quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

APENAS HOJE

 

 

2020 está chegando ao fim.  Embora todo fim de ano proporcione reações diversas. Algumas tradições e atitudes são basicamente esperadas.

As decorações abusam das luzes, a televisão se enche de especiais de natal e retrospectivas do ano, as confraternizações envernizam o espírito natalino, as promessas são proferidas e repetidas (algumas bem antigas), e por aí vai...

Mas, alguém vai negar que 2020 é diferente?

Quem é da minha geração vai lembrar da hecatombe nuclear e da ameaça comunista, do fim-do-mundo no ano 2000 e do bug do milênio, da revolta das máquinas e do HIV.  E ainda aguardando...

Posso comparar a 2020?

E se olhar mais longe na história: a peste negra, a guerra do ópio, o crash de 1929, a sombra nazista.  Quantos dados...

Será que 2020 se assemelha?

Utopias foram e voltaram, sonhos e expectativas se alimentaram e definharam, projeções e modelos de basearam e diluíram.  Mas...

E então, 2020 está chegando ao fim. Talvez até tenha quem encontre algum vestígio para celebrar.  Desconfio.  Porém acho que a maioria vai apenas suspirar: Ufa!!! Já foi!!!

Agora, pois, vendo os últimos lampejos de 2020 indo, eu me ponho a fazer o que me cabe: continuar Escrevinhando e ousando teologar tendo como base a herança sagrada que a Bíblia me fornece.

Quando Noé saiu da arca, depois da quarentena imposta pelo diluvio, ele ofereceu uma oferta ao Senhor, e isso lhe foi agradável.  Então o próprio Eterno lhe retribuiu com uma garantia/constatação: Enquanto durar a terra, plantio e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite jamais cessarão (Gn 8:22).

Muito mais que um convite à resiliência, o suspiro divino diante da oferta cheirosa do patriarca é a certeza que, seguindo a cada noite, uma alvorada sempre surgirá.  Nenhum terror noturno vai impedir o renovo da aurora da misericórdia.

Assim é que depois da noite que pode produzir choro e escuridão incerta, o amanhecer é inevitável e trará alegrias e misericórdias renovadas (Sl 30 e Lm 3).

Então eu me lembro das palavras do próprio Mestre:

– Não se percam por aí com ansiedade pelo que pode vir!  Basta a cada dia a sua pandemia! (Mt 6:34)

2020 realmente foi duro – os ingleses diriam: hard!

Mas, e o que nos aguarda 2021?

E eu insisto na sabedoria cristã:

– Por mais aperreado que você esteja, pode por acaso antecipar um segundo do futuro, fazendo-o agora? (Mt 6:27)

Ora, apenas hoje, você está vivo agora.  Apenas hoje perceba que 2018, 2019, 2020 chegaram e se foram.  Apenas hoje tire 2021 dos seus cuidados.

Apenas hoje. Olhe os lírios e os pássaros.  Eles vivem, um dia de cada vez, apenas hoje!

Apenas hoje, louve o Criador (Sl 150).

 

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

ADORANDO UM DEUS CONHECIDO


 

Reflexão baseada no sermão do Areópago - At 17:16-34

 

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

EM SILÊNCIO

 
 


Em silêncio toda a carne,
com temor e devoção
abandone, reverente,
todo o pensamento vão.
Nosso Deus à terra desce:
tributai-lhe adoração!

 

Cantei pela primeira vez a canção "Em silêncio toda carne" em 1986.  Tinha acabado de me incorporar ao grupo do Coral Sinfônico do Seminário do Norte em Recife e conheci o arranjo do Prof. Ralf Manuel ainda em manuscrito.  Se há experiências que ficam impregnadas na alma, essa canção me foi uma delas.

(A versão que foi para o HCC nº 89 talvez seja menos trabalhada e menos coral que a do Prof. Ralf, mas conserva ainda a linha sublime da música.)

A sua melodia original é francesa do século XVII e consegue me transmitir a sensação de contemplação e transcendência das antigas catedrais cristãs.

A sequência em tom menor inicia suavemente - em linguagem musical: piano - como se nos convidasse a humildemente entrar na presença do sagrado, e em silêncio reverente tributar a ele a adoração exclusiva.

Deus está ali.  E eu me devoto reverente a ele.

 

Rei dos reis, da virgem Filho,
entre nós ele habitou.
Deus, em corpo e sangue humano,
Deus, Senhor que se humilhou
os seus filhos alimenta.
Ele disse: “O Pão Eu sou.”

 

A segunda estrofe começa com um mezzo forte e vai crescendo como quem já se ambientou na presença do sagrado e agora vai adiante com ousadia buscando o clímax.

Em geral essa música está relacionada aos cantos natalinos (a versão de 1986 fez parte da Coleção Natalina do Coral Sinfônico e no HCC ela está incluída entre este tema).

A sua letra, porém, remete à Liturgia Grega de São Tiago no século V e conheceu sua primeira versão em português na década de 1960 através do trabalho do Pr. João Wilson Faustini.

Mas ela vai além das celebrações do nascimento de Jesus.  É a afirmação básica de nossa fé que declara e reconhece um Deus que, em sua realeza, humilhou-se para se tornar corpo e sangue humano e assim se oferecer como o Pão Vivo que alimenta seus filhos.

 

Vigilantes anjos voam
ao redor do Criador
e, cobrindo as suas faces,
cantam o eternal louvor:
“Aleluia, aleluia!
Ao supremo Deus, Senhor!”

 

Estamos agora já cantando em uma dinâmica forte.  Mas a música ainda tem o que nos dizer.  Ou melhor, ainda há profissão de fé e reconhecimento dos atributos divinos a serem cantados.  Diante dele fomos trazidos nessa catedral espiritual e o hino nos conduziu no canto àquele que é digno de receber todo o eternal louvor.

E o crescendo nos leva ao fortíssimo.  Aqui nossa canção se soma ao coro dos anjos.

Assim, começamos silenciosa e reverentemente entrando na presença do Augusto Sagrado e por fim, com nossa alma saciada, irrompemos em adoração:

"Aleluia, aleluia! Ao supremo Deus, Senhor!"

 

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

APRENDENDO AS LIÇÕES NA CASA DE JESSÉ

 Publiquei semana passada uma reflexão sobre a missão do profeta Samuel à casa de Jessé em Belém (leia aquilink).  Entendo que é bom extrair algumas lições extras no episódio.

Retomando a cena, devemos observar que, enquanto a narrativa se desenrola, parece que alguns momentos fogem do controle e tudo se perderá; mas no fim tudo dá certo e as peças se encaixam perfeitamente pois sabemos que Deus faz de tudo para o bem daqueles que o amam, aqueles que estão nomeados pela [sua] proposta. (Rm 8:28).

Assinalo:

א) Nós notamos as aparências, Deus vê o coração (1Sm 16:7 / Gl 2:6);

ב) Os seres humanos julgam as ações, o Senhor não despreza um coração contrito (Sl 51:17);

ג) Somos levados a buscar grandes feitos que confirmem nossa posição, Deus considera o dia das pequenas coisas (Zc 4:10);

ד) Constantemente valorizamos àqueles que se sobressaem, Deus usa e capacita todo aquele que ele chama e que se submete a sua vontade (1Ts 5:24);

ה) Muitas vezes um fracasso momentâneo e aparente nos faz desistir, Deus nunca muda os seus planos e nem abandona o seu povo (Mt 28:20).

 


 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

NA CASA DE JESSÉ

 



O coração de Samuel ainda estava triste por causa da rejeição de Saul.  Deus então veio ao encontro do profeta e o lembrou que todo o processo de escolha e rejeição era obra da soberania divina e que ao seu servo só cumpriria executar o que lhe fosse ordenado.

O tempo de Saul já havia passado, agora era hora de ir a busca de um novo rei para ungi-lo: mas, onde encontrá-lo?  Como achar o homem certo que se enquadrasse no perfil exigido por Deus?

Encha seu chifre com óleo e vá a Belém;
eu o enviarei a Jessé.
Escolhi um dos seus filhos para fazê-lo rei.
(1Sm 16:1)

Mesmo com algum receio, Samuel seguiu as instruções e foi à casa de Jessé.  Depois de participar de uma cerimônia de sacrifícios com Jessé e seus filhos, e os consagrar ao Senhor, o profeta começou seu trabalho de busca daquele que deveria ser ungido especificamente à realeza.

O primeiro a ser examinado foi Eliabe, o primogênito. 

Se era para ser alguém daquela casa que fosse este! – Deve ter pensado Samuel!

A resposta foi imediata:

Não considere sua aparência nem sua altura, pois eu o rejeitei.
[O Eterno] não enxerga como o ser humano, esse [] vê a aparência,
mas o Eterno percebe o coração.
(1Sm 16:7)

Assim se seguiram Abinadabe, o segundo; Samá, o terceiro; e mais outros num total de sete dos filhos de Jessé e a resposta foi sempre a mesma:  Também não foi este que o SENHOR escolheu (1Sm 16:9).

Neste ponto da história, alguma coisa parecia estar errada: a mensagem era clara sobre a casa de Jessé!  Só podia está faltando alguém!

Foi quando lembraram do caçula Davi que estava no campo e não tinha participado em nada no desenrolar dos acontecimentos: nem dos sacrifícios, nem da consagração, nem do processo de escolha.

Trouxeram Davi à presença de Samuel e este foi descrito como um garoto ruivo e de feições delicadas.  Aparentemente nada que fizesse lembrar o porte e a dignidade de um rei.  Contudo a ótica divina vê diferente:

É este!  Levante-se e unja-o (1Sm 16:12).

Quando Davi foi ungido na presença de seus irmãos, o texto diz que o Espírito do Senhor se apoderou de Davi.  Era a confirmação de que ele era o escolhido.

Então Samuel pôde voltar para Ramá onde morava; estava cumprida a sua missão.

 

(Na imagem, reprodução da pintura em óleo sobre tela intitulada A Unção de Davi – obra do 1555 do italiano Paolo Veronese.  O original atualmente está no Kunsthistorisches Museum, Vienna, Austria)

 

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

TEMAS DO PROFETA AMÓS

 


 

Amós foi o primeiro dos profetas escritores do Antigo Testamento. Ele era natural de Tecoa, um vilarejo a 20 km de Belém e desenvolveu seu ministério principalmente no Reino do Norte no tempo dos reis Jeroboão II em Samaria e Uzias em Jerusalém (século VIII a.C.).

Essas são as bases da sua profecia:

 

Assim Falou Javé (1:3) – a vivíssima consciência da vocação que Amós apresentou foi fundada no fato de que Deus irrompeu em sua vida para ocupá-la e colocar em sua boca a palavra profética.  Logo: ser chamado e profetizar estariam em relação direta de causa e efeito.

 

Vacas de Basã (4:1) – Basã era uma região a leste do Jordão famosa por suas ricas pastagens e gado nobre.  Seus touros eram fortes de aspecto (veja Sl 22:12). Amós não estava falando somente aos touros, aos governantes e líderes de Israel, mas também às mulheres que com suas exigências e ambições dispendiosas, estavam levando os maridos a praticar injustiças para satisfazer seus caprichos cobiçosos de obter mais e mais luxo e poder.

 

Aborreceis na porta (5:10) – a entrada da cidade era o lugar onde se reuniam os anciãos para tratar de queixas, apelos, comércio, política e lei local.  Mas, por conta da decadência moral de Israel, esse dispositivo básico da justiça e do direito estava deturpado.  A denúncia do profeta foi contundente, pois não encobriu a injustiça que não dava direitos iguais a todos.

 

Desprezo vossas festas (5:21) – o profeta foi fundo na busca das reais causas de tanta desgraça em Israel: o culto a Javé havia se resumido a mero formalismo, o povo só lembrava a aliança em sua parte referente às bênçãos de Javé.  E o culto e a aliança já não traziam implicações para a vida diária de Samaria.

 

Quando passar a lua nova (8:5) – Amós denunciou a usura que estava escondida sob a observância das práticas cultuais.  A lua nova, bem como o sábado, interrompia as transações comerciais.  Os ricos comerciantes fraudulentos seguiam estritamente tais práticas, mas para o profeta isso não adiantava nada se ela – a guarda dos rituais – não fosse capaz de gerar um novo procedimento e uma nova atitude.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

A SEMENTE E O CORAÇÃO

 


 

Um dos métodos que Jesus se utilizou para ensinar aos seus discípulos as lições e verdades sobre o evangelho que estava anunciado foi o de contar histórias.  Elas sempre traziam alguma luz para melhor entender o que Jesus estava ensinando.

Entre tais histórias, a do semeador foi contada para que seus discípulos compreendessem como se dá a propagação e aceitação do evangelho.  Na narrativa, um semeador saiu a espalhar a sua semente, porém ela caiu de maneira indistinta em terrenos diferenciados: à beira do caminho, sobre pedras, entre espinhos e em boa terra (leia a narração em Lc 8:4-8)

O problema é que, mesmo os discípulos continuaram sem entender o significado daquela história, gerando a necessidade do próprio Jesus explicar o seu significado (leia também a explicação em Lc 8:9-15).

Pela explicação dada por Jesus, a semente é a palavra de Deus e os diferentes tipos de terrenos onde a semente cai são os tipos diferentes de coração onde a semente-palavra é lançada, resultando assim, diferentes maneiras de aceitação do evangelho do Reino de Deus que Jesus estava anunciando.

Assim, aplicando as lições apresentadas na parábola do semeador, podemos notar que a semente da palavra de Deus está sendo lançada e que cada ser humano reage de uma forma própria a esta palavra.  Alguns ouvem, mas logo o diabo lhes tira a semente, não produzindo nenhum efeito.  Outros até ouvem e aceitam de início, mas as preocupações ou as ilusões desta vida não a deixam criar raízes e frutificar.

Mas há ainda aqueles que, tendo recebido a mensagem de bom coração, aceitam e permitem que ela germine e produza os frutos.  Cabe ao discípulo dispor de sua vida e coração como uma boa terra para que o evangelho do Reino possa ser plantado e frutifique.

(Da revista “Lucas” – Editora Sabre.  Na imagem, reprodução do quadro “O Semeador” de Vincent van Gogh pintado em 1888 cujo original atualmente encontra-se no E.G. Bührle Foundation, Zürich, Suíça)