Remexendo
em algumas leituras antigas, encontrei a citação a seguir num livro
do Jaci Maraschin de 1996. Ela, a citação, foi tirada de um
panfleto de cunho puritano, publicado em 1586, intitulado “Petição
de todos os verdadeiros cristãos à Casa do Parlamento”.
Veja:
Devem
ser destruídas todas as igrejas-catedrais onde o serviço de Deus é
grandemente ultrajado por meio de órgãos de tubo, cantorias,
campainhas e o costume de se jogar os Salmos de um lado para outro do
coro, com os guinchos dos coristas que cantam fantasiados (como
aliás, todos os outros) com sobrepelizes brancas; alguns deles com
chapéus e frívolas capas, imitando os usos do Anticristo, o Papa,
esse homem pecaminoso e filho da perdição, com seus seguidores
descrentes e espertalhões.
Como
coloquei lá no título, aqui só quero fazer um pouco de provocação
sobre o tema. É verdade que com o tempo, o estudo, a vivência, a
gente acaba formando conceitos sobre essas coisas, e talvez não seja
muito fácil se livrar deles – até quando se está apenas
provocando.
Antes,
porém, de atentar para a citação puritana e ver o que ela nos
provoca, entendo que é bom voltar um pouco na história.
Como
conceito geral, o órgão é um dos mais antigos instrumentos
musicais do Ocidente. O órgão (a partir do grego: ὄργανον
– instrumento
– e
por falar em grego, esta palavra não consta do NT), teve sua ideia
inicial esboçada por um tal de Ctesíbio de Alexandria no século
III a.C. quando resolveu juntar uma flauta com um sistema hidráulico
de injeção de ar nos tubos. Daí foi consequência e
desenvolvimento da ideia.
O
órgão tem sido, em geral, o queridinho da música por séculos
pelos lados de cá do mundo, tanto como acompanhamento de liturgias e
adoração originalmente pagãs e depois cristãs, quanto para música
de puro entretenimento. Bach o usou e explorou até quase seus
limites com suas composições e fugas. E Mozart chegou a se referir
a ele como o rei dos instrumentos.
Também
vale a citação de seus parentes próximos, entre eles o harmônio,
a gaita-de-foles e o acordeon – ou melhor, a sanfona (a ideia é a
mesma, só muda a embalagem!).
Nas
celebrações cristãs, a primeira referência consistente que se tem
sobre o uso do órgão nos cultos é do século VII quando o Papa
Vitalino o incorporou na liturgia. E o Concílio Vaticano II
reafirmou:
Tenha-se
em grande apreço na Igreja latina o órgão de tubos, instrumento
musical tradicional e cujo som é capaz de dar às cerimônias do
culto um esplendor extraordinário e elevar poderosamente o espírito
para Deus
(Artigo nº 120).
(Artigo nº 120).
Voltando
a citação puritana – já está ficando grande a revisão
histórica.
Nos
meados do século XVI, a reforma inglesa tinha apenas maquiado a
doutrina, a liturgia e a devoção. E o povo cristão anglicano
buscava por uma vida de maior santidade e pureza e, certamente, um
culto que os aproximasse mais de Deus.
Foi
nesse contexto que a liderança puritana se dirigiu ao Parlamento e
requereu basicamente três coisas: (1) A destruição das
igrejas-catedrais; (2) a retirada dos órgãos do culto – eles
ultrajam o serviço a Deus; e (3) a mudança na liturgia, excluindo
as responsivas e os corais cujos paramentos e fardas mais pareciam
coisa de católicos romanos.
É
verdade que não consegui encontrar nenhuma resposta oficial dada
pelo Parlamento Britânico à Petição Puritana. Mas fica o
questionamento e a provocação: seriam os grandes templos, o solene
som do órgão e as estruturadas liturgias congregacionais parte
essencial de nossa fé, tradição e culto? Ou eles foram inovações
às quais já nos acostumamos e nem ao menos queremos remexer?
E
mais: que outras formas e jeitos já estamos incorporando ao nosso
cristianismo? Teremos a mesma coragem e ousadia de interpelar pela
defesa e pureza de nossa fé e culto?
São
apenas provocações.
Ah!
E sim! Eu, particularmente, gosto bastante do som do órgão.
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