As relações
entre a Igreja e o Estado, com a chegada dos cristãos ibéricos à América Latina
no século XVI, embora se mostrassem hegemônicas e legitimadas por ambos os
lados – Estado e Igreja – não eram unanimidades. Diversas vozes discordantes se fizeram soar
no Novo Mundo, procurando estabelecer novas relações onde os valores cristãos
não estivesses submissos aos ditames monárquicos nem as ações dos reis carentes
de aprovação eclesiástica.
Como
no Brasil a efetiva ocupação por parte dos colonizadores portugueses só veio
acontecer bem depois, então, consequentemente, as vozes levantadas por aqui só
começaram a aparecer também depois. Os
primeiros a se destacarem são os nomes do padre jesuíta Antônio Vieira que nas
suas pregações advogava a defesa dos índios contra a exploração dos
portugueses. O outro nome entre os
brasileiros é o do poeta barroco baiano Gregório de Matos Guerra que como sua
poesia criticou toda a sociedade contemporânea, inclusive os prelados que,
segundo o poeta, estavam envolvida em escândalos incontáveis.
Assim,
as únicas vozes discordantes ouvidas no século XVI na América Latina são dos
padres espanhóis e o principal nome entre eles certamente é o de Bartolomeu
de las Casas.
De
las Casas nasceu Sevilha / Espanha em 1484 e veio para a América em 1502 como
encomendeiro junto com a segunda viagem de Cristóvão Colombo.
Em
1507 tornou-se sacerdote dominicano e em 1511, ouvindo um sermão pregado pelo
Frei António de Montesinos, no qual defendia a dignidade dos indígenas,
De las Casas se sentiu profundamente impactado e, a partir daí, passou a defender os direitos dos
índios.
Entre
os principais textos do dominicano, dois destaques: (1) Brevísima Relación de la Destruición de las Indias Ocidentales (publicado
em 1542) que ele dedicou ao príncipe Felipe II de España e no qual ele denuncia
os maus-tratos e atrocidades cometidas contra os povos indígenas das Américas
nos tempos coloniais; e (2) Historia de
las Indias (que começou a escrever em 1527 e se ocupou dela nos 35 anos
seguintes).
Bartolomeu
de las Casas chegou a ocupar o bispado de Chiapas, no México em 1544, de onde
ele pregou a sua nova mensagem e tentou convencer as autoridades espanholas de
que a exploração dos nativos era contrária aos ensinos cristãos defendidos
pelos católicos. Mas ele não logrou
êxito em seu intento de convencer nem as autoridades políticas nem
eclesiásticas.
Devido
a perseguições, De las Casas precisou voltar a Espanha em 1547 onde tentou
continuar sua missão, e acabou falecendo em 1566 sendo posteriormente conhecido
como o primeiro sacerdote das Américas e o Apóstolo dos Índios e como o Procurador
e Protetor Universal de Todos os Índios.
Uma
citação pode enriquecer nossa compreensão destas vozes discordantes
latino-americanas. As palavras a seguir
dão de uma pregação feita por António de Montesinos no quarto domingo do Advento de
1521, aqui na versão narrada pelo próprio Bartolomeu de las Casas:
Todos estais em pecado mortal e neles viveis e
morreis, pela crueldade e tirania que usais com esta gente inocente. Dizei: com que direito e com que justiça
tendes estes índios em servidão tão cruel e horrível? Com que autoridade fizestes tão detestáveis
guerras a estas gentes que estavam em
suas terras mansas e pacíficas, em que haveis consumido tantas delas com morte
e estragos nunca ouvidos? Como os tendes
tão oprimidos e fatigados, sem dar-lhe de comer nem curá-los em suas
enfermidades, que dos excessivos trabalhos, com que os carregais morrem, ou
melhor, vós os matais, para tirar e adquirir mais ouro cada dia? Que cuidado tendes de quem os doutrine e
conheçam a seu Deus e criador, sejam batizados, ouçam missa, guardem as festas
e domingos? Eles não são homens? Não têm almas racionais? Não sois obrigados a amá-los como a vós
mesmos? Não entendeis isso? Não sentis?
Como estais adormecidos de um sonho tão letárgico? Tendes por certo, que no estado que estais
não podeis vos salvar mais que os mouros ou os turcos que precisam e não querem
a fé em Jesus Cristo.
(Na imagem lá em
cima, Frei Bartolomeu de las Casas retratado pelo pintor mexicano Félix Parra
em 1875 - fonte: wikipedia.com)
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