terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

O CULTO CRISTÃO E A RELIGIOSIDADE GREGA – 2ª parte

 

Outro aspecto que jugo importante a se destacar na formação do culto na igreja cristã e a sua relação com a religiosidade grega do primeiro século são os cultos de mistérios.  Na religião popular grega os ritos de mistério eram frequentes.  Enquanto Asclépio curava, os ritos de mistério de Elêusis, que associava promessas religiosas a garantias na agricultura, ofereciam também a certeza de renascimento depois da morte.  O culto eleusino estava ligado à deusa Demeter – deusa da agricultura – e à sua filha Perséfone.  Segundo a mitologia, Perséfone foi raptada por Hades.  Quando sua mãe sentiu sua falta ela saiu à sua procura.  Durante a viagem, Demeter foi recebida pelos habitantes de Elêusis, um sítio sagrado perto de Atenas.  Como gratidão a deusa lhes ensinou os ritos secretos dos deuses que garantiam aos mortais tanto a certeza de boas colheitas (a fertilidade da terra) quanto o retorno da vida após a morte (a periodicidade das estações).  Convém destacar que este culto atendia às duas características básicas da religiosidade: em primeiro lugar respondia aos anseios da vida e sua preservação aquém e além da morte, contudo também rompia com os cultos nacionais que se reservavam às camadas mais abastadas da população abrindo-se para qualquer homem ou mulher que tivesse conhecimento dos ritos secretos (mistérios) revelados.  Robert Coleman, em The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge observa que nos cultos de mistério "homens e mulheres, cativos e livres" obtinham as benesses da divindade através de um ritual de iniciação, ou purificação (myēsis) que os qualificava para a admissão em um culto anteriormente confinado aos cidadãos".  E completa:

A abertura do santuário eleusino aos atenienses coincidiu com uma onda de reavivamento religioso, o qual (expandindo para o território semítico no século sexto a.C.) infundiu na mente dos homens a ideia de uma possibilidade definida de felicidade numa vida futura, condicionada a uma comunhão íntima com os deuses que era alcançada na oferta do sacrifício.  Purificação é a chave do culto de mistério; pela palavra mistério se entende um rito no qual muitas coisas sagradas são exibidas, as quais não podem ser obtidas pelo cultuante sem ele ter passado completamente pela purificação prescrita.

Sabemos muito pouco como aconteciam as liturgias nos cultos de mistério pois suas práticas só eram reveladas aos iniciados que juravam mantê-las em segredo, assim não é possível comparar prática a prática os mistérios gregos e o cristianismo.  Contudo, como no primeiro século o cristianismo era difundido às escuras devido às constantes perseguições sofridas pelos adeptos do novo culto e por a pregação cristã afirmar a certeza da ressurreição em Cristo Jesus como a garantia da vitória sobre a morte (1Co 6:14 e 15:55-57), bem como o ingresso na comunidade se dar através do batismo (At 2:42 passim) o qual poderia ser interpretado como um ritual de purificação e salvação (1Pe 3:21), somos levados a entender que, na mentalidade sincretista popular grega, as duas práticas cultuais acabariam por trocar influências entre si.

Este amálgama religioso, porém, também mereceu críticas da nascente igreja, como foi no caso do culto a Asclépio citado antes, mas com um acréscimo: mesmo reconhecendo que provisoriamente ainda há mistérios na mensagem cristã, o evangelista Lucas cita declaração do próprio Cristo ao afirmar que "não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido" (Lc 12:2); além do mais a razão de ser de tais mistérios cristãos é que o oculto "resultará em louvor, glória e honra, quando Jesus Cristo for revelado" (1Pe 1:7).

 

Do livro: DE ADÃO ATÉ HOJE – um estudo de CultoCristão.

A imagem lá em cima: ruinas de Elêusis (Ελευσίνα), Grécia –
crédito da imagem: Google Maps

 


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