terça-feira, 19 de novembro de 2024

O LOGOS – SOBRE O FAZER TEOLÓGICO



Um cosmólogo encontra uma pequena luz no firmamento, logo aponta seus instrumentos naquela direção, faz suas observações, seus cálculos matemáticos e astronômicos, elabora uma teoria, publica argumentos, seus pares debatem e ajustam os resultados.  E assim faz ciência.

Um biólogo encontra uma pequena manifestação de vida, logo traz a cultura para seu laboratório, faz suas observações, suas análises comparativas e testes de amostragem, elabora uma teoria, publica argumentos, seus pares debatem e ajustam os resultados.  E assim faz ciência.

Um antropólogo encontra uma manifestação humana e cultural distinta, logo faz suas pesquisas de campo e suas observações, identifica variantes, elabora uma teoria, publica argumentos, seus pares debatem e ajustam os resultados.  E assim faz ciência.

Com o teólogo tudo se faz diferente.  Ele não encontra seu objeto de pesquisa, nem aponta seus próprios instrumentos, nem o coloca em um laboratório, nem identifica variantes... pode até publicar seus argumentos e debater com seus pares e ajustar suas posições.  Assim, nesse sentido técnico, não faz ciência.

Quando elaboramos nossa Teologia Sistemática, fazemos nossa lista com o que atribuímos ao Deus Cristão – por isso a chamamos de atributos – o reconhecemos como Onipotente, Criador, Onisciente e Amoroso.  Mas minha pretensão de estabelecer um perfil divino é prontamente questionado pelo suíço Karl Barth que insiste em se referir a esse Deus como o “totalmente outro”.  Ou seja, qualquer definição que eu possa vir a fazer sobre a divindade, em minha Teologia eu preciso sempre lembrar que ele escapa a qualquer definição.

Então: o que é a Teologia? Qual o seu escopo de trabalho? Onde buscar suas fontes? Qual o seu locus? Como se relaciona com as ciências? O que implica o fazer teológico?

Para cada um desses questionamentos não há uma resposta simples, direta e óbvia.  O que me leva à própria tarefa teológica. 

Sobre a definição do que chamo de Teologia: a palavra TEOLOGIA tem sua origem nas raízes da língua grega (mesma língua em que o NT foi escrito) e aponta para os radicais: Teos – Deus, divindade + Logos – palavra, estudo, discurso, argumento.  Assim, mais além do logos científico, posso compreender inicialmente Teologia como o discurso – ou diálogo – sobre Deus e com ELE.

Na mesma linha, devo estabelecer o escopo de trabalho da Teologia Cristã, tomando como ponto de partida o primeiro princípio citado na Declaração Doutrinaria da CBB, que se refere textualmente à “aceitação das Escrituras Sagradas como única regra de fé e conduta”.  Ou seja: todo fazer teológico tem que ser referenciado a partir da Revelação, dela tomar seus fundamentos e com ela estabelecer um diálogo.

Nessa perspectiva, vou me achegar ao texto bíblico para buscar ali a fonte de meu argumento.  As palavras do Quarto Evangelho falam do Logos que, no princípio, não apenas estava com Deus, mas era o Deus em si (confira Jo 1:1).  E, mais, o Logos divino é o Criador da luz vista pelo cosmólogo, da vida detectada pelo biólogo e dos seres humanos estudados pelo antropólogo (nos versos 3 e 4).   Aqui eu encontro o verdadeiro logos da Teologia cristã. 

Aqui está também o locus do fazer teológico – o lugar existencial onde devo encontrar o discurso.  Será sempre com homens e mulheres, de ontem e de hoje, daqui e de todo lugar, que, por crerem em seu nome, aconteceram de se tornarem filhos de Deus, onde vou estabelecer meu diálogo teológico (indo a Jo 1:12).  Em outras palavras, será em meio à comunhão dos santos – a igreja – que a verdadeira teologia cristã vai acontecer e encontrar sua essência.

Ouso parafrasear o dogma e tomá-lo como verdadeiro: extra Ecclesiam nulla Theologia – “fora da igreja não há Teologia”.

Mas esse diálogo teológico pode, e deve, também se estabelecer com outros saberes humanos.  Enquanto o salmista reconhece que “os céus declaram a glória de Deus” (no Sl 19:1), Isaac Newton dizia: “Do meu telescópio, eu via Deus caminhar!”.  Sem dúvida, cosmólogos, biólogos e antropólogos – assim como, historiadores, linguistas, arqueólogos, físicos e matemáticos podem enriquecer minha Teologia e compreensão bíblicas.

Quero, porém, voltar as palavras evangélicas.  O Logos divino encarnou para viver entre nós e assim nos fez conhecer a glória única do Pai, e ele estava cheio de graça e verdade (leia Jo 1:14).  E essa é exatamente a implicação de todo o fazer teológico: um diálogo que nos toque com a graça e a verdade e, nisso tudo, se manifeste a glória do Pai.


(Publicado originalmente em “O Jornal Batista” – ano CXXIII – Edição 46 – 17/11/2024)

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário