sexta-feira, 20 de maio de 2016

ADORAÇÃO E LOUVOR: TENDÊNCIAS

Não faz muito tempo, agendei num domingo à tarde para ir dar assistência a uma pequena congregação que nossa igreja mantém aqui perto de Aracaju.  Lá não tinha pastor e aproveitaria para celebrar a Ceia do Senhor com os irmãos.
A reunião estava marcada para as 15 h.  Cheguei um pouco antes.  Saudei a irmã que estava na entrada do salão de culto.  Fui até os primeiros bancos.  Sentei e aguardei o início dos trabalhos.
Dali a pouco chegou o evangelista.  Cumprimentou-me com alegria pela presença do pastor e pediu que aguardasse que logo o culto começaria.  Ele foi à frente e começou a ajustar o equipamento de som que seria usado naquela tarde.
Sem ver o que acontecia atrás de mim – continuei sentado bem na frente – aguardei.  Tentando chegar a um mínimo aceitável de qualidade, o evangelista continuou pelejando com a caixa de som.  E o início de culto teve que esperar.
Até que, já beirando à meia hora de atraso, finalmente o culto começou – e eu sentado no mesmo lugar.  Depois de alguns cânticos não muito afinados, mas cantados com empolgação, e uma oração, a palavra me foi entregue.  Eu me levantei, dei não mais que dois ou três passos, olhei o salão de frente, e só então me dei conta do que estivera acontecendo naquela tarde:
O culto atrasou meia hora a fim de que o microfone fosse ligado para um auditório de oito pessoas: eu, um diácono que me acompanhava, o evangelista, sua esposa e mais quatro irmãos – dois adolescentes e duas senhoras.
Entendi que ali eles queriam oferecer o melhor para Deus.  Mas o inusitado da situação trouxe-me à mente algumas questões: o que a igreja tem feito consigo mesma e com o seu louvor? Qual o nosso paradigma? E o nosso diferencial? Por que hoje celebramos culto deste jeito? Por que chamamos isso de adoração e louvor?
Temas como estes têm ocupado minha agenda pastoral e teológica e entendo que não há respostas definitivas para todas as questões.  Mas tenho sugestões.  E é isso que eu quero fazer aqui: tentar apontar algumas tendências que me parecem claras no louvor e na adoração da igreja no Brasil hoje.
Antes de continuar, deixe-me fazer duas colocações como quem quer marcar posição.  Primeiro: adoração e louvor não são necessariamente sinônimos de música – é bem mais que isso – mas a associação é quase inevitável.  Então quando aponto para um, respingo no outro.  Segundo: citar tendência atual não equivale a fazer juízo de valor.  Não é por ser moderno que é bom ou ruim.
Bem, vamos às tendências.  Vou sugerir aqui sete delas que me parecem suficientemente abrangentes, três sobre postura e quatro sobre conteúdo.  Cada uma delas mereceria aprofundamentos melhores, mas vou por hora apenas propor um início de conversa.
A chegada do século XXI popularizou os chamados shows gospel (eita expressão esquisita!).  E esta me parece uma tendência inevitável.  A adoração pública deixou o ambiente eclesiástico e ganhou às praças.  Virou show e teatro, apresentação e entretenimento.
Como tudo na vida, tem seu lado bom e ruim.  Se por um lado, tanto livrou as igrejas dos marqueteiros (será?) como contribuiu para divulgar a fé, o que não deixa de ser positivo (considero Fl 1:18); por outro transformou os fieis em platéia e dissociou adoração e louvor da piedade pessoal.
Outra tendência, quase como extensão desta primeira, é a profissionalização dos adoradores e louvadores (existe esta palavra?).  Para se fazer eventos de qualidade é necessário que pessoas se ocupem e esmerem em fazê-los.  E isto exige tempo, habilidade e dedicação – daí a presença de profissionais.
Lembro que Davi profissionalizou o culto em Jerusalém mil anos antes de Cristo, o que deu um fantástico ganho de qualidade à adoração em Israel, daí que ter profissionais no louvor não é necessariamente ruim.  Mas também é verdade que quem trabalha para Deus apenas por dinheiro, logo se venderá ao diabo se ele pagar melhor!
E como estes profissionais da fé precisam ser sustentados (está na Bíblia em 1Tm 5:18), passou-se a criar uma rede de sustentação para tais: gravações, shows, cachês, clips, contratos, e por aí vai...
E isso, sem falar nas rádios e TVs evangélicas que divulgam estes trabalhos, mas que têm também que se virar com a concorrência.  Ou seja, hoje temos a tendência da adoração de apelo midiático (palavra bem pós-moderna!).  É bom ter emissoras cristãs, mas ouvir gospel music (que mania de inglês!) dedicada à "prima da sogra do meu irmão que está ouvindo e gosta deste cantor" é o fim...
E quanto ao conteúdo da adoração e do louvor, que tendências posso detectar? Até que ponto a forma influencia o conteúdo? Acompanhe mais um pouco comigo.
Quanto ao conteúdo, o que mais tem me chamado à atenção é a tendência marcante de canções, mensagens e orações centralizados na primeira pessoal: eu.  Não é de hoje que se canta assim, minha avó já louvava declarando: vivo feliz, pois sou de Jesus (notadamente em primeira pessoal), mas a ênfase estava no rende-lhe sempre ardente louvor (o mais importante deveria ser ele – o Senhor).
Hoje eu canto, eu adoro, eu declaro, eu louvo, eu me prostro, eu sei, eu levanto minhas mãos, eu me alegro, eu tomo posse, eu...  eu...  eu...  E até parece que Cristo é apenas um apêndice nisto tudo!
Mas, além desta adoração autocentralizada, três outros temas parecem dominar as canções de louvor e adoração, e elas completam as tendências que cito aqui.
Já perceberam quanto se faz citação do AT? E em língua hebraica? Também não estou dizendo que é um erro, é uma tendência.  Claro que os textos antigos são de maneira igual parte de nossa herança de fé e não posso esquecê-los.  Mas até parece que se tem saudade da antiga aliança e já nem lembramos que ela foi superada em Cristo (o texto aos Hebreus no NT é exuberante em expor isto!).
Também uma tendência bem marcante hoje é centralizar nossa fé, nossa esperança, e por isso nosso louvor, nas bênçãos temporais de Deus – afinal nos está prometido o melhor desta terra!
Concordo que nenhum cristão sincero nega a esperança no porvir, mas já não se repete com tanto entusiasmo: com Cristo vou morar no lindo céu!
E como última tendência que pretendo apontar, está a de se reportar às nossas batalhas diárias com os mesmos elementos citados acima – uma coisa leva a outra.  Se minha teologia ainda está no Antigo Testamento, eu me vingo do meu inimigo e não o amo, nem oro por ele, muito menos lhe ofereço água! Se minha conquista já deve se revelar por agora, o vinde bendito do meu Pai passa a ser apenas discurso, e não esperança que move a vida.
Bem, como disse lá em cima, são apenas alguns apontes sobre o louvor e a adoração na igreja brasileira hoje e suas tendências – sugestões para início de conversa.  Espero em Cristo que outros possam topar o bate-papo e prosseguir no diálogo.  Creio que será produtivo para o Reino de Deus.
Sim, quanto ao culto na congregação: aproveitei a oportunidade para, dispensando o microfone, celebrar a Ceia do Senhor lembrando os primeiros cristãos que o faziam adicionando à memória a comunhão.  Foi uma tarde abençoada para a glória de Deus.

OJB, 24/11/2013

6 comentários:

  1. Concordo plenamente com o amado Pastor, porém, tem certos cultos em algumas igrejas que parecem até um culto fúnebre e não um culto celebrativo ao Senhor.E pensando no culto externo, é impossível fazer um culto evangelístico com uma caixinha de som, enquanto que o inimigo passa com um Trio Elétrico.

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    1. Boas colocações. Como disse, eu me propus a apontar tendências, que em si não são necessariamente boas ou ruins, mas que precisam ser consideradas e analisadas para que nossa adoração e nosso louvor continue cristocêntrica - primeira e principalmente - mas também relevante.

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    2. Jesus fez cultos para multidões sem elas!

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    3. É verdade: Jesus falou para multidões sem nenhuma caixa de som ou outro eletrônico.
      A razão e centralidade de nosso encontro deve estar na adoração e não nos equipamentos disponíveis.

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  2. É tão bom ler este blog: verdadeiros estudos bíblicos durante a semana. Sobre a questão da música eu sempre me pego pensando na relação entre adoração e mercado e igual me incômoda a alcunha Gospel. Vejo cada vez mais diminuída a participação dos hinos nos cultos e uma crescente briga de egos entre os diversos grupos de louvor das igrejas. Quase sempre fica a sensação de que é mais uma performance do que propriamente adoração.Mas é uma escola, é talvez a escola Diante do Trono de fazer as coisas.

    Tangendo um pouco ao conteúdo deste post, gostaria de compartilhar uma inquietação minha de muito tempo, não sei o que o pr pensa e também os irmãos leitores deste espaço, mas as celebrações de ceia, em geral tendem a ser bem fúnebres e isto me molesta um pouco. Sempre vi e vejo a ceia como um ato de contrição, mas sobretudo de dádiva e alegria pela renovação da aliança com cristo. Então, porque tamanha desolação?

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    1. Obrigado pela contribuição. É bom saber que minha poucas letras ajudam a edificar o corpo de Cristo. Você fez duas colocações importantes para a reflexão sobre o tema.
      Primeiro: quando a questão do ego sobressai a humilde adoração ao Cristo que é Senhor da igreja então aquilo se torna apenas show e nem deve ser qualificado como culto, ainda quer em espaço ou agenda eclesiástica. Adoração tem a ver com serviço sincero e submissão contrita àquele que é digno de todo o louvor eterno. Temos muita escola do culto culto verdadeiro ao longo da rica história do Cristianismo, se, pela graça e orientação divina, for capazes de beber nelas, e não nos bitolarmos em uma apenas, traremos um louvor mais genuíno e cristão.
      Quanto à Ceia, concordo plenamente em não me sentir muito a vontade quando predomina apenas o caráter fúnebre em sua celebração. A Ceia do Senhor, como memorial, sempre começa relembrando os momentos de agonia na cruz e na dor funesta da morte vicária; mas tem que culminar com a lembrança do túmulo vazio e a certa de chegada próxima do glorioso "Dia do Senhor". Isso sim é celebração festiva. Assim deve ser a adoração.
      Deus o abençoe e continue instigando sua reflexão bíblica.
      Abs.

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