terça-feira, 25 de novembro de 2025

QUEM ADORA NO APOCALIPSE?



O Salmo 150 diz: “Tudo o que tem vida louve o Senhor” (Sl 150:6).  Também o hino cristológico conclui afirmando que diante do nome de Jesus “se dobre todo o joelho” e que “toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor” (Fl 2:9-10).  Em ambos os casos, contudo, embora sejam verdades bíblicas, não expressam o conceito de adoração conforme pode ser lido no Apocalipse.  Tanto no Salmo como no texto paulino o conceito mais apropriado seria de louvor.  Neles, nos textos citados, bem como em outros da Bíblia, o conceito é de elogio e reconhecimento dos atributos superiores de Deus em relação aos seres criados, mas não de adoração ou prostração submissa e voluntária diante da dignidade divina.

No Apocalipse, o louvor e a glória são apenas parte da adoração prestada a Deus (conforme Ap 7:12), atitude para a qual são convocados todos os servos do Senhor, tanto pequenos como grandes (conforme Ap 19:5).

A adoração completa, relatada em Apocalipse não é, entretanto, apenas pronunciada ou expressa com fórmulas, cânticos ou liturgias, e nem de maneira indistinta.  No Apocalipse, a adoração conclui o conceito de que somente os que podem comparecer diante do trono eterno podem manifestar a verdadeira e final adoração requerida pelo Cordeiro que é digno.

Mas quem são eles?  Na linguagem apocalíptica eles são indicados pelos 24 anciãos e pelos quatro seres viventes (conforme Ap 4:4 e 6; 5:8 e 14 e 19:4).  Quanto a identificação dos anciãos, Onesimus Ngundu no Comentário Bíblico Africano oferece uma sugestão:

Os vinte e quatro anciãos (4:4) provavelmente representam o povo de Deus, simbolizados pelas doze tribos de Israel e pelos doze apóstolos.  Os leitores judeus talvez ainda lembrassem as vinte e quatro ordens levíticas nomeadas para profetizar e louvar no templo (1Cr 25).

E quanto a identificação dos seres viventes, conclui:

As quatro formas sugerem que tudo o que há mais de nobre, forte, sábio e veloz no mundo natural, inclusive a humanidade, está representado diante do trono, participando do cumprimento da vontade divina e adorando a majestade de Deus.

Contudo deve-se destacar que não há uma identificação precisa ou exata dos que adoram.  No Apocalipse tais empreendimentos sempre serão incertos e estarão sujeitos a variáveis interpretativas.  Identificá-los enquanto personagens históricos – ou escatológicos – não permitirá uma compreensão bíblica de quem são e de que implicações está imbuída sua adoração.

Em toda a narrativa da visão do Apocalipse os que adoram são o que, tendo vindo das agruras da vida e vencido pelo sangue do Cordeiro – com as vestes brancas – agora podem servir ao Senhor continuamente (grego: λατρεύουσιν αὐτῷ ἡμέρας καὶ νυκτὸ – Ap 7:14-15).

Mas há um gesto ainda mais significativo que representa a atitude de adoração e indica quem verdadeiramente adora no Apocalipse.  No primeiro relato que o vidente faz depois das cartas (Ap 4), ele registra que os vinte e quatro anciãos se prostraram (grego: πεσοῦνται – literalmente: caíram) diante do que se encontra no trono e lançaram suas coroas (grego: βαλοῦσιν).  E então eles declaram: “Santo, Santo, Santo”; e “tu és digno”.  Ou seja, abrindo mãos de suas próprias coroas, eles estão por toda a eternidade se rendendo e se submetendo a quem pertence verdadeiramente toda glória honra e louvor (Ap 4:8-11).

Assim, Apocalipse demonstra o conceito mais amplo de toda a Bíblia de que, nas palavras de Ngundu, “a adoração não consiste apenas em palavras.  Pode ser expressa de várias maneiras, desde que seu ponto focal seja o culto a Deus e o reconhecimento de seu senhorio absoluto”.

 

 


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quarta-feira, 19 de novembro de 2025

NIETZSCHE E O SER HUMANO

 


O primeiro livro de Nietzsche que tive acesso para ler foi “Assim falava Zaratustra”, ainda na década de 1980.  E, de lá, recolhi uma das melhores definições do ser humano fora da tradição cristã.

 

O homem é uma corda estendida entre o animal e o Super-Homem: uma corda sobre o abismo; perigosa travessia, perigoso caminhar, perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar.

O grande do homem é ele ser uma ponte e não uma meta; o que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um acabamento.

Só para citar:

O prussiano FW Nietzsche (1844-1900) talvez seja o nome que maior rejeição tem recebido entre cristãos conservadores.  Seus pensamentos radicais, sua filosofia quase anárquica e suas críticas contumazes à sociedade europeia que conheceu no século XIX fez dele um dos mais relevantes pensadores da modernidade.

Sobre o livro citado, o título em alemão é “Also sprach Zarathustra: Ein Buch für Alle und Keinen”.  Ele foi escrito entre os anos de 1883 e 1885 e segue as publicações do autor apresentando os temas principais de seu pensamento: a crítica da sociedade científica de seu tempo, o niilismo, a vontade de potência, a recorrência eterna (ciclo infinito da vida), e o além-do-homem.

E, sem pretender ser advogado do pensamento nietzschiano, quero apenas refletir sobre quem é o ser humano a partir da citação – como disse: uma das melhores definições do ser humano fora da tradição cristã.

É certo que qualquer definição que se proponha cientifica do ser humano é, no mínimo, imprecisa: a começar pela pretensa objetivação do método cientifico.  — Como posso ser objetivo em relação a mim mesmo?

Nietzsche fugiu dessa cilada.  Os rigores científicos tão em voga em sua época nunca foram seus métodos, nem lhe forneceram contornos.  Assim como ele criticou as pretensões na religião institucionalizada que conheceu no século XIX, ele igualmente criticou as ciências como expressão isenta da realidade (ele considerava apenas mais um dogma substituindo a religião!).

Assim, o filósofo abandonou a objetividade e buscou olhar o humano como um ser em passagem, em travessia, nunca um ser pronto, acabado.  Dessa forma, em constantes contradições e incoerências.

Nós humanos já não mais somos ordenados apenas pela nossa biologia (não mais um animal).  Uma marca indiscutível da humanidade é nossa capacidade de não se limitar aos instintos, aos domínios da natureza pura – para o bem e para o mal.  O nosso corpo físico nunca é nossa definição e limite.

Por outro lado, ainda não alcançamos a totalização de nossa competência (nem no século XIX quando Nietzsche escreveu, nem ainda nesse século XXI).  Esse potencial humano foi o que ele chamou em alemão de Übermensch, literalmente "além-do-homem", normalmente traduzido como "super-homem”.  O desenvolvimento dos seus próprios valores e autonomias, sem as amarras das instituições religiosas ou da moral científica.

Então, como continuamos apenas uma corda, um projeto, uma possibilidade; perigosa transição e travessia sobre a qual temos que trafegar nessa vida.

Ora, sem mais poder se apegar ao ponto de partida animal, nem ter completado todo o projeto, resta ao seu humano, na perspectiva nietzschiana, a possibilidade do vazio – do nada – do niilismo.

E aqui eu proponho o contraponto da poesia bíblica:

 

SALMO 8

 

Javé, nosso Senhor,
como é nobre o teu nome sobre a terra toda!
Tu que puseste tua imponência acima dos céus.

 

A partir de bocas infantis e daquelas que ainda amamentam
comandaste a força,
Para que teus cruéis inimigos fiquem em silêncio.

 

Enquanto me encanto com o firmamento, arte dos teus dedos,
a lua e a estrelas que desenhaste,

eu me questiono: que há na humanidade
para que possas lhe dar atenção?
E em um indivíduo para que te importes?

 

Porém a verdade é que os fizeste apenas pouco aquém da divindade,
e de glória e honra os adornaste.

 

Tu lhes atribuíste poder régio sobre o trabalho de tuas mãos,
calcando tudo aos seus pés:

 

Para demandarem sobre todo gado miúdo e graúdo,
bem com sobre todas as bestas dos campos,

 

Sobre as aves nos ares,
sobre os peixes nas águas e sobre toda vida que ali desliza.

 

Javé, nosso Senhor,
como é nobre o teu nome sobre a terra toda!

 

(Na imagem lá em cima: Retrato de Nietzsche por Edvard Munch, 1906, na Galeria Thielska, Estocolmo)

  

terça-feira, 11 de novembro de 2025

DEPOIS DA MORTE

 


Você abordou dois temas que, embora relacionados, são distintos.  Vamos tratar um por um.

 

→ Imediatamente para a presença –

O texto bíblico não apresenta muitos detalhes sobtre a vida depois da morte. Vou citar quatro passagens do NT.  Esses textos amarrados nos dão uma compreensão, mesmo que vaga, do tema.

Na parábola do Rico e Lázaro (em Lc 16:19-31) Jesus narra que o mendigo Lázaro, logo após a morte, “foi levado pelos anjos ao colo de Abraão” (v. 22).  Pela narrativa, o Mestre dar a entender que depois da morte o destino já está selado.

Acrescente a citação dos textos aos Hebreus (em Hb 9:27) onde o autor bíblico não deixa dúvidas em afirmar que logo depois da morte o que segue é o juízo, ou seja, um evento sucede imediatamente ao outro.

Essa afirmação concorda com o que Jesus disse em Jo 5:24 sobre quem ouve  e quem crer  ter (verbo no presente) a vida eterna, pois já passou (verbo no passado) da morte para a vida.  A promessa de vida eterna é real e garantida desde já.

Isso alinha com a promessa que Jesus fez ao marginal na cruz de que ele estaria no paraíso hoje (destaco o adverbio de tempo: hoje no original).

Aqui é bom acrescentar uma observação sobre a percepção do tempo.  Gosto da afirmação de Agostinho: "Na eternidade nada passa, tudo é presente, ao passo que o tempo nunca é todo presente".  Ele quer explicar que há uma diferença significativa entre como nós vivenciamos o tempo nessa vida e de como experimentaremos a eternidade depois da morte. Aqui há passado, presente e futuro.  Lá, com Cristo, estaremos no eterno presente, no hoje, no agora, pois o tempo não passará – isso é eternidade.

A certeza cristã da graça é que estaremos imediatamente na presença de Cristo.

 

→ O corpo ressuscitado –

Aqui, com certeza, o melhor texto para responder essa questão é o do apóstolo Paulo aos Coríntios.

No argumento apostólico, ele observa que nessa vida há carnes diferentes para vidas diferentes e que cada um é perfeitamente adaptado para a sua existência própria.  Essa mesma lógica ele aponta para a nossos corpos humanos: “há corpos celestes e corpos terrestres” (1Co 15:40).

Com isso ele quer nos dizer que esse corpo com o qual Deus nos constituiu é adaptado para a vida nesse plano e que, para o plano eterno, receberemos um corpo transformado e adequado para a vida eterna.

Assim, a verdade bíblica, é clara ao afirmar que quando o dia glorioso chegar os que já morreram em Cristo já terão recebido seus corpos glorificados e os que ainda estiverem por aqui aguardando experimentarão uma transformação graciosa dos seus corpos mortais em corpos incorruptíveis (leia mais 1Co 15:51-54).

 

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

... E REINARÃO

 


E reinarão (Ap 22:5) – Este tema do reino eterno de Deus já transcorreu vários pontos da Revelação.  Entendo que em Apocalipse, quando se refere aos redimidos, reinar é estar na presença do Rei.  Assim, aqui a descrição de João do triunfo final está associada ao serviço prestado ao Cordeiro (verso três), a inigualável contemplação da sua face e a garantia do nome na fronte (verso quatro).  

Logo, as três ideias precisam ser alinhadas para melhor compreendermos o conteúdo da visão.  

(1) Aos que vieram da tribulação foi-lhes dado o privilégio de servirem – adorarem – diante do trono de Deus constantemente.  Reinar é adorar (releia Ap 7:15).  

(2) Quanto a contemplar a face do Senhor, nós vimos sua glória estampada no Verbo Encarnado.  Reinar é ver o Rei (leia lado a lado os versos 18 e 14 de Jo 1) e João o reconheceu na visão inaugural (em Ap 1:12-16).  

(3) E o nome, a marca inconfundível da posse gravada na testa, é promessa feita ao vencedor (releia a carta a Filadélfia em Ap 3:12).  Reinar é estar sob seu domínio. 

(Do livro: TU ÉS DIGNO – pag. 187)


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