O livro da profecia de Daniel narra, nos
sete primeiros capítulos, a trajetória de quatro jovens judeus na corte da
Babilônia - Daniel (chamado em língua local de Beltessazar), Hananias
(Sadraque), Misael (Mesaque) e Azarias (Abede-Nego).
Logo no começo da narrativa os garotos são
apresentados como nobres exilados, levados de Jerusalém depois que o rei
Joaquim sucumbiu diante do exército de Nabucodonozor.
Mas o rei conquistador tinha planos para os
deportados: incutir neles a cultura, a religião e os hábitos babilônico, fazer
deles típicos colonizados - uma recorrente relação de dominação cultural e
etnocentrismo, de metrópole e colônia, de racismo e subjugação ideológica.
Aconteceu porém que os quatro heróis
decidiram não se conformar com as práticas impostas. Criado o impasse, os jovens conseguiram uma
brecha de dez dias para provar que seu modus
vivendi - ou Jewish way of life -
apresentaria resultados mais expressivos.
Com um prazo tão curto, a intervenção divina
fez toda a diferença. E o texto sagrado
diz: "A esses quatro jovens Deus deu sabedoria e inteligência para
conhecerem todos os aspectos da cultura e da ciência" (Dn 1:17 - é
interessante continuar lendo até o verso 20).
Se a intenção era capacitar os jovens com as
artes e ciências daquela terra, foi-lhes concedida sabedoria e inteligência
celeste. Perspicácia, tirocínio, razão, ciência,
intelecto; tudo isso e muito mais cedido de graça por aquele que tudo sabe e
tudo conhece (lembro o hino de louvor em Rm 11:33-36 que louva o Onisciente).
Agora, me permita descrever a sabedoria e
inteligência que foi dada aos jovens nobres, vinte e quatro séculos atrás, com
modos de hoje. Acho que assim fique
melhor de entender.
Depois de se submeterem não ao capricho de
um governante temporário, mas àquele que eternamente tudo define, os jovens
passaram a dominar também o método, os critérios, os pressupostos e ditames de
todo conhecimento científico.
Eles se tornaram versados em ciência pura. Matemática, física, astronomia, mecânica quântica,
química. A formação e interação de
elementos e forças. Os tempos, os
espaços e as sequências. O Cosmo e o
átomo. O macro e o micro.
Eles dissecaram as ciências da vida. Bioquímica, botânica, farmacologia, anatomia,
ecologia, genética. As enzimas, os
ácidos e as células. A fotossíntese, os
instintos e a reprodução. A bio, a gaia e o zoo.
Eles compreenderam os meandros das ciências
humanas. Psicologia, sociologia,
linguística, história, direito, geopolítica, antropologia. A mente, a alma e seus contornos e cores. As sociedades e seus mecanismos. Os impulsos individuais e as pressões
coletivas. O meu e o nosso.
Mas também percorreram as trilhas do saber. Filosofia, arte, epistemologia, literatura,
metafísica, ontologia. O pensamento e a lógica.
A sabedoria e a erudição. A ética e a estética. O belo e o correto.
Então eu, olhando aqueles doutos jovens,
posso me ver chegando a duas conclusões.
Primeiro. A verdadeira piedade cristã se opõe
diametralmente ao obscurantismo intelectual. John Stott já dizia que crer é também pensar. Fé e ciências precisam ser parceiras e nunca
adversárias.
É claro que sempre haverá aqueles momentos
nos quais vou concordar com Agostinho que dizia: crede, ut intelligas - "creia para que possa entender".
Segundo. Quando não consigo entender um determinado
postulado ou enunciado eu não devo simplesmente relegá-lo a ignorância nem a
detratação. O entendimento joanino de
investigar os espíritos, entendo que pode ser estendido para aqui (cito 1Jo
4:1).
Também é bom observar que Tiago instrui a
quem não tem sabedoria que peça a Deus que ele dá liberalmente - como fez com
os jovens judeus (a referência é Tg 1:5).
E acrescento uma terceira mais, fazendo
minhas as palavras de Paulo: comam,
bebam, creiam e aprendam; mas façam tudo para a glória de Deus (1Co 10:31).