Desde
criança aprendi na escola bíblica que a dieta de João Batista, no deserto,
consistia de gafanhotos e mel silvestre (conforme narrado em Mt 3:4 e Mc 1:6).
Depois andei lendo e estudando então cruzei com várias
opiniões diferentes: # se João era um
asceta essênio, deveria manter uma dieta vegetariana? # o mel era proveniente
de abelhas ou de frutas? # a proteína vinha de inseto ou de alguma planta? # a tradução tradicional está correta e ele
comia realmente gafanhotos?
Para qualquer pesquisador honesto, aqui se tem um
desafio interessante e que deve ser observado com cuidado e critério.
Qual interpretação aponta para a verdade? Quem entendeu corretamente a dieta citada no
texto bíblico? E, principalmente, o que
isso implica na minha compreensão textual?
Ocupei um pouco do meu tempo numa pesquisa sobre o
tema. Aqui vai algo do que descobri:
Primeiro a citação grega de Mt 3:4 –
... ἡ δὲ τροφὴ ἦν αὐτοῦ ἀκρίδες καὶ μέλι ἄγριον
(NA27).
Jeronimo traduziu assim –
... esca autem eius erat lucustae et mel silvestre.
O mesmo texto no hebraico –
... ומאכלו חגבים ודבש היער
Quanto ao mel silvestre, embora alguns comentadores
cheguem a considerar o sumo de frutas (como de tâmaras, por exemplo) como sendo
a base do que João bebia, a opinião dos principais estudiosos que consultei
aqui não corrobora com essa ideia.
No grego, a expressão é μέλι ἄγριον (pronuncia meli
agrion – literalmente: "mel do campo") e no hebraico ודבש היער (pronuncia udëvash
hayåar – literalmente "mel da floresta").
Já quanto a proteína.
A palavra em destaque é ἀκρίδες em grego
(pronuncia akrides), lucustae em latim e חגבים em
hebraico (pronuncia gêḇîm) – plural em todas as versões.
Detalhe: o gafanhoto está na lista que os judeus
chamam de kosher – alimentos aprovados para a alimentação – conforme Lv
11:22.
Aqui eu encontrei muita discursão sobre o que
seria realmente que João comia.
Bem, não quero entrar nos debates linguísticos ou
históricos dos detalhes culinários (comecei até a digitar alguma coisa sobre isso,
mas desistir: apenas salvei o que já tinha feito e abandonei. Abri um outro arquivo no computador e decidi
ir direto ao ponto).
Então, o que os evangelistas nos queriam dizer ao
citar a dieta de João Batista?
Podemos iniciar nossa compreensão do texto fazendo
uma referência ao profeta Elias. Nos
livros dos Reis do AT, o profeta é descrito como alguém que viveu nos desertos
de maneira rústica (confira 1Rs 17:2-6 e 2Rs 1:8). Assim, ao apresentar João dessa forma, os
evangelistas dão a entender que queriam fazer uma associação entre a vida e o ministério
dos dois profetas.
João seria um herdeiro ministerial do grande
profeta Elias – aquele que anunciaria a chegada do Messias (considere Mc 9:11-13).
Além do que, como João não é o personagem
principal do Evangelho – é apenas o precursor (atente Jo 1:27) – o texto não se
ocupa em apresentar detalhes.
E ainda tem as distinções dos estilos de João e
Jesus: Lucas lembra que João tinha uma
vida austera bem diferente da de Jesus, que foi acusado de ser comilão e
beberrão (em Lc 7:33-34) e ambos foram censurados pelos religiosos.
Sobre o próprio João Batista, ele foi radical em
sua vida, ministério e pregação. Levou
sua fidelidade à Lei, à moral e a Revelação que recebeu às últimas
consequências. Como um machado colocado
à raiz das árvores (leia Mt 3: 7-10). E
isso ele encarnou em seus trajes e dieta.
Para finalizar, entendo que é bom citar as
palavras do zambiano batista Joe Kapolyo no Comentário Bíblico Africano:
Sua aparição e seu estilo de vida desafiaram os poderosos
da época (...). Sua mensagem
contracultural. João mostrou como isso pode ser feito por aquilo
que ele pregava e principalmente pela forma em que vivia. Nós também precisamos ter certeza de que
nosso estilo de vida combina com nossas palavras.
(Na
imagem lá em cima, o quadro "São João Batista pregando no deserto"
de Anton Raphael Mengs. Obra de
1771. Atualmente exposto no Museu de
Belas Artes de Houston / Texas)