Em
1939, Dietrich Bonhoeffer esteve nos Estados Unidos, tinha sido
levado por seus irmãos com o intuito de poupar-lhe das agruras que o
regime nazista haveria de impor sobre seus oponentes. De lá, o
próprio Bonhoeffer escreveu sobre a sua situação, perspectiva de
futuro e compromissos:
Sentado
no jardim do seminário, tive tempo de pensar e orar no que se refere
à minha situação e a da minha nação, obtendo algumas luzes sobre
a vontade de Deus. Cheguei a conclusão que cometi um erro em vir
para os Estados Unidos. Nesse período difícil da história da
minha pátria, devo viver junto com o meu povo. Não terei o direito
de participar da reconstrução da vida cristã na Alemanha depois da
guerra se não tiver compartilhado com meu povo as provas desse
período. Os cristãos alemães terão que enfrentar a terrível
alternativa de desejarem a derrota de sua pátria para a salvação
da civilização cristã ou de desejarem a vitória de sua pátria e,
consequentemente, a destruição de nossa civilização.
Estas
palavras demonstram o profundo sentimento de compromisso que
Bonhoeffer demonstrou com o seu povo e que o fez se sentir
copartícipe dos destinos dele. Ainda merece citação a observação
que ele escreveu numa carta a E. Bethge em 02/08/1936 quando enfatizou “que não nos podemos libertar
jamais de nossa condição de cristãos e teólogos”. Para
Bonhoeffer ser cristão e ser teólogo eram condições das quais ele
não se podia furtar em momento algum, e diante de tais condições
era necessário que ele estivesse ao lado do seu povo fazendo de sua
experiência cristã e práticas litúrgicas instrumentos para uma
transformação social.
Ser
cristão e ser teólogo era o que ele tinha a oferecer à sociedade
alemã naquele momento de incertezas, e deveria oferecer-se assim
naquele momento exato para que sua participação histórica fosse
válida quando tivesse passado as turbulências. Se não posso ser
cristão nas adversidades da sociedade moderna, como posso querer
sê-lo em outros tempos?
Essa
visão e compreensão de uma celebração e liturgia comprometido com
o Reino de Deus e com os destinos de seu povo, Bonhoeffer deixou
impregnado em mais de uma dezena de livros que escreveu (em especial
no texto “Vida
em Comunhão”
– em alemão: Gemeinsames
Leben,
publicado em 1939). E é
com este modelo da adoração e comunhão cristã proposta por
Dietrich Bonhoeffer que pretendo comparar a liturgia das igrejas
evangélicas brasileiras de hoje.
Uma
primeira observação, parece demonstrar que a maior ênfase
litúrgica da igreja brasileira está na celebração em si, como
momento de contato espiritual e devocional com Deus. Neste aspecto a
produção teológica brasileira parece se encaminhar em paralelo com
a teologia de Bonhoeffer. A devoção começa e se desenvolve quando
a comunidade de fé se entrega na busca do encontro sagrado.
Orações, leituras bíblicas e cânticos conduzem a congregação a
uma reflexão sobre a palavra de Deus a ser explanada pelo oficiante
que busca trazer às mentes e corações dos cultuantes a verdade e
os propósitos de Deus para suas vidas.
Contudo
há uma distância entre as visões de culto e adoração de
Bonhoeffer e as evangélicas brasileiras observadas e ela está, com
certeza, na ênfase dada ao transbordar desta liturgia na vida
cotidiana dos cristãos.
Está
muito claro na teologia litúrgica de Dietrich Bonhoeffer que o
momento devocional de encontro com o sagrado tanto comunitário e
principalmente pessoal é apenas uma parte da existência cristã.
Este momento é necessário e fundamental e em hipótese alguma deve
ser negligenciado. Mas a existência cristã não se dá apenas no
lugar sagrado da liturgia devocional, ela tem que se transbordar para
toda a vida e fazer do momento de encontro sagrado com Cristo a
recarga de energia suficiente para que o cristão viva a sua vida no
mundo secularizado de modo significativa e influente.
Em
terras brasileiras, pouco se vê uma adoração que vá além dos
cânticos e orações, uma adoração que transborde para vida
cotidiana e concreta, que ofereça uma influência transformadora dos
valores sociais, num projeto de reconstrução nacional abrangente.
Embora não se negue que a experiência cristã do culto deva influir
na vida do crente, contudo na igreja brasileira, em geral pouca se
busca experiências cristãs que possam ir além das vivências
eclesiásticas.
E
assim, concluo apontando a crítica de Russel Shedd ao constatar que
há uma dicotomia existente entre a adoração e a vivência
cotidiana dos cristãos evangélicos brasileiros e isto porque ela
não reflete a certeza que o objetivo da adoração bíblica deve ser
produzir vidas dignas do mundo moderno e secularizado. Em suas
palavras: “a adoração em espírito e em verdade exige o temor de
Deus, o qual deve se fazer acompanhar de religiosidade externa”.
(Na
imagem lá em cima, a reprodução de uma placa
comemorativa para Dietrich Bonhoeffer ao lado da entrada da Zionskirche em Berlim onde por ser lida: “Nesta
Igreja pregou e foi Confirmado em 1932 o combatente da resistência
Pastor Dietrich Bonhoeffer – nascido em 02/04/1906 e assassinado no
Campo de Concentração Flossenbürg em 09/04/1945”
– fonte: wikipedia.com)
Saudações pastor Jabes. Eis a questão. Como ser/ter essa religiosidade externa no cotidiano, nas relações ordinarias, de trabalho, convivio social, consumo?!? Acho interessante esse tema, e desafiador
ResponderExcluirBom dia querido. Realmente o mundo de hoje é bastante desafiador para o nosso cristianismo, mas foi para um tempo como este que fomos colocados (atento para Et 4:14). Infelizmente muitos têm se vendido e a sua mensagem à política, à moral, à economia e à sociedade de ética e graça baratas. Mas, graças a Deus ainda temos exemplos como o de Bonhoeffer a nos inspirar a uma vida cristã comprometida com o Reino e seus valores, encarnando-os no dia-a-dia, mesmo que isso nos custe a vida (lembro Mc 8:36).
ResponderExcluirAbr