terça-feira, 26 de março de 2019

FÉ E CIÊNCIA – Um Diálogo da Modernidade



Durante o período medieval europeu, o cristianismo ocidental levou a efeito uma sociedade cristã – dita cristandade – que se propôs hegemônica, não somente por seu aspecto geográfico, mas também por se apresentar como portador de soluções universais para todas as questões humanas.
No final do século XV e início do século XVI, porém, uma série de acontecimentos provocou a subversão da arrumação medieval do mundo ocidental. Nesse período os reis católicos unificaram a Espanha; Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral chegaram ao novo mundo; Nicolau Maquiavel publicou O Príncipe; Martinho Lutero afixou as 95 Teses na porta do Castelo de Wittenberg; Leonardo da Vinci pintou a Capela Cistina em Roma, entre outros eventos históricos, precipitaram a transformação do mundo ocidental (já publiquei uma cronologia desta época – veja aqui – link).
Como movimentos humanos, temos a partir daí o protestantismo, o iluminismo, o racionalismo e o positivismo com todos os desdobramentos destes movimentos. Eles tanto propuseram uma nova arrumação à humanidade ocidental como não conseguiram mais dar unanimidade ao pensamento como o tinha dado a cristandade ocidental até então.
Pelo lado protestante, a tradição que se cristalizou a partir do século seguinte seguiu como as duas trilhas do pensamento: a ortodoxia e o movimento pietista dando ênfase a razão e crença respectivamente.
Quanto a isso, Paul Tillich observa que embora a ortodoxia seja a representação mais objetiva que existe da teologia protestante, contudo o pietismo foi mais moderno do que a própria ortodoxia. Pois estava mais próximo da mente moderna na busca pela subjetividade.
E este será o grande tema do debate protestante a envolver a sua teologia: objetividade ou subjetividade – qual deverá ser a marca principal da teologia protestante moderna? A teologia deverá se nortear pela fé ou pela ciência?
Como vimos, ao contrário do pensamento hegemônico da cristandade medieval quando a fé tinha total primazia sobre as questões humanas, agora na tradição protestante, a fé e ciência disputam lugar, lado a lado, como critério de validação das verdades teológicas. A ortodoxia pregando que o conhecimento teológico deve se submeter aos ditames do conhecimento científico e o pietismo enfatizando que todo o conhecimento relativo deve passar pela experiência pessoal e mística.
Sobre isso, ainda Tillich ilustra este debate com a seguinte situação: Os ortodoxos diziam que a teologia era uma ciência objetiva e que, por isso, qualquer pessoa capacitada poderia escrever Teologias perfeitamente válidas sem a necessidade do novo nascimento. O pietismo dizia: “Não, só se pode ser teólogo depois da experiência da regeneração”.
No desdobramento histórico deste embate, chegando ao final do século XIX e início do século XX estas questões modernas entre fé e ciência foram levadas às distintas consequências. Pelo menos três tipos de relacionamento podem ser notados: (1) Fundamentalismo; (2) Pentecostalismo; e (3) Neo-ortodoxia – aqui apresentados sem preocupação cronológica.
Um. O Fundamentalismo admite o relacionamento entre fé e ciência somente nos seguintes termos: a ciência deve ser usada como instrumental para validar a fé; ou seja, para o fiel fundamentalista o último e absoluto critério de verdade é a fé, mas esta fé já está totalmente registrada na Bíblia e a sua leitura que deve ser sempre feita a partir da literalidade consagrada pela tradição protestante ortodoxa reconhecida como tal. Assim o papel da ciência no conhecimento humano é puramente na exegese correta das palavras bíblicas e na corroboração das suas narrativas através das descobertas científicas.
Dois. O Pentecostalismo se mostrou herdeiro – principalmente na sua origem – dos movimentos pietistas e místicos na legitimação da experiência como critério teológico sem fazer uso de qualquer instrumental científico. O movimento pentecostal pode ser considerado como sucessor legítimo dos movimentos que enfatizaram a supremacia pessoal em detrimento de um estudo mais sistemático e metodológico do arcabouço teórico e histórico recebido pelas tradições cristãs.
Três. A Neo-ortodoxia se propõe a usar dos instrumentais e metodologia da ciência para formular sua teologia. Herdeira direta da ortodoxia clássica e do racionalismo protestante, esta tendência tornou-se a forma de fazer teologia predominante nos meios acadêmicos principalmente europeus. Aqui convém citar o nome do teólogo suíço Karl Barth que certamente foi o primeiro entre os pensadores desta linha protestante a se opor ao encaminhamento dado até então pela dita Teologia liberal, mas sem abandonar o diálogo da fé com a ciência. Em seu trabalho, Barth propôs um retorno do conhecimento cristão às bases bíblicas, uma volta às Escrituras Bíblicas – Teologia de Retorno às Fontes – como critério principal da produção teológica, mas sem desprezar as contribuições que a filosofia e as ciências modernas têm a oferecer, estabelecendo sempre um diálogo com elas.




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