Há assertivas na vida que são taxativas e representam uma afirmação – ou negação – em si mesma. Há, porém certas verdades na vida que precisam de uma referência e uma comparação para que possam ser avaliadas, pois elas sozinhas são insuficientes para estabelecer critérios de verdade.
Dito assim parece complicado, mas deixe-me exemplificar, talvez esclareça melhor o que estou introduzindo aqui. Por exemplo, posso declarar que sou pai e tenho um filho, então neste caso não há meios-termos – ou é verdade que gerei um filho ou não é, e logo não sou pai. O outro exemplo é que eu posso dizer que a cidade de Propriá está perto de Aracaju se a comparar com a cidade de Recife, mas vou dizer que está longe se a comparação for com Maruim. Se no primeiro exemplo a afirmação da paternidade é auto-explicativa, no segundo o sentido só se dará na comparação, o longe ou perto sempre é em relação a algo.
Continua complicado! Então vamos para a Bíblia. Ao falar com Moisés no Sinai, Deus se apresentou como o "Eu Sou o que Sou" (a citação é de Êx 3:14). Aquele que falava a partir de sarça que ardia sem se consumir era o absoluto em tudo, o sem comparação. Isto mesmo! Para falar sobre o Pai Eterno não é possível usar meios-termos. Ele é o que é (Tillich o chama de Fundamento do Ser) e basta-se a si mesmo (penso que as palavras de Hb 6:13 valem aqui).
Agora veja como aconteceu com o Verbo Encarnado. Os contemporâneos de Jesus ao ver suas obras e ouvir suas palavras sentiram a necessidade estabelecer comparações para compreendê-lo melhor. Assim é que ao compará-lo com os escribas e mestres da lei judaicos que estavam acostumados a ouvir ensinar, foram levados a constatar a verdade de que havia uma distância reconhecível entre ambos (confira em Mt 7:28-29). Na comparação, as multidões ficaram maravilhadas porque, enquanto os rabinos eram legalistas e redundantes, Jesus conseguia ao mesmo tempo aliar autoridade e compaixão.
Então veja como são as coisas divinas. Se a glória do Pai é incomparável e inacessível (como dito no verso de 1Tm 6:16), tal glória, quando manifesta no Filho, pode tanto apontar para nós a graça e a verdade do Pai quanto nos permitir compará-la ao pífio brilho humano (compare as palavras evangélicas em Jo 1:14 com as proféticas em Is 40:6-8).
Mas deixe-me ainda concluir esta reflexão mudando o foco. Como homem, estou longe de ter qualquer valor absoluto e, por isso mesmo, sou constantemente comparado quando observado pelos outros. Porém se por um lado o padrão de referência é Jesus, ainda há muito que melhorar – estou longe do modelo e devo sempre continuar no caminho (ao que Paulo concordaria em Fl 3:12-14). Por outro lado, se sou comparado ao mundo que me cerca, devo demonstrar nitidamente que vivo a partir de comparações mais elevadas e isto já deve ser resultado da ação de Cristo em mim (ainda Paulo em Rm 12:2).
Bem, se deixar de me comparar parece impossível: com quem me compararei? Qual será o meu padrão? Que eu saiba me comparar com Aquele que é incomparável!
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