Escrevi um
início de resenha do livro de C.S. Lewis que em nossa língua veio a ser
conhecido como Cartas de um Diabo a seu
Aprendiz (releia aqui). Ali fiquei devendo uma reflexão sobre algumas
ideias e conceitos que podem ser lidos naquelas Cartas. Pretendo aqui começar a pagar a dívida.
Percorrendo a
leitura, o texto de Lewis se mostra rico e profundo – ele desafia, instiga,
questiona e confronta. É impressionante
o suficiente para permanecer atual e relevante, mesmo já tendo quase um
século. C.S. Lewis continua sendo leitura
obrigatória para qualquer um que se pretenda comprometido com o Reino de Deus e
queira ir além das águas rasas da fé.
Considerando
isso, vou aqui fazer apenas alguns destaques de suas ideias. E para começar, preciso identificar mais uma
vez os personagens, e como são tratados pelo missivista (vou tentar não dar spoiler).
As cartas
escritas pelo diabo sênior visam instruir um tentador aprendiz como fazer seu
paciente perder a sua alma eternamente.
E perceba que a avaliação da empreitada é feita nos seguintes termos:
"O sucesso consiste em confundi-lo ao máximo". Mas, embora diretamente as cartas queiram
tratar de um caso específico, as lições ali servem para todo e qualquer um dos
"bípedes desprovidos de cabelos" criados pelo Inimigo.
Nesta
batalha, estão, de um lado, as hostes diabólicas que demonstram estar
organizadas com hierarquia e burocracia bem distribuída e funcionando, e do
outro o Inimigo que, "não fica satisfeito, nem mesmo em si, em ser uma
simples unidade aritmética, pois alega ser três e, ao mesmo tempo, um, a fim de
que sua bobagem sobre o Amor possa apoiar-se na sua própria natureza".
Aqui está o
detalhe principal: um Amor que se baseia na própria natureza divina, porque
"Deus é amor" (1Jo 4:8). E é
isso que o diabo não pode conceber. Não
há como ele absorver o conceito de que "o bem de um ser é o bem de outro".
O que leva a
uma conclusão diabólica e esquisita: "O Inimigo ama os seres humanos de
verdade. Isso, é claro, é algo
impossível. Ele é um ser único e eles
são distintos dele. O bem deles não pode
ser o dele. Toda a conversa dele sobre
amor deve ser um disfarce para alguma outra coisa".
E nós que o
amamos porque ele nos amou primeiro (1Jo 4:19), conhecemos a extensão da
manifestação máxima desse amor na própria encarnação divina. Ele – o próprio Deus em Cristo Jesus – se
tornou humano, vivenciou nossas dores e temores, mas também degustou nossas
alegrias, esperanças e prazeres. Ao que
o Screwtape deixa escapar: "ah,
que vantagem abominável a do Inimigo!".
Ora, essa
intimidade moldada no amor se mostra no quarto fechado quando "os animais
humanos que se colocam de joelhos", pois será ali que o Amor "não
ficará de braços cruzados" mas haverá de derramar "quantidades
enormes de autoconhecimento sem o menor pudor".
Ao diabo, que
anseia a alma humana para lhe servir apenas de alimento, sem dar nada em troca,
restam apenas a curiosidade e a inveja desse relacionamento amoroso. E o diabo lamenta com seu pupilo: "Você
sabia que não é possível entreouvir exatamente
o que o Inimigo diz a eles?".
Há ainda uma
outra dimensão desse amor dispensado pelo Criador às suas criaturas prediletas:
o "prazer real" (cuidado:
não confundir com aquele corrompido
pelo diabo!).
Observe que,
sobre o prazer na vida humana, até o diabo reconhece que "trata-se de uma
invenção dele, não nossa. Ele criou os prazeres". Coisa que o diabo não pode sequer criar ou
copiar, apenas tentar distorcer e corromper!
O prazer é criação e dádiva do amor de Deus para nós – é fruto e
demonstração de sua graça.
Mesmo nas
pequenas coisas e detalhes, o diabo reconhece que "Ele encheu o mundo dele
de prazeres. Há coisas para as pessoas
fazerem o dia todo sem que ele dê a mínima bola – dormir, tomar banho, comer,
beber, fazer amor, brincar, orar, trabalhar".
É então que o
velho diabo recrimina seu aprendiz: "você lhe permitiu andar até o velho
moinho e tomar um chá ali – uma caminhada pelo campo, coisa de que ele
realmente gosta, e isso, a sós".
Pois até o tinhoso sabe que é possível encontrar Deus nos pequenos
prazeres e alegrias do cotidiano.
Mas, citando
o tempo e o cotidiano, já abrimos uma nova janela para compreensões mais
amplas, e outra vez, como já vão ficando longas as linhas, mantenho o
compromisso de continuar refletindo sobre as ideias contidas nas Cartas.
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