E embora o capítulo dois de Gênesis se ocupe em
descrever de maneira diferenciada a criação de cada um dos gêneros humanos,
isso não pode desconsiderar – ou sequer conflitar – com a verdade já exposta em
Gn 1:27. E entendo que aqui está
inclusive a força da imagem de Deus na humanidade. Aqui é dito que “não é bom que o homem esteja
só” (no verso de 2:18), por isso o homem precisaria de “uma ajudadora que lhe
seja idônea” (no mesmo verso); para que ambos e juntos possam refletir
igualmente uma imagem melhor (duplamente boa!) de Deus.
Um detalhe: no texto em sua língua original, o
termo para se referir aqui à mulher como ajudadora (ou auxiliadora no Gênesis)
é a mesma que o Salmo usa para se referir a Deus como nosso auxiliador e
protetor (confira o Sl 33:20). Ou seja,
não há, na expressão, nenhuma conotação de preconceito, rebaixamento, misoginia
ou desprestígio da mulher em seu lugar na ordem criada. Ela tem seu lugar e valor, e deve sempre ser
assim tratada. Ainda que eventualmente
esteja colocada em papel diferente do masculino, mas para Deus a mulher nunca
será inferior, subalterna ou menosprezada.
Com o pecado, porém, isso foi alterado. A consequência da desobediência original foi
o desarranjo total de tudo o que Deus planejou para sua criação. Então é certo compreender que qualquer
posicionamento e atitude que desqualifique a mulher é pecado – e resultado
deste – pois vai contra o plano e vontade de Deus.
Voltando às narrativas bíblicas, é possível
observar que, mesmo em contextos de pecado e decadência, o Senhor nunca
abandonou sua visão da mulher nem a relegou a uma posição de irrelevância, nem
de alienação. Veja alguns exemplos:
Antes do reinado em Israel, o único nome que
acumulou as funções de líder espiritual e chefe político-militar foi a juíza
Débora (Jz 4). Também, em um tempo
quando homens como Jeremias já exerciam seu ministério, Hulda foi a profetiza
escolhida para interpretar corretamente o texto encontrado (em 2Rs 22:14 e 2Cr
34:22). E no Novo Testamento, o
Evangelho de Lucas registra pelo nome três mulheres que acompanhavam o
ministério de Jesus: Maria de Magdala, Joana mulher de
Cuza e Suzana (Lc 8:2-3). Além de
constar em Hb 11 os nomes de Sara e Raabe no rol de heróis da fé.
Importante também destacar que foi às mulheres que
Jesus se mostrou em primeiro lugar quando de sua ressurreição (confira Lc 24 e
Jo 20).
Certamente, contudo, no Antigo Testamento, é na
narração da mulher virtuosa onde o texto apresenta o reconhecimento do valor da
mulher – acima de rubis (confira toda a exposição a partir de Pv 31:10). Pela descrição do texto, o valor da mulher
está em fazer o bem, cuidar da família e dos filhos, mas também – e
principalmente – abastecer de provisões sua casa, administrar com lucro os
negócios dentro e fora de casa, gerenciar as propriedades, falar com sabedoria
e ser um referencial para seus filhos.
Uma mulher assim – como percebida no projeto de
Deus – o texto reconhece que força e a credibilidade lhe são como vestido; e
ela já celebra o dia de amanhã (Pv 31:25).