Como entende, a não ser quando o sentido percebe o que é, e pela sua privação conhece também o que não é? Assim também, quando se diz “vazio”, considerando o “cheio” de um corpo, entendemos o que significa “vazio” pela privação que é contrária a “cheio”; assim como julgamos pelo sentido da audição não somente o que diz respeito a vozes, mas também ao silêncio.
Assim, pela vida que o homem possuía, poderia precaver-se do contrário, ou seja, da privação da vida que se denomina morte; o próprio motivo, pelo qual perderia o que amava, ou seja, qualquer ação sua que o levasse a perder a vida, com quaisquer sílabas com que se denominasse, tal como em latim se diz “peccatum” (pecado) ou “malum” (mal), entenderia como sinal da morte, e isso discerniria com a mente.
Pois, como nós podemos entender quando se diz “ressurreição”, pela qual nunca passamos? Não será porque sentimos o que seja viver, e à sua privação denominamos morte, e a volta ao que sentimos, denominamos ressurreição? E se em qualquer língua denomina-se a mesma coisa com outro nome, o sinal se insinua certamente à inteligência pela voz dos que falam, de modo que, soando o nome, pode reconhecer o que estaria pensando mesmo sem o sinal.
Causa admiração o fato de a natureza, mesmo sem ter experiência, evitar a perda do que possui. Com efeito, quem ensinou aos animais evitar a morte, a não ser o sentido da vida? Quem ensinou à criança se agarrar a seu berço, se for ameaçada de ser jogada ao chão? Este modo de reagir começa depois de um certo tempo, mas antes de se ter experiência de algo semelhante.
Agostinho de Hipona
Comentário de Gênesis
Capitulo XVI.34
(Na imagem:
Fac-simile da obra original latina
“De Genesi ad Litteram”.
Fonte: https://bibliotheca-laureshamensis-digital.de)