A
teologia cristã é herdeira da fé do antigo Israel. Também sua
relação Estado-Religião, de certo modo, é consequência da mesma
relação em Israel. Assim, será nas páginas do Antigo Testamento
que devemos buscar inicialmente a descrição. Ali, na Teologia
Bíblica do AT, a ação de Javé sobre a nação eleita e a resposta
nacional estavam intimamente relacionados tanto na fé como na
política.
De
modo geral, dois conceitos aqui são fundamentais no AT: (a)
a ação de Deus que conduz a história a seu modo e (b)
há um povo que foi eleito para cumprir um desígnio específico e
que por isto lhe são dadas prerrogativas especiais na sua relação
com o sagrado e nas suas relações consigo mesmo e com outros povos.
O
teólogo bíblico alemão Gerhard von Rad, comentando essa
compreensão, afirma que “para
os antigos narradores, a maneira como Deus dirigia a história se
manifestava de preferência nos milagres, no carisma de um chefe, nas
catástrofes ou em outras demonstrações significativas de poder.
Numa palavra, estava ligada às instituições sagradas (guerra
santa, arca, etc.)”.
Nesta
relação entre fé e Estado em Israel uma figura contudo precisa ser
destacada: o profeta. Mesmo sendo verdade que Deus deu prerrogativas
à nação e ao seu príncipe, bem como às instituições religiosas
e aos sacerdotes oficiais, Deus sempre fez levantar profetas que, à
margem do sistema oficial de poder e fé, tinham a incumbência
sagrada de alertar o povo contra desvios e desmandos, inclusive dos
seus líderes, mantendo o equilíbrio espiritual em Israel (veja por
exemplo o profeta Elias – em 1Rs 18 – também o profeta Micaias –
em 1Rs 22 – ou ainda Ezequiel – em Ez 21:25).
Chegando
ao Novo
Testamento, o centro das relações entre o estado e a fé se desloca
da crença da nação eleita para uma comunidade que precisa se
firmar em meio a uma potência estatal-nacional, e cujas relações
são conflituosas desde o seu nascimento.
Daí
que, para a Teologia do NT, embora o poder estatal não seja
necessariamente legitimado por Deus, mas tem obrigações a cumprir,
pois ele é serva de Deus para o bem comum (conforme Rm 13:4).
Assim
é que, ao cumprir seu papel dado pelo próprio Deus, as palavras de
Paulo devem ser consideradas: Toda
alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não
há autoridade que não
venha de Deus; e as autoridades que há foram ordenadas por Deus
(Rm 13:1).
E
mais enfáticas são as palavras da Epístola de Pedro: Sujeitai-vos,
pois, a toda ordenação humana por amor do Senhor; quer ao rei, como
superior; quer aos governadores, como por ele enviados para castigo
dos malfeitores e para louvor dos que fazem o bem (…).
Honrai a todos. Amai a fraternidade. Temei a Deus. Honrai o rei”
(1Pe 2:13-17).
Por
outro lado, todo poder e autoridade são requeridos pelo próprio
Cristo (conforme, por exemplo: Mt 28:18) que os transfere aos seus
discípulos: Assim
como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós
(Jo 20:21).
Desta
forma a igreja, que se segue como continuadora e legítima herdeira
dos primeiros discípulos, deve ser também uma depositária fiel do
poder que esteve em Jesus Cristo. Neste sentido, é possível
compreender que recai sobre a igreja um poder de gerir os negócios
do trato espiritual de todos os povos, pois no plano eterno e
universal de Deus, coube a ela a posse do domínio religioso e a
incumbência de responsabilizar-se pela proclamação da verdade.
Desta
leitura rápida da Bíblia observo então que a relação entre
Igreja e Estado deve ser de separação, uma vez que ambos estão
dotadas de poder dado por Deus para desempenharem autoridade sobre os
seres humanos em área distintas: no âmbito temporal – no caso do
poder estatal – ou no âmbito espiritual – no caso do poder
religioso da igreja.
Mas
isto não nega a realidade de que ambos se tocam e se influenciam.
Tendo elas a mesma origem: Deus; e o mesmo objetivo que é servir
para a promoção humana trazendo-o para dentro dos propósitos
divinos, Igreja e Estado – mesmo separados – devem viver juntos.
E
que tenhamos governantes que favoreçam uma vida tranquila e pacifica
(1Tm 2:1-2) e servos de Cristo que mantenham suas posições de
independência profética para que sempre desafiem os poderes
constituídos em seus desmandos e erros (Mc 6:18-19).
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