE é Deus porque promulga seus decretos. 

Assim, mesmo todos os atribuídos divinos sendo intercambiáveis entre si, ELE os administra absolutamente de acordo com a sua vontade somente, não estando subordinado a nada nem a nenhum conceito. 

E mais.  Onisciência é um atributo essencial e intrínseco de Deus (incomunicável, na linguagem teológica tradicional) e os seus decretos ELE os dá por ser “regente e governador de todas as coisas” (no fraseado de Calvino), logo pelo seu amor relacional com a humanidade.

E, para terminar, uma citação a partir do profeta Ezequiel:

 

“Quando passei por você outra vez, vi que já tinha idade de amar.  Então eu a envolvi com meu manto para cobrir sua nudez e pronunciei meus votos de casamento.  Fiz uma aliança com você, diz o Senhor Soberano, e você se tornou minha.”
(Ez 16:8).

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Ceando na intimidade com Jesus

 

Reflexão bíblica baseada na celebração da última ceia entre Jesus e seus discípulos na sala íntima, destacando o lava-pés e a disposição do Mestre em se relacionar com os seus. 


Baseado em João 13

terça-feira, 17 de junho de 2025

ELIAS E O CORVO

 


 

“Os corvos lhe traziam pão e carne de manhã e à tarde, e ele bebia água do riacho”
(1Rs 17:6 – NVT)

 

Teria o profeta Elias sido alimentado por Árabes e não por corvos na passagem de 1Rs 17:6?

A palavra em Hebraico deveria ser traduzida nesse texto como uma referência às tribos árabes que viviam por ali?

Faz sentido?

 

Numa resposta rápida: embora interessante essa sugestão, mas me parece forçar um pouco a compreensão. 

 

Entendendo.  Esse tipo de exegese, que tenta trazer uma abordagem historicista (com contornos linguísticos), algumas vezes pode enriquecer o entendimento.  Mas também – se não tomar cuidado – pode alcançar atalhos sem nexos. 

Além de que, sempre desconfio de quem se propõe a ser o portador de uma descoberta e um conhecimento único, genial e revolucionário – diferente do consenso histórico.

Quanto a passagem do livro dos Reis: a primeira citação dessa proposta de tradução/interpretação apareceu com Albert Barnes no século XIX que sugeriu serem “mercadores” os que sustentaram o profeta Elias.

 

Indo ao hebraico:

Assim está grafado o hebraico de 1Rs 17:6 na versão da Westminster Leningrad Codex:

וְהָעֹרְבִ֗ים מְבִיאִ֨ים לֹ֜ו לֶ֤חֶם וּבָשָׂר֙

E os corvos trouxeram para ele pão e carne...

 

→ A palavra em questão é ערב (aqui no plural – ערבים) que é traduzida como "corvos".

→ A palavra para "árabe" em hebraico é ערבי (que tem um plural com as mesmas consoantes: ערבים – como em 2Cr 17:11).

 

Assim, a princípio, estando no plural, caberia ao tradutor escolher a versão que melhor se encaixa no contexto!  Só que não!

 

Explorando mais a linguística. 

→ Os gregos da LXX traduziram essa passagem como: και οι κορακες εφερον αυτω...  (literalmente: e os corvos alimentaram ele...).

→ Os massoretas (que vocalizaram as consoantes do hebraico bíblico no sec. VI) pontuaram a palavra para corvo como עֹרֵב ('oreb) e para árabe עֲרָבִי ('arabiy) – permanecendo a distinção no plural.  Então, a menos que os sábios judeus massoretas estejam errados, os corvos não são árabes. 

→ Na versão desse verso em árabe nós lemos: وكانت الغربان تاتي اليه بخبز ولحم (a tradução pelo Google Translate oferece: “E os corvos lhe traziam pão e carne”).

 

E ainda resta a comparação com outras citações:

→ Em Pv 30:17 a advertência para os que zombam dos pais é que seus olhos seriam arrancados por corvos dos ribeiros (ערבי־נחל) e comidos por filhotes de águia (ambas aves de rapina).

→ Na relação dos adversários de Neemias estava um grupo de árabes (ערבים – em Ne 4:7), e não corvos.

 

Citando o episódio:

O profeta Elias, depois de enfrentar o Rei Acabe, foi encaminhado pelo próprio Altíssimo a se esconder nas bandas do Ribeiro de Querite, onde seria sustentado por corvos, que obedeceriam ao ordenamento divino.

Ali, enquanto o riacho vertia água, o profeta recebeu seu mantimento de forma miraculosa. 

Acabando a fonte de água, o Altíssimo instruiu o profeta a ir a Serepta onde daria continuidade a seu ministério.

 

Meus comentários:

Eu posso acreditar que o Deus de Elias usaria qualquer um para sustentar seu servo – inclusive mercadores árabes – e isso não seria incoerente.  Ele é soberano e faz o que quer, da forma que lhe apraz.

Mas eu devo olhar para a situação a partir do próprio profeta.  Elias, apesar de homem como nós (nas palavras de Tiago em Tg 5:17), notabilizou sua profecia por discursos e gestos radicais e extraordinários.

Elias desafiou o Rei Acabe.  Fez render o azeite da viúva e ressuscitou seu filho.  Desafiou os profetas de Baal fazendo chover fogo.  Rechaçou cinquenta soldados de Acazias novamente com fogo descido do céu.  E, finalmente, foi arrebatado num redemoinho de vento não experimentando a morte.

Realmente um homem ser alimentado por um corvo é algo bastante extraordinário – e pior ainda tendo em vista os rituais de pureza.  Mas com Elias era assim.  Ele viveu e transitou com um Deus que faz o miraculoso, o absurdo, o inesperado acontecer, pois é soberano e surpreendente.

Não faz nenhum sentido o profeta ter sido alimentado por corvos – e talvez fizesse mais sentido árabes lhe trazer pão e carne.  Mas eu prefiro seguir a leitura que meus irmãos de fé trilharam, crendo num disparate de um corvo trazendo alimento para um homem e num Deus que, por vezes, insiste em mostrar seu favor de maneira imprevisível.

 


quarta-feira, 11 de junho de 2025

FICARÃO DE FORA

Depois de ter analisado uma primeira relação de destinados ao lago de fogo (reveja no link), retomo aqui a leitura de Apocalipse com mais uma relação: os que ficarão de fora da cidade eterna.

 

Vamos agora analisar essa nova lista, e veja que alguns termos se repetem (Ap 22:15) –

 

Κύων (adj.) –
Strong's Concordance: um cachorro (universalmente desprezado no Oriente).
O texto de Paulo aos Filipenses ajuda a entender essa referência.  O apóstolo adverte a tomar cuidado com os cães – os defensores da circuncisão (em Fl 3:2).

Φάρμακος (subst.) –
Strong's Concordance: envenenador, feiticeiro, mágico.
Apenas Apocalipse usa esse termo no Novo Testamento grego (já citado em Ap 21:8).  Antes, logo após o toque da sexta trombeta, alguns ainda resistiram com suas feitiçarias (Ap 9:21).

Πόρνος (subst.) –
Strong's Concordance: fornicador, quem se prostitui, sexualmente imoral.
Também repetido de Ap 21:8.  O autor aos Hebreus contrasta a honra do casamento com as práticas adúlteras e imorais (Hb 13:4).

Φονεύς (subst.) –
Strong's Concordance: assassino (intencional e injustificado).
Outro termo repetido.  Na Carta de Pedro, a advertência apostólica foi que nenhum cristão sofra (seja retaliado) por ser matador (1Pe 4:15).

Εἰδωλολάτρης (subst.) – εἴδωλον + λατρεία = ídolo + rito.
Strong's Concordance: servidor (adorador) de uma imagem (um ídolo).
Novamente citado.  Paulo apresenta o exemplo dos filhos de Israel que sofreram por terem adorado a ídolos (1Co 10:7).

Ψευδής (adj.) – no fraseado: πᾶς φιλῶν καὶ ποιῶν ψεῦδος.
Strong's Concordance: falso, enganoso, mentiroso, não verdadeiro.
Nessa lista a expressão é mais forte e enfática: ficarão de fora todos os que amam (se afeiçoam) e praticam a mentira / falsidade.

 

Do outro lado, há os bem-aventurados e abençoados:

 

Afortunados [são] os que lavam as suas roupas.  Eles terão direito à árvore de vida e vão entrar na cidade pelos portais.
(Ap 22:14)