terça-feira, 17 de junho de 2025

ELIAS E O CORVO

 


 

“Os corvos lhe traziam pão e carne de manhã e à tarde, e ele bebia água do riacho”
(1Rs 17:6 – NVT)

 

Teria o profeta Elias sido alimentado por Árabes e não por corvos na passagem de 1Rs 17:6?

A palavra em Hebraico deveria ser traduzida nesse texto como uma referência às tribos árabes que viviam por ali?

Faz sentido?

 

Numa resposta rápida: embora interessante essa sugestão, mas me parece forçar um pouco a compreensão. 

 

Entendendo.  Esse tipo de exegese, que tenta trazer uma abordagem historicista (com contornos linguísticos), algumas vezes pode enriquecer o entendimento.  Mas também – se não tomar cuidado – pode alcançar atalhos sem nexos. 

Além de que, sempre desconfio de quem se propõe a ser o portador de uma descoberta e um conhecimento único, genial e revolucionário – diferente do consenso histórico.

Quanto a passagem do livro dos Reis: a primeira citação dessa proposta de tradução/interpretação apareceu com Albert Barnes no século XIX que sugeriu serem “mercadores” os que sustentaram o profeta Elias.

 

Indo ao hebraico:

Assim está grafado o hebraico de 1Rs 17:6 na versão da Westminster Leningrad Codex:

וְהָעֹרְבִ֗ים מְבִיאִ֨ים לֹ֜ו לֶ֤חֶם וּבָשָׂר֙

E os corvos trouxeram para ele pão e carne...

 

→ A palavra em questão é ערב (aqui no plural – ערבים) que é traduzida como "corvos".

→ A palavra para "árabe" em hebraico é ערבי (que tem um plural com as mesmas consoantes: ערבים – como em 2Cr 17:11).

 

Assim, a princípio, estando no plural, caberia ao tradutor escolher a versão que melhor se encaixa no contexto!  Só que não!

 

Explorando mais a linguística. 

→ Os gregos da LXX traduziram essa passagem como: και οι κορακες εφερον αυτω...  (literalmente: e os corvos alimentaram ele...).

→ Os massoretas (que vocalizaram as consoantes do hebraico bíblico no sec. VI) pontuaram a palavra para corvo como עֹרֵב ('oreb) e para árabe עֲרָבִי ('arabiy) – permanecendo a distinção no plural.  Então, a menos que os sábios judeus massoretas estejam errados, os corvos não são árabes. 

→ Na versão desse verso em árabe nós lemos: وكانت الغربان تاتي اليه بخبز ولحم (a tradução pelo Google Translate oferece: “E os corvos lhe traziam pão e carne”).

 

E ainda resta a comparação com outras citações:

→ Em Pv 30:17 a advertência para os que zombam dos pais é que seus olhos seriam arrancados por corvos dos ribeiros (ערבי־נחל) e comidos por filhotes de águia (ambas aves de rapina).

→ Na relação dos adversários de Neemias estava um grupo de árabes (ערבים – em Ne 4:7), e não corvos.

 

Citando o episódio:

O profeta Elias, depois de enfrentar o Rei Acabe, foi encaminhado pelo próprio Altíssimo a se esconder nas bandas do Ribeiro de Querite, onde seria sustentado por corvos, que obedeceriam ao ordenamento divino.

Ali, enquanto o riacho vertia água, o profeta recebeu seu mantimento de forma miraculosa. 

Acabando a fonte de água, o Altíssimo instruiu o profeta a ir a Serepta onde daria continuidade a seu ministério.

 

Meus comentários:

Eu posso acreditar que o Deus de Elias usaria qualquer um para sustentar seu servo – inclusive mercadores árabes – e isso não seria incoerente.  Ele é soberano e faz o que quer, da forma que lhe apraz.

Mas eu devo olhar para a situação a partir do próprio profeta.  Elias, apesar de homem como nós (nas palavras de Tiago em Tg 5:17), notabilizou sua profecia por discursos e gestos radicais e extraordinários.

Elias desafiou o Rei Acabe.  Fez render o azeite da viúva e ressuscitou seu filho.  Desafiou os profetas de Baal fazendo chover fogo.  Rechaçou cinquenta soldados de Acazias novamente com fogo descido do céu.  E, finalmente, foi arrebatado num redemoinho de vento não experimentando a morte.

Realmente um homem ser alimentado por um corvo é algo bastante extraordinário – e pior ainda tendo em vista os rituais de pureza.  Mas com Elias era assim.  Ele viveu e transitou com um Deus que faz o miraculoso, o absurdo, o inesperado acontecer, pois é soberano e surpreendente.

Não faz nenhum sentido o profeta ter sido alimentado por corvos – e talvez fizesse mais sentido árabes lhe trazer pão e carne.  Mas eu prefiro seguir a leitura que meus irmãos de fé trilharam, crendo num disparate de um corvo trazendo alimento para um homem e num Deus que, por vezes, insiste em mostrar seu favor de maneira imprevisível.

 


quarta-feira, 11 de junho de 2025

FICARÃO DE FORA

Depois de ter analisado uma primeira relação de destinados ao lago de fogo (reveja no link), retomo aqui a leitura de Apocalipse com mais uma relação: os que ficarão de fora da cidade eterna.

 

Vamos agora analisar essa nova lista, e veja que alguns termos se repetem (Ap 22:15) –

 

Κύων (adj.) –
Strong's Concordance: um cachorro (universalmente desprezado no Oriente).
O texto de Paulo aos Filipenses ajuda a entender essa referência.  O apóstolo adverte a tomar cuidado com os cães – os defensores da circuncisão (em Fl 3:2).

Φάρμακος (subst.) –
Strong's Concordance: envenenador, feiticeiro, mágico.
Apenas Apocalipse usa esse termo no Novo Testamento grego (já citado em Ap 21:8).  Antes, logo após o toque da sexta trombeta, alguns ainda resistiram com suas feitiçarias (Ap 9:21).

Πόρνος (subst.) –
Strong's Concordance: fornicador, quem se prostitui, sexualmente imoral.
Também repetido de Ap 21:8.  O autor aos Hebreus contrasta a honra do casamento com as práticas adúlteras e imorais (Hb 13:4).

Φονεύς (subst.) –
Strong's Concordance: assassino (intencional e injustificado).
Outro termo repetido.  Na Carta de Pedro, a advertência apostólica foi que nenhum cristão sofra (seja retaliado) por ser matador (1Pe 4:15).

Εἰδωλολάτρης (subst.) – εἴδωλον + λατρεία = ídolo + rito.
Strong's Concordance: servidor (adorador) de uma imagem (um ídolo).
Novamente citado.  Paulo apresenta o exemplo dos filhos de Israel que sofreram por terem adorado a ídolos (1Co 10:7).

Ψευδής (adj.) – no fraseado: πᾶς φιλῶν καὶ ποιῶν ψεῦδος.
Strong's Concordance: falso, enganoso, mentiroso, não verdadeiro.
Nessa lista a expressão é mais forte e enfática: ficarão de fora todos os que amam (se afeiçoam) e praticam a mentira / falsidade.

 

Do outro lado, há os bem-aventurados e abençoados:

 

Afortunados [são] os que lavam as suas roupas.  Eles terão direito à árvore de vida e vão entrar na cidade pelos portais.
(Ap 22:14)

 

quarta-feira, 4 de junho de 2025

DESTINADOS AO LAGO DE FOGO

  


Na visão final do Apocalipse (capítulos 21 e 22), entre as descrições gloriosas do céu, há uma lista que dos que estão destinados ao lago de fogo e enxofre.

Vamos analisar essa lista (Ap 21:8) –

 

Δειλός (adj.) –
Strong's Concordance: covarde, tímido, medroso. 
O termo também aparece em Mt 8:26 quando Jesus critica seus discípulos por estarem com medo da tempestade.

Ἄπιστος (adj.) – α + πιστός = não + fé.
Strong's Concordance: incrédulo, não crente, não cristão.
Lucas usa esse termo para citar a repreensão de Jesus aos discípulos que não conseguiram exorcizar o espírito de um garoto (em Lc 9:41).

Βδελύσσομαι (verbo) – aqui na forma do particípio perfeito: ἐβδελυγμένοις
Strong's Concordance: Eu abomino, detesto, detesto.
Esse termo só aparece aqui em Apocalipse e na Carta aos Romanos, quando Paulo o usa se referindo a alguém que abomina os ídolos.

Φονεύς (subst.) –
Strong's Concordance: assassino (intencional e injustificado).
No discurso de Estêvão, ele acusa o povo judeu de ser assassino de profetas (em At 7:52).

Πόρνος (subst.) –
Strong's Concordance: fornicador, quem se prostitui, sexualmente imoral.
Aos Efésios, o apóstolo afirma que nenhum promíscuo herdará o Reino de Cristo (Ef 5:5).

Φάρμακος (subst.) –
Strong's Concordance: envenenador, feiticeiro, mágico.
Apenas Apocalipse usa esse termo no Novo Testamento grego.  Logo após o toque da sexta trombeta, alguns ainda resistiram com suas feitiçarias (Ap 9:21).

Εἰδωλολάτρης (subst.) – εἴδωλον + λατρεία = ídolo + rito.
Strong's Concordance: servidor (adorador) de uma imagem (um ídolo).
Aos Coríntios, Paulo exorta a não se associar a pessoas que são adoradores de ídolos (1Co 5:10-11).

Ψευδής (adj.) – no fraseado: πᾶσιν τοῖς ψευδέσιν.
Strong's Concordance: falso, enganoso, mentiroso, não verdadeiro.
Ainda em Apocalipse – na Carta à Igreja em Éfeso – a igreja é elogiada por detectar e não tolerar os apóstolos falsos / mentirosos (Ap 2:2).

 

No texto da Revelação, a parte destes é no lago de fogo e enxofre, que é a segunda morte (τὸ μέρος αὐτῶν ἐν τῇ λίμνῃ τῇ καιομένῃ πυρὶ καὶ θείῳ, ὅ ἐστιν ὁ θάνατος ὁ δεύτερος).

 

terça-feira, 27 de maio de 2025

A CATEDRAL

 


Um dia desses a minha tia me mandou um vídeo sobre como a arquitetura dos templos atuais tem se parecido com shoppings centers.  Gostei.  E, de saída, muitas linhas de pensamento começaram a se emaranhar.

Mas, antes, deixe-me dar os devidos créditos.  Fui procurar e achei, nas redes sociais, a postagem da Mariane Santana (@marianecsantana) de 25/04 na qual ela se refere à "arquitetura religiosa na sociedade do desempenho".

Puxei um fio de pensamento e, a partir dele, segui desenvolvendo de um ponto a outro, de uma ideia a outra, de um conceito a outro.

 

Historicamente o nosso Cristianismo sempre se mostrou aberto a dialogar com a sociedade e o mundo ao seu redor.  Aprendeu com o Mestre Jesus!  E esse diálogo tanto lhe trouxe benefícios como prejuízos – a questão não seria essa. 

Paulo, no NT, chegou a Atenas e se propôs a falar do "Deus desconhecido" (confira At 17:23).

Daí, chegando ao filosófico mundo helênico, os pais da igreja produziram boas reflexões.

No oriente, a fé cristã se revestiu de sua mística própria.

Durante o medievo europeu, o estudo ficou confinado aos mosteiros enquanto o populacho laico deu vez e voz ao sincretismo de fetiche.

Já quando o iluminismo varreu as ideias do velho continente, pensadores protestantes enriqueceram o colóquio com suas ponderações.

E por aí se foi...

 

Aqui o fio me trouxe de volta ao tema original: esses templos de hoje travestidos de shoppings e que são projetados "para facilitar o fluxo de capital".

É o diálogo cristão com a sociedade na sua pior versão.

Se Mamom é o deus dessa era capitalista em que o ganho e acúmulo requer para si a primazia da adoração, uma igreja que se submete à sua doutrina não pode estar servindo ao Deus cristão (essa é a lógica explícita de Jesus em Mt 6:24 / Lc 16:13).

Ou se adora ao Deus da cruz ou se adora ao deus do shopping.  Ou se busca o Reino de Deus ou se busca capital.  Os dois não são servidos juntos.

 

Então o fio me levou mais adiante (ou lá para traz).  E lembrei como me senti impactado quando tive a oportunidade de conhecer a Catedral de Colônia (isso já vão mais de vinte anos).  Confesso: sua arquitetura, como arte cristã, mexeu comigo.

 

Parêntese 1.  Já escrevi sobre o que é arte.  Está aqui no Escrevinhando (link).

Parêntese 2.  Sei que tenho uma foto minha lá na Catedral, mas por hora não achei, então resolvi ilustrar com uma imagem que colhi no pixabay.com.

 

Voltando à Catedral.

Sobre os detalhes históricos e de arquitetura não vejo necessidade de apontar.  Não tenho a técnica necessária e sei que na Internet estão disponíveis as informações.

 

Aquela Catedral gótica atraiu-me ao espírito de mistério e transcendência (e aqui sim transito em chão conhecido). 

O culto é "um momento cristão de celebração festiva, e também de reflexão, contrição e dedicação, porém, principalmente, um momento de encontro com Cristo" (do livro “DE ADÃO ATÉ HOJE – Um estudo do Culto Cristão”).

E a arquitetura de nossos templos deve representar o solo sagrado – ainda que nosso Deus não habite em "templos feitos por mãos de homens" (citado por Estêvão em At 7:48 e repetido por Paulo em At 17:24).

A Catedral cristã com seu pé direito amplo, seus vitrais coloridos, suas sombras desfocadas, sua torre apontando para o alto apresentou-se a mim como um convite ao silêncio respeitoso e à reverência solene diante do Deus Altíssimo que se revela graciosamente ao ser humano em sua pequenez insignificante.

Ali eu fui atraído à adoração humilde ao que nos convida a receber de sua graça "sem dinheiro e sem preço" (leio assim em Is 55:1).

E parece até que daria para ouvir um Oratório de Bach ao fundo (para mim: a trilha sonora perfeita para contrição e adoração).

 

Parêntese final.  O livro DE ADÃOATÉ HOJE – Um estudo do Culto Cristão está disponível no Amazonlink).

 

terça-feira, 20 de maio de 2025

CRISTO RESSUSCITOU – segundo as Escrituras

 


A sua pergunta é boa e merece uma reflexão mais acurada.  Vamos a ela.

 

Começando pelo segundo questionamento:

Quando Paulo escreveu aos Coríntios já começava a haver alguma tradição cristã específica, mas os Evangelhos escritos só surgiriam depois.

De acordo com os melhores estudiosos, a Primeira Carta aos Coríntios foi escrita em Éfeso por volta do ano 55 e o Evangelho mais antigo – Marcos – só apareceu depois do ano 64 (quase uma década depois).

Então o apóstolo não estava se referindo a Escrituras Evangélicas. 

 

Sobre o texto aos Coríntios propriamente, o apóstolo escreveu para aquela igreja que era rica em dons (veja 1Co 1:7), mas fraca e problemática em questões de doutrina e precisava de repreensão em diversas áreas (considere 1Co 4:14).  Inclusive no tema da ressurreição (que ele vai tratar no final da epístola).

 

Voltando ao tema, quanto à passagem, resta-nos a segunda opção: nas profecias do AT.  E aqui reside a dificuldade, já que não há um versículo explícito sobre a ressurreição – como há sobre o nascimento (Is 9:6) e sobre a morte (Is 55:3). 

 

Vamos caminhar um pouco para entender as bases apostólicas. 

 

Os primeiros cristãos fizeram de maneira consciente e explícita uma leitura (boa exegese!) nos textos antigos.  Eles leram as profecias do advento como apontando para Cristo (observe Mq 5:2 em Mt 2:5); e, da mesma forma, as passagens dos Salmos reais foram aplicadas à Jesus (como o Sl 110:1 em Hb 1:13).

Foi com essa exegese que se chegou à ressurreição.  Pedro, no discurso inaugural por ocasião de Pentecostes, citou literalmente o Sl 16:10 aplicando-o a Jesus que não teve seu corpo decomposto, mas que Deus o ressuscitou (o discurso está em At 2 e o verso da citação é o 27).

E mais.  O próprio apóstolo Paulo fez referência a essa passagem das Escrituras quando do seu discurso na Sinagoga de Antioquia (leia em At 13:29-37).

Essa compreensão passou então para a igreja primitiva e logo cedo a doutrina da ressurreição foi compreendida como o cumprimento das Escrituras antigas. 

Assim, tudo leva a compreender que, aos Coríntios, Paulo estava citando essa interpretação das Escrituras – que os cristãos de Corinto já deveriam conhecer e crer, mas que ainda era motivo de ignorância e descrença (veja 1Co 15:1 e 34).

 

A certeza da ressurreição foi tema central da crença da igreja primitiva e da pregação dos cristãos originais.  E Paulo a considerou como destaque inegociável de sua fé – não hesitou diante dos sábios atenienses (em At 17:30-31) e destacou como base de nossa doutrina, prática e esperança:

 

"O Deus que ressuscitou o Senhor é o mesmo que haverá de nos ressuscitar
pelo seu poder."

(1Co 6:14).

 

terça-feira, 13 de maio de 2025

POR QUE CONHECER ESCATOLOGIA?

 


No final de seu ministério terreno, Jesus ocupou boa parte de seu tempo instruindo seus discípulos sobre os acontecimentos do fim (o evangelista Mateus registra nos capítulos 24 e 25).  O Mestre entendeu que seria importante seus seguidores conhecerem sobre o tema.

Não se tratava de alarmismo, ou curiosidade aleatória, ou teorias de conspirações, ou terrorismo de catástrofe, nem nada parecido.

 

Vamos antes conhecer o contexto evangélico onde o discurso escatológico aconteceu – isso ajuda a entender suas palavras:

Jesus estava com seus discípulos diante da imponência das construções do Templo em Jerusalém e chamou a atenção para o fato de que nada naquilo era eterno:

 

— De forma alguma aqui não será deixada pedra em cima de pedra que não venha a ser demolida (Mt 24:2).  

 

Aquelas palavras ficaram na mente dos discípulos, e quando, mais tarde, Jesus sentou-se para conversar com eles, a curiosidade veio à tona:

 

— Diga-nos, quando acontecerão essas coisas?  E qual será o sinal da sua vinda e do fim dos tempos? (Mt 24:3).

 

Aqui começaram as instruções do Mestre sobre o fim (aquilo que hoje chamamos de Escatologia).  Então, por que, para Jesus se ocupou em falar sobre o fim das coisas?  Por que isso seria importante?  Por que conhecer Escatologia?

 

As únicas respostas confiáveis a questões como essas são as que teremos a partir da compreensão das palavras sagradas e do próprio Cristo.

 

Em primeiro lugar é importante conhecer Escatologia e os assuntos do fim porque a eternidade pertence exclusivamente a Deus (lembro o Sl 90:2).  Logo, por mais imponentes e firmes que sejam nossas construções – inclusive nossas convicções religiosas e intelectuais – o fim vai acontecer.  É certo que céus e terra terão fim, eles passarão.  Apenas as palavras do Cristo são eternas (considere Mt 24:35).

E, seguindo na mesma linha, as coisas e ideias do tempo presente podem até parecer estáveis, mas as aparências enganam.  Mesmo alguns se apresentando e fingindo ser o Messias e ter uma interpretação das palavras divinas, a advertência é clara: “não deixem que ninguém engane vocês” (em Mt 24:4).

 

Também é necessário conhecer Escatologia para não se confundir com as narrativas e sinalizações que são anunciadas como sendo interpretações fatalistas de profecias – e nem se assustar com elas (reconheça a palavra profética de Jr 29:11).  Sobre essa atitude frente ao fim, a recomendação do Mestre é consoladora: “não fique aperreado” (em Mt 24:6).

É certo que, especificamente, Jesus falou sobre tempos de guerras e ameaças, fomes e terremotos, prisão e perseguição e o esfriamento do amor.  A verdade, porém, a se atentar é que isso ainda não é o fim (some as palavras explícitas do Mt 24:6 com as do verso 8 logo adiante).

 

Ainda é essencial conhecer os temas do fim e da Escatologia a fim de estar preparado para quando ele chegar.  O ponto aqui não é prever quando tais e quais coisas vão acontecer e nem as suas sequências, afinal sobre calendários, agendas e cronologias é algo que somente o próprio Deus tem domínio e conhecimento (nas palavras de Jesus em Mt 24:36 em consonância a Dt 29:29).

A parábola das dez virgens contada por Jesus nesse mesmo contexto conclui com uma advertência direta sobre a exigência de estar preparado e vigilante mesmo não sabendo nem o dia nem hora da volta (a narrativa da parábola está em Mt 25 e o verso em destaque é o 13 – e também olhe 24:42-44).

 

O mais significativo, contudo, em se conhecer sobre os estudos de Escatologia é manter a confiança de que, qualquer que seja o desfecho dos acontecimentos do fim, Deus ainda está no controle da história, da igreja e de todas as coisas.  Quando da visão do Apocalipse, após ser anunciado que ELE vem, o próprio Senhor se apresenta como o Todo-Poderoso (em Ap 1:8).  E mais adiante com o livro em mãos ELE é reconhecido como o único digno de o abrir e fazer a história acontecer (em Ap 5:1-5).

 

Sim.  Conhecemos Escatologia por que reconhecemos o Senhorio régio de Cristo e o anunciamos como as suas Boas-novas de amor a todas as nações – e isso é nossa expectativa de sua chegada (nas palavras do Mestre em Mt 24:14 e instruído pelo apostolo como marca de nossas celebrações em 1Co 11:26).

 

quarta-feira, 23 de abril de 2025

SOBRE A EXPIAÇÃO LIMITADA

  


Em primeiro lugar, é complicado falar em “perspectiva batista” quando se trata de qualquer assunto – inclusive teológico.  Um dos nossos postulados principais e mais caros é a nossa liberdade em Cristo para interpretar a Palavra e elaborar nossas formulações teológicas – guiados pelo Espírito Santo.

 

Nunca houve um pensamento unívoco entre os Batistas.  Sendo assim, há Batistas calvinistas, há Batistas arminianos, há Batistas liberais, há Batistas conservadores, há Batistas no domingo, há Batistas no sábado, há Batistas milenaristas, há Batistas amilenistas ... e por aí vai ...

O importante é que mantemos nossa capacidade de divergir e continuar amando e cooperando.

 

Sobre o tema especifico, fui dar uma busca em documentos históricos e oficiais de nossa Convenção e achei pouca coisa – ou quase nada – explícito sobre a “expiação limitada”.

→ Na Confissão de Fé Batista de 1689 (no Capítulo XI) confessamos que “aqueles a quem Deus chama eficazmente, Ele também livremente justifica, não por meio da infusão de justiça neles, mas por perdoar os seus pecados e por considerar e aceitar as suas pessoas como justos”.  Ou seja, não trata diretamente do tema do ato de expiação, mas da justificação que é operada por Cristo.

→ Na Declaração Doutrinária da CBB, também nada é encontrado de modo explícito sobre a expiação.

(Opinião pessoal: penso que por não haver unanimidade, optou-se por declarações genéricas!)

→ Procurei por outras publicações e, em geral, só quem trata especificamente do tema são os autores de linha calvinista.  No mais, o assunto é abordado como parte da doutrina da salvação.

 

Mas sugiro duas leituras rápidas que talvez possam ajudar:

* O Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho publicou uma palestra sobre os Grandes Princípios Batistas, e entre eles, apontou “A Segurança Eterna dos Salvos” (link).

* Respondendo a um outro questionamento que me foi feito, eu analisei sobre os Batistas, Calvinistas e a Doutrina de Deus (link).

 

Ainda:  entendendo o termo –

Segundo o dicionário: expiação é o ato de purificação de crimes ou sofrimento compensatório de culpa.

Sobre a doutrina da “expiação limitada”, ela é de base calvinista e prega que a morte de Jesus foi de efeito limitado apenas aos eleitos – ou seja, aos predestinados.  Porém, como é defendida hoje, não está nos textos originais de Calvino, mas foi elaborada no Sínodo de Dort (1618-19) e tida como uma doutrina do Hipercalvinismo.

Ou seja, o próprio Calvino não tratou do alcance da obra salvífica do Calvário, mas apenas daqueles que efetivamente seriam salvos.  Mas seus seguidores esticaram suas ideias afirmando a incapacidade e ineficácia da expiação para alguns.

 

Em contrapartida a essa posição radical de que a obra da Cruz só pode alcançar alguns e que o próprio Deus não teria interesse em redimir e expiar a culpa de todos os seres humanos eu posso citar o texto sagrado:

 

+ Começo citando o Evangelho de João já no prólogo em que o texto fala que o objetivo do Batista foi dar testemunho da LUZ a fim de que todos cressem (Jo 1:7). E ainda que a todos os que creram foi-lhes dado o direito de virem a ser filhos de Deus (Jo 1:12).

 

+ No clássico Jo 3:16 que sabemos de cor, recitamos que “... todo aquele que não pereça, mas tenha a vida eterna”.  Aqui o verso seguinte ajuda na compreensão: “Deus enviou o Filho ao mundo não para julgá-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3:17).

Pela minha exegese, o argumento de Jesus exposto a Nicodemos é de que a missão do Filho não seria de julgar ou condenar o mundo, mas de que este (o mundo todo) pudesse ser alcançado e salvo.

 

E lendo a partir do próprio Calvino:

+  Comentando o texto de Mt 23:37 onde Jesus diz que “quis reunir os teus filhos”, o teólogo genebrino observou que Deus “chama todos os homens indiscriminadamente para a salvação” e que ele “deseja reunir tudo para si mesmo”.

+ Também comentando o texto de Rm 3:22-23, ainda Calvino declarou que Cristo “é oferecido a todos”.  Sobre esse mesmo texto, o congolês D.M. Kasali afirma: “por causa de uma condenação universal, faz-se necessária uma justiça universal que só pode ser obtida por meio da fé em Jesus Cristo” (CBA – grifos meus).

 

terça-feira, 15 de abril de 2025

A CRUZ ESQUECIDA



Dia desses, mexendo num quarto de depósito em casa, eu me deparei com uma velha cruz de madeira, empoeirada e esquecida em meio a outras tantas coisas empilhadas.

Estava procurando algo que depois nem foi mais importante e vi uma ponta da madeira.  A princípio nem percebi do que se tratava, mas, depois, tirando outros itens amontoados de cima, pude vê-la ali.

(A foto está aí para registrar o achado)

Foi fácil então lembrar sua história: aquela cruz de madeira me serviu para uma decoração por ocasião da Páscoa há alguns anos.

Mas o tempo passou e a cruz foi para o depósito. E ali ficou esquecida...

 

Obviamente as engrenagens teológicas de minha mente começaram a se mover!  E enquanto se moviam, quase que por intuição, comecei a cantarolar uma velha canção (é tremendo o poder das antigas melodias):

 

Sim, eu amo a mensagem da cruz
Até morrer eu a vou proclamar
Levarei eu também minha cruz
Até por uma coroa trocar.

 

Uma cruz esquecida! Um paradigma da vida cristã!  Pode ser!

 

Que a cruz é símbolo cristão, hoje não restam dúvidas. E por falar nisso, em 2016 eu escrevi uma reflexão sobre o sinal da cruz na qual eu enfatizei:

 

"A cruz nos identificou, demarcou nossos espaços sagrados, deu-nos sentido histórico e esperança escatológica.  A cruz nos fez o que somos: cristãos."

(Esse texto está no meu livro "Parábola das Coisas".)

 

As engrenagens teológicas continuaram girando...

 

Talvez no começo de nossa caminhada cristã, ou quando algo reacendeu o pavio espiritual, tenhamos atentado para o madeiro do Calvário com significativo olhar de gratidão por ser ele o lugar onde minha maldição foi cravada, minha vergonha exposta e meu pecado perdoado (considere Gl 3:13; Hb 13:13; 1Pe 2:24).

Mas a agenda cheia – inclusive e principalmente eclesiástica –; as prioridades e urgências acumuladas; e talvez o pior de tudo, o desgaste do memorial transformado em rito pelo rito (leio com perplexidade a reprimenda à Igreja de Éfeso em Ap 2:4-5); tudo isso tenha levado a cruz para um depósito empoeirado de minha vida e existência cristã.

Eu sabia que ela estava lá, fui eu mesmo que a pus ali.  Só que, de verdade, eu nem mais pensava nela.  Ela estava esquecida, guardada, entulhada.

E assim tem sido o Cristianismo da cruz esquecida.  A cruz sempre estará lá – mas no depósito do fundo.  Ela teve seu papel e momento na história – mas foi deixada sob outras quinquilharias religiosas.  A cruz já não é nossa referência – ficou guardada.

Negar-se a si mesmo e tornar a cruz teve de ceder a primazia a outras agendas.

 

É aqui que o apóstolo Paulo nos desafia insistentemente:

 

"Para mim, porém, que nada me venha a ser motivo de orgulho, somente a cruz do Nosso Senhor Jesus Cristo; pois foi nessa cruz que o mundo foi crucificado para mim, e eu para ele" (Gl 6:14).

 

E quanto à cruz esquecida no meu depósito?  Esse ano pretendo tirá-la de lá e trazê-la de volta para a porta de entrada de minha sala principal.

 

Antes de finalizar: algumas sugestões de leituras pascais:

 

Sobre a vergonha da cruz – O VITUPÉRIO DE CRISTO link

Sobre a preparação – TEMPO DE QUARESMAlink

Sobre minha relação com a cruz – EU MATEI JESUSlink

 Sobre o Getsêmani – NO JARDIM DO GETSÊMANI – link

 

No YouTube, para ouvir mensagens sobre a Páscoa e a vitória sobre a morte:

 

QUANDO TERMINOU OSÁBADOlink

JESUS DESEJOU COMERlink

 HÁ UM MOMENTO PARA ESTAR SÓ – link