terça-feira, 26 de novembro de 2024

DIVERSIDADES DE CRENÇAS E CRISTIANISMO PLURAL

  


A modernidade trouxe diversas mudanças nos padrões humanos e sociais, mas não fez refrear o espírito religioso.  Homens e mulheres continuam na busca pelo encontro com o transcendente que lhe dê sentido à existência.

Uma das características que o tempo da modernidade nos trouxe foi a valorização das liberdades individuais, inclusive religiosas.  Liberdade de poder escolher de modo individual, responsável e desimpedido a religião que se pretenda abraçar – e seguir seus preceitos e ditames – sem que ninguém lhe imponha e nem que isso cause constrangimento de qualquer espécie.

Distendendo essa compreensão, a religião moderna pode ser pessoal ou social, institucional ou intuitiva, moral ou libertina, animista ou racionalista, tradicional ou inovadora, materialista ou espiritualista (inclusive podendo mesclar e somar fatores diferentes num mesmo conjunto de culto e reverência).

Já não há mais a busca pela verdade única, universal e inquestionável – verdade essencial – uma vez que nesse contexto toda possibilidade pessoal de verdade deve ser aceita e não sofrer discriminação.  Todas a verdades e crenças passam a ser válidas, não cabendo a nenhuma autoridade estatal ou eclesiástica, normatizar sobre o que se pode crer ou a quem se cultuar.

Mais: nesse contexto de pluralismo religioso e de fé fluida em que qualquer doutrina pode ser aceitável e ajustável, a troca de doutrina passa ser visto como algo natural e socialmente aceito – e pode-se mudar de fé quantas vezes julgar adequado.

Assim, agora migra-se de religião e de comunidade de fé como quem troca o recheio do sanduíche na lanchonete da esquina.  Adere-se a nova formulação espiritual como quem opina sobre o último modismo ou tendência.  Negocia-se com a doutrina como quem escolhe um produto no supermercado.  Fala-se de sacerdotes como quem fofoca sobre um pop star. 

 

Quando olhamos para nossa fé cristã hoje, a situação não parece ser muito diferente.  É verdade que nunca existiu um cristianismo unificado – nem nos tempos da igreja primitiva.  A igreja sempre soube preservar as suas verdades e doutrinas essenciais e deixar as questões secundárias abertas à pluralidade.  Lembre-se da reprimenda do apóstolo aos coríntios sobre as divisões na igreja e que eles deveriam reconhecer que, mesmo com as diferenças, seria imperioso todos seguirem a Cristo (em 1Co 3:1-9).

É importante também aqui lembrar que entre os grandes princípios batistas que nos norteiam desde o nosso início está a defesa da liberdade de opinião e de culto.  Nas palavras do Pr. Isaltino Coelho: “toda e qualquer intolerância, seja racial, social, religiosa, ideológica ou política deve ser rejeitada por nós”.

Então seria natural que diversas igrejas cristãs fossem estabelecidas com ênfases distintas.  Há denominações mais conservadoras, autoritárias e hierárquicas como também grupo mais liberais e comunitários.  Grupos cristãos dão mais atenção ao estudo bíblico, outros buscam experiências místicas, ainda outros priorizam as expressões de louvor e culto, e outros focam seu ministério nas inserções e cuidados sociais.  Todos, porém, devem reconhecer os valores e princípios básicos que nos fazem seguidores de Cristo.

Mas o tempo em que vivemos tem levado essa liberdade a um ponto de ruptura dentro do cristianismo.  Hoje qualquer líder ou influencer prega seus conceitos e interpretações e se apresentam como os paladinos da verdade e defensores da liberdade de expressão e culto, fundando suas comunidades (locais ou virtuais) e se oferecendo como mais uma opção de fé dentre as demais modalidades de vida e fé cristã.  E o que seria uma virtude cristã – a capacidade de dialogar com o diferente buscando os valores essenciais – passa a se conformar como uma quebra da unidade.

 

Nesse contexto, que nossa oração e desejo possam ser expressos na prece de Desmond Tutu:

Oxalá vejam o impacto que o Cristianismo exerce sobre o caráter e sobre a vida de seus adeptos, de modo que os não cristãos queiram, por sua vez, se tornar cristãos, assim como os pagãos dos tempos primevos foram atraídos para a igreja não tanto pelas pregações quanto pelo que enxergavam na vida dos cristãos, o que os fazia exclamar, espantados: "Como esses cristãos amam uns aos outros!"

 

(Da Revista DIDASKALIA – 1º quadrimestre / 2023 – IBODANTAS)

 

terça-feira, 19 de novembro de 2024

O LOGOS – SOBRE O FAZER TEOLÓGICO



Um cosmólogo encontra uma pequena luz no firmamento, logo aponta seus instrumentos naquela direção, faz suas observações, seus cálculos matemáticos e astronômicos, elabora uma teoria, publica argumentos, seus pares debatem e ajustam os resultados.  E assim faz ciência.

Um biólogo encontra uma pequena manifestação de vida, logo traz a cultura para seu laboratório, faz suas observações, suas análises comparativas e testes de amostragem, elabora uma teoria, publica argumentos, seus pares debatem e ajustam os resultados.  E assim faz ciência.

Um antropólogo encontra uma manifestação humana e cultural distinta, logo faz suas pesquisas de campo e suas observações, identifica variantes, elabora uma teoria, publica argumentos, seus pares debatem e ajustam os resultados.  E assim faz ciência.

Com o teólogo tudo se faz diferente.  Ele não encontra seu objeto de pesquisa, nem aponta seus próprios instrumentos, nem o coloca em um laboratório, nem identifica variantes... pode até publicar seus argumentos e debater com seus pares e ajustar suas posições.  Assim, nesse sentido técnico, não faz ciência.

Quando elaboramos nossa Teologia Sistemática, fazemos nossa lista com o que atribuímos ao Deus Cristão – por isso a chamamos de atributos – o reconhecemos como Onipotente, Criador, Onisciente e Amoroso.  Mas minha pretensão de estabelecer um perfil divino é prontamente questionado pelo suíço Karl Barth que insiste em se referir a esse Deus como o “totalmente outro”.  Ou seja, qualquer definição que eu possa vir a fazer sobre a divindade, em minha Teologia eu preciso sempre lembrar que ele escapa a qualquer definição.

Então: o que é a Teologia? Qual o seu escopo de trabalho? Onde buscar suas fontes? Qual o seu locus? Como se relaciona com as ciências? O que implica o fazer teológico?

Para cada um desses questionamentos não há uma resposta simples, direta e óbvia.  O que me leva à própria tarefa teológica. 

Sobre a definição do que chamo de Teologia: a palavra TEOLOGIA tem sua origem nas raízes da língua grega (mesma língua em que o NT foi escrito) e aponta para os radicais: Teos – Deus, divindade + Logos – palavra, estudo, discurso, argumento.  Assim, mais além do logos científico, posso compreender inicialmente Teologia como o discurso – ou diálogo – sobre Deus e com ELE.

Na mesma linha, devo estabelecer o escopo de trabalho da Teologia Cristã, tomando como ponto de partida o primeiro princípio citado na Declaração Doutrinaria da CBB, que se refere textualmente à “aceitação das Escrituras Sagradas como única regra de fé e conduta”.  Ou seja: todo fazer teológico tem que ser referenciado a partir da Revelação, dela tomar seus fundamentos e com ela estabelecer um diálogo.

Nessa perspectiva, vou me achegar ao texto bíblico para buscar ali a fonte de meu argumento.  As palavras do Quarto Evangelho falam do Logos que, no princípio, não apenas estava com Deus, mas era o Deus em si (confira Jo 1:1).  E, mais, o Logos divino é o Criador da luz vista pelo cosmólogo, da vida detectada pelo biólogo e dos seres humanos estudados pelo antropólogo (nos versos 3 e 4).   Aqui eu encontro o verdadeiro logos da Teologia cristã. 

Aqui está também o locus do fazer teológico – o lugar existencial onde devo encontrar o discurso.  Será sempre com homens e mulheres, de ontem e de hoje, daqui e de todo lugar, que, por crerem em seu nome, aconteceram de se tornarem filhos de Deus, onde vou estabelecer meu diálogo teológico (indo a Jo 1:12).  Em outras palavras, será em meio à comunhão dos santos – a igreja – que a verdadeira teologia cristã vai acontecer e encontrar sua essência.

Ouso parafrasear o dogma e tomá-lo como verdadeiro: extra Ecclesiam nulla Theologia – “fora da igreja não há Teologia”.

Mas esse diálogo teológico pode, e deve, também se estabelecer com outros saberes humanos.  Enquanto o salmista reconhece que “os céus declaram a glória de Deus” (no Sl 19:1), Isaac Newton dizia: “Do meu telescópio, eu via Deus caminhar!”.  Sem dúvida, cosmólogos, biólogos e antropólogos – assim como, historiadores, linguistas, arqueólogos, físicos e matemáticos podem enriquecer minha Teologia e compreensão bíblicas.

Quero, porém, voltar as palavras evangélicas.  O Logos divino encarnou para viver entre nós e assim nos fez conhecer a glória única do Pai, e ele estava cheio de graça e verdade (leia Jo 1:14).  E essa é exatamente a implicação de todo o fazer teológico: um diálogo que nos toque com a graça e a verdade e, nisso tudo, se manifeste a glória do Pai.


(Publicado originalmente em “O Jornal Batista” – ano CXXIII – Edição 46 – 17/11/2024)

 

terça-feira, 12 de novembro de 2024

OSSOS NO VALE



Depois de todas as desgraças anunciadas como consequências das abominações, arrogância e idolatria de Judá e Jerusalém. Depois também das últimas advertências contra os líderes nacionais. O Senhor levou Ezequiel a um vale cheio de ossos muito secos (37.1,2). A visão era aterradora.

Aquela visão demonstrava bem a situação em que o povo se encontrava na Babilônia: como um grande número de ossos sem vida que enchiam o vale (37.11). Mas o profeta foi levado até ali pelo Espirito do Senhor para algo começar a mudar.

Com o profeta andando de um lado para o outro entre aqueles ossos no vale, iniciou-se um diálogo entre ele e o Senhor, e, dessa conversa, Deus demonstrou como seria a restauração dos exilados.

 “Filho do homem, estes ossos poderão reviver?” – foi a pergunta inicial feita pelo Senhor. Ao que o profeta respondeu: “tu sabes” (37.3). Ezequiel tinha consciência que o destino de homens e mulheres pertence unicamente ao Senhor e que somente ele pode saber o que haveria de acontecer àqueles ossos e a seu povo.

O diálogo prosseguiu com uma instrução direta: “Profetiza sobre estes ossos” (37.4).

A obediência de Ezequiel em falar as palavras da profecia como lhe foi ordenado fez começar o processo de restauração dos ossos no vale (37.7). A inciativa da palavra profética é sempre do Senhor – nunca do próprio profeta – e quando esse se dispõe a ser fiel Deus honra e faz cumprir sua palavra.

Então os ossos se ligaram em corpos. Mas ainda não havia vida neles. Assim, a próxima instrução direta foi ao vento para que soprasse trazendo vida (37.9). Novamente obedecido por Ezequiel.

Na milagrosa restauração dos ossos no vale, Deus estava indicando que, da mesma maneira, abriria as sepulturas do seu povo e os traria de volta à terra de Israel (37.12).

E mais que isso, trocaria o antigo coração de pedra do povo dando-lhes o novo coração e espírito – o seu próprio Espírito (36.26,27). Porque a obra de restauração que o Senhor faz sempre é completa.

(Da revista “COMPROMISSO” – Convicção Editora – Ano CXVII – nº 468)

 

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

PECADOS DA ALIANÇA



Quando o pecado entrou na existência humana então, por causa dele, todas as realidades de nossa vida foram contaminadas, inclusive as relações conjugais.  (Lembre-se que o trabalho com suor do rosto e o desejo submisso ao marido são consequências do pecado e castigo por seu cometimento – considere Gn 3:16-19).

Em sua graça e misericórdia, porém, Deus estabeleceu lei e mandamentos para que o ser humano, mesmo debaixo do pecado, pudesse estabelecer um mínimo de condição digna de vida e que seus relacionamentos, mesmos descaídos no pecado, vivenciassem algo do plano divino. 

Assim foram dadas as Leis antigas.  Nos Dez Mandamentos, estabelecidos no Sinai para seu povo, Deus proibiu de maneira categórica: “Não adulterarás” (Êx 20:14 / Dt 5:18).

Tendo em vista esse mandamento divino, e as complexidades da vida e engenhosidade pecaminosa humana, podemos entender como sendo abarcado pelo sétimo mandamento – contra o adultério – algumas modalidades de pecado que estão listadas a seguir:

Adultério – esse é um termo mais genérico.  Implica na quebra dos votos da aliança ou infidelidade para o cônjuge em qualquer espécie ou gênero.  Ou seja, a prática de qualquer intimidade sexual fora do casamento.  Isso é pecado.

Fornicação – diz-se do ato ou pratica sexual ocorrido entre pessoas não-casadas.  Qualquer relação que implique em sexo entre pessoas que não ainda se comprometeram pela aliança.  Isso é pecado.

Concubinato – é a prática de convivência e relacionamento sexual sem que haja o compromisso de exclusividade e nem que tenha acontecido uma aliança de casamento diante de Deus.  Isso é pecado.

Prostituição – a pratica de qualquer ato, ou intimidade sexual, em troca de dinheiro bens ou favores quaisquer.  Isso é pecado.

Incesto – ato sexual acontecido entre pessoas que também mantêm relação de familiaridade de sangue.  Por incesto também se reconhece o ato entre irmãos, tios, cunhados, genros e afins.  Isso é pecado. 

Estupro – todo e qualquer ato sexual não consentido e que faça uso de força, violência ou intimidação.  Isso é pecado.

Pedofilia – quando a troca de intimidade ou prática sexual se dá envolvendo uma pessoa que ainda não é capaz de entender as implicações e desdobramentos do ato (independentemente da sua duração ou da superficialidade da conduta).  Isso é pecado.

Orgia – refere-se aos atos sexuais praticados simultaneamente por mais pessoas além do casal que tenha a aliança de casamento.  Isso é pecado.

Luxúria – é o comportamento desregrado em relação aos prazeres do sexo.  Ou seja, quando se mantém uma atitude de falta de compromisso e permissividade, ou sequer incentivar tal atitude.  Isso é pecado.

Assédio – a atitude de insistência impertinente, perseguição, sugestão, pretensão constantes ou sedução inconveniente com intenções sexuais.  Isso é pecado.

 

(A partir da Revista DIDASKALIA – 1º quadrimestre / 2023 – IBODANTAS)