Em primeiro lugar, gostei de você ter me instigado com a questão. Já citei esse fraseado e a história que o
envolve em diversas vezes, mas nunca tinha parado para estudá-la a fundo. Aproveitei a oportunidade.
Vamos lá.
Antes. Dei uma olhada aqui em
vários comentários e em geral eles fogem da questão do termo
especificamente. E quando vamos ao
hebraico, as dificuldades são grandes.
Principalmente se tratamos de maneira literal.
Um outro parêntese inicial.
Quando trabalho com exegese bíblica sempre assumo como lema a seguinte
assertiva: “tratar o texto bíblico literalmente traz mais problemas que
soluções!”
Bem, topei o desafio de trabalhar a dificuldade. E aí vai um pouco do resultado da pesquisa.
A frase hebraica: ברך אלהים ומת (barech Elohim vamu).
O contexto. No embate
entre o Acusador e Deus sobre a integridade de Jó, a mulher do patriarca foi a
primeira a ceder e entender que não valia a pena manter a integridade. Seria melhor dar as costas para Deus e morrer
que viver naquela situação. Atenção: Essa era a expectativa do acusador!
Mas Jó reconheceu a loucura da proposta da mulher e a rejeitou, mantendo
sua integridade (desafio vencido até aqui!).
As traduções.
Considerando que a palavra hebraica que aparece no texto é o verbo ברך (brch), algumas poucas versões preferiram a
tradução literal – como a Vulgata Latina (“Benedic Deo, et morere”) e a
Reina Valera 1909 (“Bendice á Dios, y muérete”). A maior parte das versões modernas optou pelo
verbo amaldiçoar/xingar para a expressão (inclusive as melhores
em português e inglês).
Forma verbal. É
interessante acrescentar que no hebraico a forma verbal usada é o piel
que exprime uma ideia intensiva e intencional.
A mulher de Jó berrou isso para o marido!
Literalmente. A tradução
literal do verbo hebraico ברך (brch)
é abençoar. Tanto no sentido de estender
bênçãos e consagração (como em Gn 2:3), como numa saudação ou despedida (como
em 2Rs 15:29).
Maldição no livro de Jó. A língua hebraica tem palavras que traduzem,
ao pé da letra, maldição.
Em Jó 3:1 ele amaldiçoa – heb. קלל (qll)
– o dia do seu nascimento = considera desprezível.
Em Jó 3:8 ele convida a amaldiçoar o dia – agora heb. נקב (nqb) = blasfemar – os que sabem amaldiçoar
– dessa vez heb. ארר (‘rr) = rogar maldição / praguejar.
O que disse a mulher? Aqui está o problema. Considerando o contexto, é pouco provável que
ela tenha realmente falado para Jó dizer uma fórmula de bênção enquanto
aguardava a morte. Ela deveria ter usado
outra expressão (!).
– Seria um erro de tradução?
Alguns linguistas bíblicos tentam contornar o problema falando em apenas
eufemismo literário e que os copistas posteriores teriam optado por substituir
o verbo pesado por uma palavra não ofensiva à divindade e com isso evitariam
cair na sentença de morte por blasfemar contra Deus (prevista em Lv 24:16). Eles teriam adotado um método semelhante em
1Rs 21:10 e 13.
Pessoalmente acho que essa saída nem só não resolve de maneira
definitiva o problema da expressão como cria outro problema: trocaram a
palavra!!!???
Alguns tentam agregar o significado de maldição como uma antítese
contida na própria palavra hebraica. No
léxico e no uso comum da palavra é difícil embasar esse argumento.
Voltando: O que disse a mulher? Lendo o texto do livro de Jó, e se deixando
ser absorvido pelo estilo literário dele, parece me soar que a imprecação da
mulher está carregada de sarcasmos e ironia cruel e ferina:
– Arrume qualquer coisa ‘boa’ para dizer aí para Deus! Quem sabe isso
lhe mate!
A resposta de Jó. Se fosse nordestino, Jó diria:
– Você está doida, mulher!!! Vira
essa boca pra lá!!!
Foram muito boas as observações apresentadas sobre a narrativa em questão, muito agradecido meu caro amigo e irmão e com toda certeza se Jó estivesse aqui no nordeste não tenho dúvida que ele diria exatamente isto.
ResponderExcluirQue bom querido Esequias. O nordestino Jó com certeza iria continuar firme em seu compromisso com o Eterno.
ExcluirAbr